Acórdão nº 5508/09.0TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução27 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

D e marido, R, em representação de sua filha menor I.

, intentaram contra PP, Companhia de Seguros, S.A.

, A, e esposa, V, estes como representantes legais de seu filho menor, D.

, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhes a quantia de Esc. 22.000.000$00, sendo Esc. 3.000.000$00, a título de danos morais e Esc. 19.000.000$00, a título de danos patrimoniais, estando Esc. 20.000.000$00 cobertos pelo seguro de responsabilidade civil da companhia de seguros em causa.

A fundamentar o peticionado, alegaram, em síntese: No dia 1.05.1994, junto ao café “…” situado na Rua , onde se encontrava a D, quando a, então, menor I. se dirigia, a correr, para a Praceta que ficava contígua à esplanada do referido café, para brincar com outras crianças que aí se encontravam, o menor D., filho dos RR., colocou-lhe o pé à frente, provocando-lhe uma queda.

Em consequência da queda a menor sofreu lesões no braço esquerdo, tendo sido operada, com internamentos, ficando com sequelas.

Em consequência da referida queda a A. I. sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que quantificou.

Os 2ºs RR. tinham celebrado com a 1ª R. um seguro de responsabilidade civil que cobria o risco de “vida privada”, com um capital seguro até ao montante de Esc. 20.000.000$00, tendo-lhe feito participação do acidente ocorrido.

Regularmente citados, os RR.

contestaram, por impugnação, propugnando pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador e elaboradas especificação e questionário, os quais sofreram reclamações que foram indeferidas.

Por despacho de 15.12.2008 foi declarada cessada a representação judiciária de I. por seus pais, por ter atingido a maioridade, passando esta a litigar por si.

Por despacho de 9.06.2011 foi declarada cessada a representação judiciária de D. por seus pais, por ter atingido a maioridade, passando este a litigar por si.

Procedeu-se a audiência de julgamento, respondeu-se ao questionário e foram apresentadas alegações de direito por escrito.

Oportunamente, veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré “PP - Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à Autora I. a quantia de 94.771,60 €, acrescida de juros de mora desde a presente data (da sentença), à taxa legal em vigor e absolveu o Réu D. do pedido.

Inconformada com a decisão, dela apelou a R.

, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:

  1. O Tribunal recorrido fez errada apreciação da prova produzida nos autos.

  2. As respostas dadas aos quesitos 14º, 15º, 34º, 35º, 36º e 38º devem ser alteradas, quer tendo por base o conjunto dos documentos médicos juntos aos autos, quer com base na prova pericial produzida, nesta se integrando os esclarecimentos – ou falta deles – prestado pelo Sr. Perito F em audiência de julgamento.

  3. Na verdade, perante duas teses sobre a origem das sequelas hoje apresentadas infelizmente pela A., este Sr. Perito demonstrou inclinação clara para a primeira por não ter conhecimentos suficientes para poder sustentar ou refutar a segunda.

  4. Com o que não pode o Tribunal, com ainda menores conhecimentos técnicos do que esse Sr. Perito, dar como assente uma das teses em detrimento da outra.

  5. Os presentes autos foram instaurados tendo como ponto de partida a alegada responsabilidade civil do R. D.: esta é a causa de pedir formulada na presente acção, o que, de resto, foi reconhecido na sentença recorrida, quer quando afirma que os pais deste apenas foram demandados para se suprir a incapacidade natural resultante de menoridade daquele, quer quando afirma que não pode apreciar a responsabilidade in vigilando destes pais por tal não ser questão que haja sido colocada pela qualidade em que os ditos pais foram demandados.

  6. Com esta base, foi o D. absolvido do pedido, na medida em que, tendo ele seis anos à data dos factos, se presume a sua inimputabilidade.

  7. Ora, a causa de pedir é um dos elementos integradores da instância que se deve manter estável, isto é, só excepcionalmente pode ser modificada.

  8. E, no que à causa de pedir tange, esta só pode ser alterada havendo acordo das partes ou, não o havendo, na réplica ou em consequência de confissão feita pelo R. e aceite pelo A.

  9. Nos presentes autos nenhuma dessas hipóteses ocorreu: nem houve acordo das partes para a alteração da causa de pedir, nem esta foi alterada na réplica, j) Nem ocorreu confissão de qualquer facto pelos demandados que permitisse à A. aceitar e, assim, alterar a causa de pedir.

  10. Estava, pois, vedado à sentença recorrida apreciar outra causa de pedir e proferir uma condenação com base em questão diversa da alegada responsabilidade do D..

  11. Isto é, a sentença recorrida violou ilicitamente o princípio da estabilidade da instância no que à causa de pedir concerne ao proferir sentença condenatória, não com base na alegada responsabilidade civil do D. mas com base numa não alegada, de facto ou de direito, responsabilidade civil dos pais deste por pretensa violação do dever de vigiarem o filho.

  12. Tal apreciação feita na sentença recorrida não encontra acolhimento no princípio da não vinculação do julgador à matéria de direito alegada pelas partes, uma vez que a causa de pedir é integrada por factos, e não por conceitos de direito, e os que podiam sustentar a condenação tal como ela foi formulada não foram alegados nos presentes autos.

  13. De resto, considerou a sentença factos e conclusões não alegados pelas partes nem integradoras de qualquer das excepções que lhe poderiam permitir lançar mão dos mesmos, assim violando o princípio dispositivo pelo qual se rege o direito processual civil português.

  14. Mais: ao fundamentar a condenação em factos não alegados por qualquer das partes, impediu a ora apelante de exercer o contraditório relativamente aos mesmos, defendendo-se dos mesmos e tentando demonstrar que não se verificou qualquer omissão do dever de vigilância dos pais do R. D..

  15. Sendo, no mínimo, estranho que se diga na sentença recorrida que os demandados – a ora apelante em particular – não logrou ilidir a presunção da culpa in vigilando dos pais do D. quando, pelas alegações integradoras da p.i., da especificação e do questionário tal matéria não estava sequer em equação nos presentes autos.

  16. Acresce que a sentença recorrida cometeu duas nulidades: a de ter apreciado questão cuja decisão não lhe estava cometida e a de ter dito não poder apreciar a questão da responsabilidade dos pais do A. D. e depois ter fundamentado a condenação da ora apelante nessa mesma alegada responsabilidade… r) De qualquer modo, errou a sentença recorrida na apreciação que fez sobre a existência de responsabilidade dos pais do R. D. por violação do seu dever de vigilância: são profundamente erradas as conclusões a que chega sobre tal violação, uma vez que resulta dos autos que este menor estava vigiado, não só pelos pais, como pelos avós e por uma tia materna, sendo impossível a qualquer progenitor, avô ou tio ou quem que seja exercer uma vigilância tão apertada que permita a qualquer criança brincar e, em simultâneo, evitar com certeza absoluta a ocorrência de acidentes como dos autos.

  17. Finalmente, usa a sentença dois pesos e duas medidas, uma vez que considera que a mãe da A. logrou ilidir a presunção resultante do seu dever de vigilância quando esta se encontrava no mesmo exacto sítio em que estavam também os pais, os avós e a tia do R. D..

  18. Com o que, a existir violação do dever de vigilância por parte dos pais do menor D., teria também que existir violação do mesmo dever por parte da mãe da menor I. – e até por maioria de razão, já que esta estava sozinha a vigiar dois filhos, enquanto que o menor D. tinha cinco adultos a vigiarem-no a ele… u) Não existe nexo causal entre as sequelas que infelizmente afectam a A. e o acidente ocorrido em 01/05/1994, antes radicando em questões diversas a verdadeira causa dessas mesmas sequelas.

  19. Foram violadas as normas dos arts. 264º, 268º, 273º, 664º, 665º, 668º, nº 1, alíneas c) e d), todos do C.P.C., 483º e seguintes, maxime 491º, e 562º e seguintes, maxime 570º, todos do C. Civil.

Terminam pedindo que se declare nula a sentença recorrida ou, assim não se entendendo, alteradas as respostas dadas aos quesitos 14º, 15º, 34º, 35º, 36º e 38º e, em qualquer caso, revogada a sentença recorrida por violação dos princípios da estabilidade da instância, do dispositivo e do contraditório, para além de erro de julgamento quer sobre os pressupostos da responsabilidade civil quer sobre o nexo causal, sempre se absolvendo a ora apelante do pedido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido despacho a julgar não verificadas as nulidades da sentença invocadas.

QUESTÕES A DECIDIR.

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são: a) reapreciação da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos quesitos 14º, 15º, 34º a 36º e 38º da B.I.; b) da causa de pedir; c) da nulidade da sentença.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

  1. No dia 1 de Maio de 1994, depois das 20.00 horas, a Autora I., juntamente com o seu irmão e mãe, deslocou-se ao café “…”, situado na Rua , Moscavide, com o intuito de comer um gelado (alínea A) da Especificação e resposta ao quesito 1º).

  2. Chegados ao café, a mãe da Autora sentou-se na esplanada do café enquanto observava os seus filhos a brincarem juntamente com as outras crianças, na praceta que ficava contígua à esplanada (alínea B) da Especificação).

  3. Depois de comer o gelado, a Autora foi à mesa onde estava sentada sua mãe, para deitar fora o papel do gelado (resposta ao quesito 2º).

  4. Seguidamente, a Autora regressa de novo à Praceta onde continuavam a brincar as outras...

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