Acórdão nº 3359/08.8TBFUN.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução29 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na Secção Cível da Relação de LISBOA: Pela Resolução nº 1231/2000 - publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, I série, n.º 72, de 9 de Agosto de 2000 – foi, pelo Conselho do Governo Regional da Madeira, declarada de utilidade pública, com carácter de urgência, a constituição de uma servidão administrativa de atravessamento do espaço aéreo pelo teleférico do Funchal, ao longo de todo o trajecto, assinalado nas plantas e mapa anexos a esta Resolução, abrangendo a faixa de servidão o volume definido pelos seguintes limites: “I - Entre a Estação do Funchal, localizada no Campo D. Carlos I, freguesia de Santa Maria Maior, e a Estação do Monte, localizada ao Caminho das Babosas, freguesia do Monte; II - Na horizontal possui uma largura de seis metros para a direita e seis metros para esquerda a partir do eixo do teleférico; III - Na vertical, compreende uma distância de oito metros abaixo da catenária em maior flecha do cabo do teleférico e de 20 metros de altura acima da catenária em menor flecha do cabo do teleférico.

IV - Na zona da servidão passa a ser expressamente proibido o seu atravessamento por qualquer meio, objecto, construção ou plantação de qualquer natureza por forma a garantir a segurança de pessoas e bens e permitir a utilização e funcionamento do Teleférico.

V – A presente servidão administrativa manter-se-á enquanto se mantiver em funcionamento o teleférico da Cidade do Funchal, caducando com a cessação definitiva de toda a actividade que a fundamenta”.

A aludida servidão administrativa incide sobre uma parcela de terreno com a área de 192m2 do prédio urbano sito na Rua ..., nº 000 C, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 00000 e inscrito sob o artigo matricial 0000º da freguesia de ..., com o valor tributável de 7937,88 euros.

Na arbitragem que teve lugar perante a entidade expropriante, na fase que antecedeu a remessa do processo a tribunal, os árbitros concluíram, por unanimidade, que - em conformidade com o disposto no artigo 8º, nº 2, alíneas a), b) e c) do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Dezembro - a constituição da mencionada servidão administrativa não dá lugar a qualquer indemnização (cfr. o Auto de Arbitragem datado de 30/3/2007 e constante de fls. 269/270).

Remetido o processo ao Tribunal Judicial da Comarca do Funchal (nos termos do artigo 51º do Código das Expropriações de 1999), foi aí proferido (em 1/8/2008) despacho a adjudicar à Expropriante CÂMARA MUNICIPAL DO FUNCHAL, nos termos do nº 5 do mesmo art. 51º do Código das Expropriações de 1999, o direito de servidão administrativa de atravessamento do espaço aéreo pelo teleférico da Cidade do Funchal da parcela AAE, 192 m2 de parte do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial 0000º da freguesia de ...

(cfr. fls. 299/300).

A expropriada A , por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança de B , interpôs recurso da mencionada Decisão Arbitral de 30/3/2007, pugnando, a título principal, pela caducidade da invocada declaração de utilidade pública e, a título subsidiário, pela atribuição duma indemnização no valor de 12.569,28 euros pela constituição da aludida servidão administrativa, tendo em conta a depreciação do prédio (cfr. fls 313 e seguintes).

Da sentença de 14JULHO2011 do TJ da Comarca do FUNCHAL que, julgando procedente o recurso interposto pela Expropriada A , atribuiu a esta uma indemnização no valor de € 12.569,28 euros (doze mil quinhentos e sessenta e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescida do valor resultante da aplicação dos índices de preços do consumidor, com exclusão da habitação, desde a data da declaração da utilidade pública (9/8/2000) até ao trânsito em julgado desta sentença, recorreu a expropriante CÂMARA MUNICIPAL DO FUNCHAL, tendo extraído das respectivas alegações as seguintes conclusões: «I – A douta sentença recorrida atribuiu aos Recorridos uma indemnização no valor de € 12 569,28, pela constituição de uma servidão administrativa sobre prédio propriedade destes; II – A douta sentença recorrida, bem como o laudo pericial são nulos, por violação do preceituado no artigo 8.º, n.º 2 do Código das Expropriações, já que deste resulta o dever de indemnizar, somente quando estão preenchidos os pressupostos daquele, o que não se verificou no presente caso; III – O laudo dos peritos assenta, não numa análise casuística do prédio e da servidão administrativa, mas no “debitar” generalidades, doutrina e jurisprudência, sem concretizar que capacidades construtivas e /ou agrícolas tinham os recorridos e que perderam? IV – Por outro lado, também a douta sentença recorrida, além de nula, por falta de substrato legal, violando, por erro de interpretação o artigo 8.º do Código das Expropriações, é nula pela sua fundamentação assentar em suposições e não em concretos factos que infirmem uma lesão efectiva e concreta dos recorridos.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença ora posta em causa, e, em consequência, decidir-se não fixar qualquer indemnização aos recorridos.» A Expropriada A contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Expropriante, formulando as seguintes conclusões: « a) As “conclusões” da recorrente são por demais vagas e genéricas, limitando-se a invocar “nulidades” para as quais não há lugar; b) Aliás, no caso de se ter pretendido invocar a nulidade do laudo pericial, tal deveria ter sido efectuado em obediência ao disposto no art.º 205, n.º 1, do C.P.C., sendo extemporânea a sua arguição neste momento; c) No corpo das alegações a recorrente suscita questões novas, que nunca trouxe aos autos, e que, por isso, nunca poderiam ser atendíveis em sede de recurso; d) Tal como constitui entendimento mais do que pacífico, o Tribunal deve seguir o laudo unânime de quatro peritos, entre os quais se encontrem os peritos do Tribunal.

e) Tendo sido esse o método seguindo pelo julgador, nenhuma censura pode merecer a sua decisão.» Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2] .

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º)[3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).

No caso sub judice, emerge das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela entidade expropriante ora recorrente que o objecto do respectivo recurso está circunscrito às questões de saber: a) Se a sentença recorrida, bem como o laudo pericial no qual ela se louvou, são ambos nulos, por violação do preceituado no artigo 8.º, n.º 2 do Código das Expropriações, já que deste só resulta o dever de indemnizar quando estão preenchidos os pressupostos daquele, o que não se verificou no presente caso; b) Se a sentença recorrida, além de nula, por falta de substrato legal, violando, por erro de interpretação o artigo 8.º do Código das Expropriações, é também nula por a sua fundamentação assentar em suposições e não em factos concretos que infirmem uma lesão efectiva e concreta dos recorridos.

MATÉRIA DE FACTO A sentença ora sob recurso julgou provados os seguintes factos: 1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº00000, o prédio urbano sito na Rua ..., nº000 C com o valor tributável de 7937,88 euros.

  1. Pela Resolução nº 1231/2000 – cujo extracto foi publicado no D.R., II série, n.º 72, de 9 de Agosto de 2000 – foi declarada a utilidade pública e atribuído carácter de urgência à constituição de uma servidão administrativa de atravessamento de espaço aéreo pelo teleférico do Funchal ao longo de todo o trajecto com os seguintes limites: - Entre a Estação do Funchal localizada no Campo D. Carlos I e a Estação do Monte, localizada ao Caminho das Babosas, freguesia do Monte; - Na horizontal possui uma largura de seis metros para a direita e seis metros para esquerda a partir do eixo do teleférico; - Na vertical compreende uma distância de oito metros abaixo do ponto mais baixo da catenária em maior flecha do cabo do teleférico e de 20 metros de altura acima da catenária em menor flecha do cabo do teleférico.

  2. Na zona da servidão passa...

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