Acórdão nº 0892/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1. 1.

A A……, SA, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, acção administrativa especial contra a Entidade de Reguladora para a Comunicação Social (ERC), na qual pediu a anulação da deliberação desta entidade de 5/10/2009, que aprovou o Plano Plurianual de Acessibilidades às emissões televisivas, a vigorar de 1/7/2009 a 31/12/2012, no qual impôs à Autora (e outras operadoras) determinadas obrigações a observar na transmissão da sua programação televisiva.

Por sentença do TAF de 3/11/2010, a acção foi julgada procedente e essa deliberação anulada.

Interposto recurso dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul, foi-lhe negado provimento, por acórdão de 19/5/2011.

Com ele se não conformando, a ERC interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal, que foi admitido por acórdão de 26/10/2011 da formação estabelecida no artigo 150.º, n.º 5, do CPTA.

Nas alegações desse recurso, a ERC formulou as seguintes conclusões:

  1. O problema da acessibilidade às emissões televisivas por parte de pessoas com dificuldades especiais está relacionado com o princípio da igualdade e com o direito à informação, ambos fundamentais – todos têm direito a ser informados e não podem ser discriminados em virtude de qualquer tipo de dificuldade de acesso a tais emissões –, sendo certo que é isso mesmo que o art.º. 34°, n° 3 da Lei da Televisão visa acautelar; B) Esta disposição legal decorre da transposição para o direito interno da Directiva n° 89/552/CEE, do Conselho, de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Directiva n° 97/36/ CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de Junho, o que evidencia a relevância que foi dada ao problema da acessibilidade às emissões televisivas por parte de pessoas com necessidades especiais; C) O legislador nacional entendeu dever acautelar o cumprimento gradual do conjunto de obrigações de acessibilidade às transmissões televisivas, tendo em conta a evolução tecnológica e as condições de mercado, a definir em Plano Plurianual que incumbe à entidade reguladora aprovar, sendo ampla a margem de discricionariedade desta; D) Com o Plano Plurianual integrante da deliberação impugnada se cumpria, na medida do possível, o direito à informação e era salvaguardado o princípio da não discriminação das pessoas com necessidades especiais no acompanhamento das emissões televisivas; com o acórdão recorrido esses direitos fundamentais são postos em causa, em violação dos art.s 13° e 37°, n° 1 da C.R.P.; E) A ERC é uma entidade administrativa independente, predominantemente vocacionada para a defesa dos direitos e liberdades fundamentais, entre os quais o direito à não discriminação e o direito à informação; F) Na verdade, a ERC tem como objectivo de regulação “b) Assegurar a livre difusão de conteúdos pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social e o livre acesso aos conteúdos por parte dos respectivos destinatários da respectiva oferta de conteúdos de comunicação social, de forma transparente e não discriminatória, de modo a evitar qualquer tipo de exclusão social ou económica e zelando pela eficiência na atribuição de recursos escassos” (art. 7°, al. b) dos Estatutos da ERC); G) Trata-se da concretização do que vem previsto no art.º 43°, nº 2 das Bases Gerais do Regime Jurídico da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação das Pessoas com Deficiência (Lei n° 38/2004, de 18/1/08); H) O tribunal não pode substituir-se à entidade reguladora no exercício concreto dos poderes não vinculados que lhes estão adstritos, impedindo-a de dar cumprimento à obrigação legal de aprovar o Plano Plurianual, tal como previsto no art. 34°, n° 3 da Lei da Televisão; I) O acórdão recorrido põe definitivamente em causa o cumprimento pela entidade reguladora de uma obrigação legal, já que, ao não indicar qual o vício concreto de que padece a deliberação ora anulada – erro grosseiro, desvio de poder ou justificada violação de princípio fundamental – fica aberta a porta para sucessivas e futuras anulações de outros Planos Plurianuais que venham a ser aprovados por aquela entidade; J) E, ao pôr em causa as atribuições e competências da ERC em matéria de regulação do sector, impedindo-a ainda de cumprir uma obrigação legal, o acórdão recorrido consubstancia uma violação do art. 39°, n° 1, al.s a) e e) da C.R.P.; K) Sendo certo que a «relevância jurídica ou social» é indiciaria pelo relevo comunitário particularmente intenso dos interesses em jogo e a dificuldade técnica dos juízos interpretativos, com particular relevo nos conceitos indeterminados, forçoso é concluir que se encontram preenchidos os requisitos previsto no art. 150° do CPTA para admissão da presente revista; L) Entende o tribunal a quo que “não parece de todo, nem se provou, ser irrelevante o conjunto de alterações ocorridas entre o projecto de deliberação e a deliberação aqui impugnada”, concluindo, depois de abordar sucintamente cada uma das situações em causa, que “se torna despiciendo discutir se o comunicado em audiência prévia tem de ser exactamente igual ao decidido"; M) Ora o Projecto da deliberação impugnada incluía já a obrigação de emitir programas de ficção ou documentários com áudio-descrição, tendo apenas a deliberação final aumentado o período de emissão destes programas de uma hora para uma hora e meia; N) As observações feitas em audiência prévia pela Recorrida sobre as dificuldades em efectuar a áudio-descrição de programas durante uma hora por semana valem igualmente quando esse tempo é alargado para hora e meia dado que não muda a natureza dos problemas suscitados pela interessada; O) Encontrava-se igualmente prevista no Projecto a obrigação de transmissão de determinadas mensagens oficiais com legendagem ou interpretação por meio de língua gestual, tendo a deliberação final, de acordo com as opiniões entretanto recolhidas, cumulado ambas as formas de acessibilidade e imposto a disponibilização em linha desses conteúdos às pessoas cegas e com baixa visão; P) Mais uma vez, as observações feitas pela Recorrida sobre cada um destes meios de divulgação valem para os dois em conjunto; Q) Acresce que a disponibilização em linha de conteúdos só é exigível no caso de comunicados dos Serviços de Protecção Civil que não sejam integralmente lidos e que possam conter elementos gráficos indicadores de zonas de maior risco para as populações em caso de sinistro; R) Trata-se de uma medida de diminuta relevância e impacto, insusceptível de acarretar a invalidade da deliberação impugnada; S) Consta ainda do Projecto de deliberação que teria de ser efectuada a dobragem de peças inseridas nos programas de natureza informativa que contivessem elementos falados em língua estrangeira; T) Ouvidos os interessados, a Recorrente entendeu por bem substituir a exigência da dobragem por locução em língua portuguesa, que não implica a utilização de tantos recursos humanos, desagravando a medida; U) A ERC não tem a obrigação de informar a Recorrida do sentido exacto da deliberação, o que, não apenas contraria directamente a letra e espírito da lei, como seria impraticável, prolongando as diligências de consulta dos vários interessados ad eternum; V) Não se verifica, pois, o vício de forma resultante da falta de audiência prévia, como foi confirmado pelo acórdão recorrido; W) Entre as atribuições de regulação da Recorrente, como entidade administrativa independente, avultam as seguintes: (i) assegurar o direito à informação e a liberdade de imprensa e (ii) o respeito pelas normas reguladoras das actividades de comunicação social (art.º. 39°, n° 1, al.s a) e e) da CRP), bem como (iii) assegurar a livre difusão de conteúdos pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social, de forma transparente e não discriminatória, de modo a evitar qualquer tipo de exclusão social ou económica (Art.º. 7°, al. b) dos Estatutos da ERC); X) Para a prossecução de tais atribuições foram conferidos determinados poderes/deveres ao Conselho Regulador da ERC que este, no estrito respeito pela legalidade, tem de exercer cabal e eficientemente, não podendo demitir-se das suas funções; Y) Um desses poderes/deveres é precisamente o previsto no art. 34°, n° 3 da Lei da Televisão, ou seja, com a aprovação da Lei n° 27/2007, a ERC ficou obrigada a elaborar um plano plurianual que, de forma gradual e tendo em conta as condições técnicas e de mercado em cada momento por ela verificadas, defina o conjunto de obrigações que permita o acompanhamento das emissões televisivas por pessoas com necessidades especiais; Z) Assim, e contrariamente ao que vem dito no acórdão recorrido, qualquer interpretação do art. 34°, n° 3 da Lei da Televisão que retire, na prática, à entidade reguladora a atribuição para estabelecer tais obrigações, ao impor-lhe a avaliação das condições técnicas e de mercado de acordo com critérios indeterminados, não previstos na lei, nem definidos pelo tribunal, terá de considerar-se inconstitucional por violação dos princípios fundamentais da igualdade e da não discriminação e por violação do art. 39.º, n° 1, al.s a) e e) da CRP; AA) O acórdão ora recorrido limita-se a afirmar, sem apresentar qualquer justificação, que “no caso em apreço, o tribunal a quo aplicou precisamente tais princípios gerais, todos aliás de base constitucional”, referindo-se, presume-se, aos princípios plasmados nos art.s 266°-1-2 e 267°-4 (será 267°-3 ?) da CRP e nos art. 4° a 6°-A, 9° e 11º do CPA; BB) Ora não basta invocar normas legais que consagrem determinados princípios, é necessário explicar em que medida, e por que razão, tais princípios não foram observados pela entidade reguladora; doutro modo, é apenas possível contrapor com a afirmação contrária e deixar claro que, no procedimento que levou à aprovação do Plano Plurianual, foram observados todos os princípios que devem enformar a actividade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT