Acórdão nº 0791/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução12 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A……, casado, residente na Rua ……., nº……., 4900-……., Viana do Castelo, interpôs, nos termos do artº152º do CPTA, o presente recurso do acórdão de 11/2/2010 da Secção para uniformização de jurisprudência.

Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. A CGD, S.A., “despediu” o aqui recorrente em 1997, com quem tinha uma relação de emprego público — art.°31° nº2, da lei orgânica, através de um AA lesivo, como tal aceite pelo STA, servindo-se do seu ED1O4/93, RGU interno, com eficácia externa, de direito público, que integrou direito laboral (Código de Trabalho).

    Fê-lo 16 anos depois da lei habilitante - art.°36.° da lei orgânica - DL48953, 05.04.69 (redacção de 1977), alicerçada num “poder” retirado depois pela Revisão Constitucional de 1982, cuja matéria passou a ser regulada pela AR. Deste modo, o CACGD definiu sanções laborais para funcionários públicos (regime inovatório e desigual), criando uma subespécie de funcionários públicos, aí em nome da igualdade entre todos os seus funcionários ver art.°31º nº2. Fê-lo com vício de forma, porque já não tinha poderes, legislou em área reservada à AR, de forma lesiva, interferindo com direitos fundamentais, como a segurança no emprego (art°53º da CRP).

  2. A forma escrita do AA e a “caduca” lei habilitante do ED104/93, estão longe de preencher todas as condições formais, de legalidade externa e interna a que devem obedecer os AA. Por isso, o recorrente defendeu que o ED1O4/93 e o AA emitido à sua sombra, careciam em absoluto de forma legal, o acórdão recorrido, decidiu que não, só porque este tinha a forma escrita. Ora, em situação idêntica, quanto ao ED1O4/93 aplicado, quanto à pena de despedimento, quanto ao contrato jurídico com a Caixa, decidiu o STA e não um qualquer TCA, no proc.°46314, 14.10.2000, que o AA com aplicação do ED 1O4/93 carecia em absoluto de forma legal (1ª oposição).

  3. O recorrente defendeu que foi profundamente atingido e diminuído no seu direito de audiência e defesa, seja administrativa, seja judicial, direito associado, no caso, por força da aplicação de pena expulsiva, à segurança e manutenção do emprego, direito ao trabalho, na sua vertente de sustento, realização social e profissional e direito ao reingresso na FP (art.°47.° CRP ex vi ED84). E disse que foi atingido porque “desconhecia” o direito, ele e os seus possíveis representantes legais, tinha incerteza quanto ao ED aplicável e às penas, bem como à qualificação jurídica das infracções. Essa incerteza jurídica estava concretizada em jurisprudência contraditória, gerando na Caixa um comportamento “oportunista”, visando resolver os casos, processo a processo, sem cuidar de uma medida de fundo, levando consigo a JUR, através de pareceres contraditórios e pronúncias que estavam longe de ser profundas e não enfrentaram a complexidade da situação jurídica em causa. A que acresce a natural inércia e a tentativa de dar como consolidada a JUR anterior a 01.09.93, com argumentos de autoridade, sem afrontar uma nova revogação do ED 1913, através de um DL, a qual põe problemas à repristinação.

  4. Mas o acórdão recorrido desvalorizou a ilegalidade ou até a inconstitucionalidade, não parecendo dar-se conta, apesar das alegações do recorrente, de que a ilegalidade foi cometida contra a hierarquia das leis como decidira já o Ac. do STA de 05.07.2005 (acórdão fundamento), 2ª e 3ª oposição, em que o acórdão recorrido se fundamenta «III - É ilegal uma norma regulamentar que está em dissonância com diploma de valor legislativo», vício de lei de fundo, concretizado em aplicação de um bloco de legalidade diverso do aplicável (violação do art.°137.°CPA).

    Extravasou os seus poderes, disse o ACTCAS 631O/02, 06.022003 e o AC TCAS 6859/04, 27.05.2005. E, como veremos, infra, na 7ª oposição, isso deve ter consequências: a nulidade.

    Violou a lei habilitante, pressupondo o seu poder de emissão, à data de 11.08.1993 [Há aqui identidade na questão de direito e de facto: emissão de RGU’S em função de lei habilitante]. Já o Ac. do STA de 1977/01/03 – Proc.10106, em que se alicerçou o Ac. do STA, proc.° 012947, 23.06.1983, 1ª Secção CA, Cruz Rodrigues, sob os descritores: regulamento ilegal, hierarquia das normas, acto administrativo, nulidade radical, violaçâo de lei, emitira uma decisão diferente da do AC REC, quanto às condições de emissão das normas: «1 - Está ferido de nulidade radical o diploma regulamentar que contraria norma superior na hierarquia das leis. II - O AA que aplica tal regulamento padece de violação de lei».

  5. O acórdão recorrido parece ter assumido a sua asserção desvalorizadora da ilegalidade como se a virtual gravidade dos factos disciplinares e que não foram trazidos ao processo judicial, fosse uma justificação ou compensação para a ilegalidade e consequente anulabilidade. E isso não existe na lei nem na jurisprudência, quanto a penas expulsivas. Não se trata aqui de normas de um concurso, ou de promoções profissionais. Trata-se da forçada diminuição do seu direito de audiência e defesa e, afinal, da sua demissão, conforme reconheceu o Ac. do STA - Proc.°01717/03, 17.12.2003, Jorge de Sousa: IV - O essencial do direito de defesa do arguido em processo disciplinar consubstancia-se na possibilidade de pronúncia sobre todos os elementos que relevem para a decisão, tanto no que concerne à matéria de facto como à matéria de direito (...).

    No direito laboral, como no administrativo, um procedimento disciplinar pode ser declarado nulo por razões puramente formais.

  6. Vejamos em que se concretiza essa insegurança jurídica que o acórdão recorrido ostenta mas nega e que atingiram o recorrido, com consequências lesivas no seu direito de audiência associado à violação do núcleo essencial de direitos fundamentais. É questão apreciada sob o título I, concretizada na 2ª e 3ª oposição, ocorridas em situações fáctico-jurídicas idênticas. O acórdão recorrido, em duas asserções, assumiu que o TCAN não seguiu jurisprudência indicativa superior e que citou.

    Entre outros, citou o AC STA 0927/02, citado, no que nos interessa, pelo AC FUNDO755/04: Um e outro bem como o AC REC, pode dizer-se, então, assumiram a conclusão V do AC 0927/02: «V — Até à publicação do DL n°287/93, aos trabalhadores da CGD era aplicável o regime jurídico da função pública e o regime disciplinar do Decreto de 22/2/1913. Após a publicação e entrada em vigor daquele DL n°287/93, é-lhes aplicável o regime do Contrato Individual de Trabalho».

  7. Na sua interpretação desta jurisprudência dita indicativa e até uniforme, o acórdão recorrido diz que era aplicável o ED 1913, já que — pressuposto, o TCAN decidira que era o ED84. O ACSTA O755/04 citou o AC0927/02, com JUR fundamentadora das suas posições. Portanto, o que nesta conclusão está dito, é que, até 01.09.1993, o ED aplicável era o ED1913 (ED dos F Civis do Estado). O AC0755/04, filia, nas suas conclusões, na jurisprudência tradicional e no art.°279.° do Dec 8162, de 05.1929, revogado pelo art.°25.° DL693/70, de 31.12.

    Não se pode dizer que, com esta conclusão V, tendo em conta o seu texto, o AC0927/02, tenha entrado em contradição interna. Outras conclusões, com erros, deixam entrever alguma confusão. No entanto, o que fica claro é que a sentença recorrida, na sua interpretação, ao apoiar as asserções da Caixa, aliás, seguida já pelos TCA’S, põe em causa a aplicação subsidiária do ED84 estabelecida no AC0927/02.

  8. Já o AC FUND 047635, que em situação idêntica, estabelece como aplicável o regime disciplinar dos funcionários públicos, além de cumprir o art.°31.°, 2 da lei orgânica e o n°13.° do preâmbulo (intenção do legislador!...), cumpre também um aspecto fundamental, traduzido nesta conclusão de um AC TC, não violando o CPA, mormente o seu art.°19.° sobre a repristinação dos RGU’S. E não daria, certamente, guarida ao posterior parecer SC, nesse aspecto bastante contraditório, apoiado pelo STA: «IV - A revogação da lei, a que o regulamento sirva de complemento e se proponha executar, produz a cessação da vigência do regulamento, a menos que essa lei seja substituída por outra nova e na medida em que não contrarie a lei (AC TC ACTC87-126-P, proc.°86-0055,07.04.87, Martins da Fonseca, DR II S, 04.06.1987, pág. 7146)».

  9. SC defendeu, anos a fio, com a Caixa, a revogação do ED1913 e, em complemento, a ideia de que o legislador quis revogar o artº36º LO, e que essa norma era o RGU.

    Depois de 2007, apoiado pela JUR em que se alicerçou o acórdão recorrido e no PAR PGR87/87 de que nunca a Caixa gostou (gosta agora das suas conclusões, as quais lhe servem se não se der muita importância à fundamentação...), SC vem defender que o legislador não teve a intenção de revogar aquele ED. Mas é claro, bem claro, mau grado a aparente colisão do artº7º com o artº9.° do DL287/93 que foi encontrada por parte do STA para defender a jurisprudência tradicional, que o artº36º foi revogado. Como reconheceu a Caixa outrora, SC de outrora, o AC TCAS 10148/00, de 24.01.2002 e os 13 Juízes do TC, quando não acharam útil declarar ilegal com força obrigatória geral, o artº37º daquele ED1913 (AC 1C803/94 já citado nas alegações de REV). Esse pressuposto de revogação, foi ratio decidendi de tal decisão.

  10. E, relendo a conclusão transcrita do AC TC sobre a repristinação do RGU revogado, que concluir? Qual o ED aplicável? O ED84, certamente, como já defendera o ACTCAS068S9/04, de 27.05.2004, que o ACSTAO831/04, que faz parte do grupo de jurisprudência dita indicativa e que, atendendo ao seu objecto (legalidade ou ilegalidade do ED1O4/93) e ao princípio do contraditório e do dispositivo, conformou um caso julgado: a ilegalidade do ED 1O4/93. Se for caso julgado que é o ED1913, então, porque deixou passar aquele ACTCAS 06859/04, de 27.05.2004, o qual fez correr muita tinta na pena do Sr. Prof. SC, o qual lhe dedica várias páginas, para estabelecer as diferenças que aí foram notadas e que não se resumiam...

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