Acórdão nº 4497/07.0TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução12 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório.

Na 3ª Vara Cível de Lisboa, A… propôs, em 11/10/07, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B… e C…, Ld.ª, pedindo que os réus sejam condenados no pagamento de uma indemnização ao autor, no valor de € 150.000,00, a título de danos não patrimoniais, e no valor de € 18.292,99, a título de danos patrimoniais.

Para o efeito, alega que, em meados de Maio de 2005, teve a primeira consulta com o 1º réu em instalações da 2ª ré, que lhe apresentou três propostas terapêuticas para tratamento de um tumor maligno na próstata, o qual lhe transmitiu que a que se mostrava mais viável e indicada para o seu caso era a braquiterapia, pelo que, a aceitou.

Mais alega que foi operado pelo 1º réu em 19/5/05, nos termos daquela proposta terapêutica, mas que, depois da operação, foi acometido por fortíssimas dores na próstata e bexiga, com retenções urinárias e hemorragias, tendo que ser algaliado, passando, desde então, a agravar-se significativamente o seu estado físico e psíquico, com várias idas ao hospital e a consultas com outros clínicos.

Alega, ainda, que tudo se deve às más práticas médicas do 1º réu, que acusa de ter actuado com imperícia, por ter introduzido mal e em excesso as sementes radioactivas, causando queimaduras graves e irreversíveis nos órgãos colaterais do autor.

Alega, por último, que o 1º réu, quando verificou os danos que os seus actos causaram ao autor, o abandonou completamente, deixando de lhe dar qualquer assistência.

Conclui, deste modo, que deve ser indemnizado pelos prejuízos sofridos em consequência da actuação do 1º réu, em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos atrás referidos.

Os réus contestaram, alegando que a responsabilidade civil inerente ao exercício da profissão do 1º réu se encontra transferida para a «D…, Companhia de Seguros, S.A.», em virtude de contrato de seguro celebrado entre ambos, pelo que, a final, requer que seja a mesma chamada a intervir como parte principal, associada aos réus.

Mais alegam que o 1º réu cumpriu escrupulosamente o dever de esclarecer o autor, tendo-lhe sugerido a braquiterapia por se revelar mais adequada às pretensões do autor, sendo que, adquiriu o domínio daquela técnica no Seattle Prostate Institute, já tendo realizado, à data da intervenção efectuada ao autor, mais de três centenas destas operações, tendo seguido, no caso, todos os procedimentos aconselháveis e exigíveis à terapia em causa.

Alegam, ainda, que o 1º réu sempre prestou ao autor a melhor assistência e tratamento possíveis, e que os principais objectivos da braquiterapia foram alcançados, pois que o tumor se encontra controlado e a potência sexual preservada.

Concluem, assim, pela improcedência da acção.

O autor replicou, concluindo como na petição inicial.

Admitida a intervenção principal provocada da chamada «D… – Companhia de Seguros, S.A.», esta fez seu o articulado do réu, concluindo, igualmente, pela improcedência da acção.

O autor, por seu turno, deu por integralmente reproduzidas as respostas dadas em sede de réplica.

Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão sobre a matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção improcedente.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação daquela sentença.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos: Factos assentes

  1. Ao A. foi diagnosticado um cancro na próstata de moderado risco de malignidade.

  2. O A. desesperado que estava com o diagnóstico referido em A), que lhe havia sido efectuado, pretendeu ouvir a opinião de outros especialistas antes de tomar qualquer decisão, tendo, nessa altura, conhecimento da existência do Dr. B…, aqui 1.° R., conhecido como reputado Urologista e decidiu marcar consulta na C…, Lda., ora 2a R., consultório do Dr. B…, ora l.° R.

  3. Em meados de Maio de 2005, o A. teve a primeira consulta com o 1.° R. nas instalações da 2a R., fazendo-se acompanhar pelo resultado de uma biopsia prostática, tendo o 1° R. confirmado o diagnóstico descrito em A).

  4. O l.° R. apresentou ao A. três propostas terapêuticas, transmitindo-lhe que em sua opinião, a que se mostrava mais viável e indicada para o seu caso, era a 1ª Hipótese, ou seja, a BRAQUITERAPIA, método que consiste na introdução de sementes radioactivas na próstata.

  5. No que tange à opção pela primeira hipótese, isto é, pela BRAQUITERAPIA, o A. decidiu por esta proposta terapêutica.

  6. Foi marcada pelo 1.° R. a intervenção cirúrgica para o dia 19 de Maio de 2005, no "… HOSPITAL" em Lisboa.

  7. O A. foi operado, naquele dia, pelo 1.° R., teve alta no dia seguinte, ou seja, em 20 de Maio de 2005, Cfr. doc de fl.s 63 cujo teor se dá por reproduzido.

  8. O A., no dia 20 de Maio de 2005, pagou à 2a R., a quantia de € 10.072,59, a título de material utilizado na aludida cirurgia, ou seja, carga de iodo 125 (sementes radioactivas), Planimetria + Dosimetria (planeamento da quantidade de sementes radioactivas a colocar na próstata) e os honorários do ajudante - cfr. Doc de fl.s 67 cujo teor se dá por reproduzido.

  9. O A., no dia 9 de Junho de 2005, foi novamente internado no "… Hospital", onde, por indicação do 1.° R., lhe foi retirada a algália, devido às dores fortíssimas e infecções provocadas pela mesma.

  10. O A padecia de pancreatite alcoólica, diabetes e uma gamapatia monoclonal medicamente não completamente esclarecida e tinha 67 anos, à data da operação, factores de risco para o agravamento da disfunção eréctil, bem como, para os efeitos da radiação.

  11. O A. é médico dentista e evidenciou ter alguns conhecimentos a respeito da sua doença e, até, da braquiterapia, que adquiriu por meio de leituras recentes que efectuou assim que a sua doença foi diagnosticada.

  12. De acordo com o relatório referido em C, foi detectado no A. um tumor de Gleason 6, amplamente disseminado pela próstata, uma vez que cinco dos sete cilindros colhidos no exame tinham tumor em percentagem apreciável (entre 10% a 60%), parecendo estar poupado contudo o terço médio esquerdo da próstata.

  13. A ecografia realizada pelo A. revelou que o mesmo tinha uma próstata grande (concretamente, 44 cc, numa determinação, e 54 cc, em outra), tendo-se constatado ainda a presença de um lobo médio, bem evidente, a deformar o colo.

  14. O diagnóstico referido em M e N é efectuado através de uma ecografia tridimensional da próstata, que consiste em colher imagens de 5 mm em 5 mm de uma extremidade da próstata à outra, através das quais um software específico consegue determinar com exactidão o tamanho e a forma da próstata do doente.

  15. A braquiterapia aplicada pelo 1.° co-R. no A. consiste numa terapêutica susceptível de, em abstrato, obter os resultados pretendidos, concretamente, a cura do tumor, a preservação da função eréctil (pelo menos temporal), bem como a continência.

  16. Com efeito, a braquiterapia é uma forma de terapêutica com radiações, com a particularidade de a zona irradiada estar fundamentalmente restringida à próstata, diferentemente do que sucede na radioterapia externa (apesar de, por características, inerentes a cada doente, de ordem anatómica e biológica, a zona irradiada poder não ser exclusivamente limitada à próstata).

  17. Este efeito consegue-se, implantando fontes radioactivas, sementes de iodo 125 ou paládio 103, na próstata.

  18. Cada semente tem um campo de acção muito restrito e é o somatório de todas as sementes implantadas que produz o efeito terapêutico desejado, irradiando-se a próstata com uma margem dita de segurança oncológica.

  19. A braquiterapia tem como objectivo primário curar (ou eliminar) o cancro e diminuir a possibilidade de as células terem capacidade de continuarem a multiplicar-se e, assim, se espalhem para outras partes do corpo (criando metásteses), sendo, por isso, adequada aos doentes num estádio de doença pouco avançado, com tumor de pequena dimensão e confinado à glândula prostática, como era o caso do A..

  20. A braquiterapia envolve três fases distintas: [l] o estudo prévio (incluindo planeamento e dosimetria), [2] a implantação cirúrgica das sementes radioactivas e [3] o controlo e seguimento (follow up).

  21. No que tange ao planeamento, um passo importante é a determinação do tamanho e da forma da próstata ("volume study"), uma vez que o sucesso da terapêutica depende da implantação rigorosa e correcta das sementes radioactivas.

  22. Um estudo realizado nos Estados Unidos da América, por exemplo, constatou que, entre 2002 e 2005, que um doente com carcinoma da próstata, diagnosticado naquele período, tinha 22% de probabilidades de vir a ser tratado através da braquiterapia.

  23. A braquiterapia é uma técnica inovadora, é certo, mas que é já praticada (embora tenha sofrido evolução) no estrangeiro, desde 1977 e em Portugal, desde 1998.

  24. São reconhecidas as vantagens deste tratamento comparativamente a outras técnicas mais convencionais, precisamente por ser menos agressiva para o doente e apresentar menos efeitos secundários, sobretudo a nível da disfunção sexual e da incontinência.

    A

  25. O A. durante o internamento tinha uma urina clara e sem perdas abundantes de sangue pelo recto e pela uretra.

    BB) Por relatório médico efectuado pelo Dr U.... da Klinic ..., datado de 4 de Junho de 2007, consta: "Refiro-me à consulta feita no dia 30.5.2007 no meu ambulatório particular.

    Diagnósticos: Avaliação da possibilidade de transformação de uma derivação urinária ileal em neobexiga orthotpica ileal com: - derivação ileal em 04.01.2006 devido a queimaduras radicas da bexiga e queixas irritativas vesicais com incontinência urinária; - hérnia parastomal e prolapso da ileostomia; - estenose aguda da uretra; - infecções urinárias recorrentes; - urethrotomia...

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