Acórdão nº 0610/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução15 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO “A………, S.A.”, já devidamente identificada nos autos, nos quais é autora, interpõe, para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 150º/1 do CPTA, recurso de revista do acórdão do Tribunal Administrativo – Sul, proferido a fls. 517- 533.

Nesse aresto, o TCA-Sul concedeu parcial provimento ao recurso para ele interposto, de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que condenou o Estado a pagar à autora a quantia de € 25 307,32, a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes, causados pelas condutas lícitas que determinaram a proibição de comercialização e consequente destruição dos bens da autora, acrescido dos correspondente juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

O acórdão recorrido revogando a sentença da primeira instância, só na parte relativa aos juros, condenou o Réu a pagá-los apenas desde o trânsito em julgado da decisão condenatória.

A autora apresenta alegações com as seguintes conclusões: I. O presente recurso é interposto contra a parte da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul que absolveu o Estado Português do pagamento de juros de mora contados da data da citação, por considerar que os mesmos apenas seriam devidos desde a data do trânsito em julgado.

  1. A questão de fundo prende-se com a interpretação conferida ao disposto no art. 805º do Código Civil por parte do mui douto Tribunal Central Administrativo III. Do ponto de vista da ora recorrente, e salvo o devido respeito por opinião contrária, os juros de mora deveriam efectivamente ser contados da data da citação, não apenas porque esta equivale à interpelação do devedor, mas também porque o crédito em questão, apesar de litigioso, não pode ser qualificado como líquido.

  2. Por sua vez o presente recurso extraordinário de revista é justificado com base nos termos da primeira parte do nº 1 do art. 150º do CPTA, não só porque envolve “a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental”, mas ainda porque se afigura “necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  3. Conforme decorre do teor do mui douto Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 17.06.2010, proc. nº 0479/10, “2.1. O art. 150º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê “excepcionalmente” recurso de revista para o S.T.A. “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  4. A Jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a acentuar, repetidamente, que “quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva” (vide Acórdão desta Secção do STA de 24/5/05, in rec. nº 579/05).

  5. Também de acordo com Mário Aroso, que “não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios “cabendo ao STA “dosear a sua intervenção, por foram a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema. “Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.” VIII. Os presentes autos respeitam a acção de indemnização por danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes instaurada contra o Estado Português no âmbito da responsabilidade do Estado por actos lícitos, dado que, no início de 2003 houve uma crise que afectou a indústria avícola portuguesa, denominada “crise dos nitrofuranos” que culminou, por razões de saúde pública e retoma da confiança do mercado, com a ordem de destruição dos stocks existentes de carne de aves congelada de origem animal (congeladas antes de 14/03/2003), suspeitas de estarem contaminadas com furaltadona, tendo, em sede de sentença proferida em 1ª instância, sido julgado procedente a totalidade do pedido apresentado.

  6. É inegável que a propalada crise dos nitrofuranos teve um impacto significativos em termos económicos e sociais.

  7. Todos os operadores económicos que, tal como a ora recorrente, viram os respectivos stocks de carne de aves congelada sem serem destruídos por ordem do Estado Português instauraram acções judiciais em que reclamaram, nos exactos termos em que a ora autora peticionou os seus direitos, o pagamento de indemnizações pela prática de actos lícitos.

  8. Todos esses processos foram já julgados e decididos em primeira instância (in casu, por sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de Aveiro, de Mirandela, de Penafiel, de Coimbra, de Leiria e pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa) e na maioria das situações dos acórdãos proferidos, em fase de recurso, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, pelo Tribunal Central Administrativo Sul e, finalmente, pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo – Cfr. proc. 1500/04 BEVIS, proc. nº 1176/05.6BELRA, proc. nº 33/05.0BECBR, proc. nº 1873/04.3BELSB, proc. nº 1872/04.5BELSB, proc. nº 2187/04.4BELSB, proc. nº 1871/04.7BELSB e proc. nº 2187/04.4BELSB.

    XII Em todos os processos, sem excepção, o Estado Português foi condenado no pedido e nos respectivos juros de mora, contados da data da citação.

    XIII É manifesto o interesse para que seja sindicada a validade da decisão ora tomada.

    XIV A decisão ora recorrida situa-se nos antípodas de todas as decisões proferidas até à presente data, no que respeita à questão da contagem dos juros de mora.

  9. Colide com a própria orientação que tem sido adoptada por parte do Venerando Supremo Tribunal Administrativo em casos de indemnizações pela prática de actos lícitos – Cfr. Acórdãos proferidos em 16/05/2002, no âmbito do proc. 0509/02, em 29/05/2003, no proc. 688/03, e mais recentemente pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça (decisão de 10/05/2005) – todos disponíveis in www.dgsi.pt.

  10. Conforme supra assinalado, o presente recurso cinge-se a discordância da recorrente em relação à interpretação conferida ao art. 805º do Código Civil em sede de mui douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, à questão da determinação do momento da constituição em mora e, consequentemente, da data a partir da qual deverão contar-se os respectivos juros.

  11. De acordo com o art. 805º do CC “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”. Cfr. nº 1 XVIII O nº 2 do mesmo preceito estabelece um importante conjunto de excepções ao acima citado princípio, ao consagrar que “há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a indemnização provier de facto ilícito; c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido”.

    XIX Já o nº 3 do mesmo artigo prevê que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.

  12. Salvo melhor opinião em contrário, a ora recorrente entende que a excepção prevista no nº 2 é estabelecida em relação à regra da obrigatoriedade da interpelação, que, conforme o próprio artigo refere, pode ser judicial ou extra judicial.

  13. No caso concreto dos autos, essa excepção não pode ser aplicada porque, pura e simplesmente, com a citação ocorre a...

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