Acórdão nº 0391/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A……., com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista excepcional ao abrigo do artº 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a fls. 1813 e segs., que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Lisboa, que julgou totalmente improcedentes os pedidos cautelares formulados nos autos pela ora recorrente.

Termina as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei nº62/2011, de 12 de Dezembro tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dada (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  1. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  2. Face ao corpo que resulta provado pelas instâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

  3. A Lei nº 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  4. Com efeito, os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a aprovação de PVP, terem por objecto mediato uma actividade – a comercialização dos medicamentos genéricos das Contra-interessadas – violadora dos direitos de patente da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável conforme resulta do artigo 17º da Constituição, considerada pela lei como um crime.

  5. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  6. Com efeito, invocou a Recorrente na acção principal a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos dos artº133º, nº2, alíneas c) e d) do artigo 135º, ambos do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321º do Código de Propriedade Industrial.

  7. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o artigo 18.º da Constituição que tem aplicação directa.

  8. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133º e 135º do CPA.

  9. Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos 133º e 135º do CPA, da Lei nº62/2011 não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

  10. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do acto administrativo de concessão da AIM e de PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respectivamente.

  11. A nova norma do artigo 23º-A do estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  12. As normas dos artigos 25.º, n.º 2 e 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei nº 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133º e 135º do Código de Procedimento Administrativo, nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos do INFARMED à luz dessas disposições.

  13. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  14. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  15. As considerações acima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.

  16. As disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 25.º n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 (e, apesar de não referido pelo douto Acórdão o artº23º-A, nº19 e 2) do Estatuto do Medicamento) – na redacção conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  17. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas do artigo 19º, nº8, do artº 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 (e apesar de não referido pelo douto Acórdão o artigo 23º-A, nº1) e 2) do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o INFARMED (e o MEE/DGAE) tome conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou o obriguem a deferir requerimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17º, 18º, 62º nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  18. A norma do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

  19. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.º, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  20. A alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 62/2011 não alterou os fundamentos em que se baseia a pretensão da ora Recorrente na acção principal de que estes autos cautelares são dependentes.

  21. Com vista a uma “melhor aplicação do direito”, deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni juris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n.º 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

  22. Com base nos factos materiais fixados nas instâncias resulta inegável que os actos administrativos a que estes autos se reportam têm por finalidade única permitir o lançamento no mercado de medicamentos violadores dos direitos de propriedade industrial da Recorrente, ou seja, o seu objecto mediato integra a violação de um direito fundamental de que a mesma Recorrente é titular, análogo aos direitos, liberdades e garantias, actividade essa que constitui um crime previsto e punido pelo artigo 324º do Código de Propriedade Industrial, sendo nulos, nos termos do artigo 133º, nº2, alíneas c) e d) do CPA.

  23. Mesmo que assim se não entendesse, seriam sempre tais actos anuláveis nos termos do artigo 135º do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o artigo 18º da Constituição que tem aplicação directa.

  24. Devendo dar-se por verificada a existência de fumus boni iuris, deve ser então apreciado por este Tribunal o requisito do periculum in mora, nos termos do artigo 150º, nº3 do CPTA.

  25. O não decretamento da providência requerida levará com toda a probabilidade ao lançamento dos medicamentos dos autos no mercado, o que determinará uma situação de facto consumado, já que a eliminação do exclusivo de comercialização da Recorrente será na prática eliminado sem possibilidade de vir a ser restabelecido, uma vez que os direitos da Recorrente caducarão antes de decorrido o prazo normal de julgamento definitivo da acção principal e jamais lhe poderá ser concedido novo prazo de tal exclusivo pelo período que perdurar a venda ilegal...

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