Acórdão nº 8335/03.4TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO BRIGHTON
Data da Resolução22 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA : I – Relatório 1- A ( ….Publicidade, Ldª ) instaurou acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário contra B ( ….Energia …., S.A.) pedindo : -Que seja declarada nula a cláusula 9ª dos contratos ...84 e ...41.

-Ou, se assim não se entender, ser considerada excluída do contrato nº ...84 a cláusula 9ª.

-Em qualquer dos casos, seja a R. condenada a abster-se de cobrar quaisquer quantias referentes a perdas de calor e/ou frio à A., bem como de praticar qualquer acto que leve ao corte do fornecimento de calor e frio à A..

Para fundamentar tal pretensão, alega, em resumo que a referida cláusula 9ª aposta nos dois contratos celebrados entre as partes padecerá de nulidade, nos termos previstos nos artºs. 15º, 21º al. e) e 22º al. e) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10, por violar a boa fé, atestar conhecimentos materiais que a A. não tem nem poderia ter e por permitir elevação do preço do serviço sem que haja circunstâncias que o justifiquem.

Caso não se entenda, sempre deverá a clausula ser excluída do contrato ...84, pois a R. nunca informou a A. da possibilidade de cobrança de perdas de frio e de calor, violando o dever de informação plasmado nos nºs. 1 e 2 dos artºs. 5º e 6º do citado diploma.

Caso não se entenda, sempre deverá a pretensão da R. de utilização dessa cláusula nas relações com a A. ser vedada com recurso ao instituto de abuso de direito.

2- Regularmente citada, veio a R. contestar, defendendo-se por impugnação e deduzindo pedido reconvencional.

Em sede impugnatória defende a improcedência da acção por entender que a cláusula indicada é válida.

Em termos de pedido reconvencional pede a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de 1.208,66 € relativa a perdas de frio e/ou calor facturadas e não pagas, acrescida de juros até integral e efectivo pagamento, sendo os vencidos até 31/10/2003 no valor de 126,42 €, bem como seja a A. condenada a permitir o acesso da R. às suas instalações com vista a poder desligar o contador, sempre que se mostrem vencidas e não pagas facturas referentes a fornecimentos de energia e perdas de frio ou calor e, ainda, a pagar uma quantia pecuniária, não inferior a 250 € por cada dia de atraso no cumprimento desse dever de permitir o acesso às suas instalações.

3- A A. replicou, defendendo a improcedência do pedido reconvencional e concluindo como na petição inicial.

4- Realizou-se audiência preliminar, onde foi proferido despacho saneador e discriminada a matéria de facto assente e a que carecia de prova a produzir.

5- Por requerimento datado de 8/4/2009, a R. requereu a ampliação do pedido reconvencional, em mais 6.386,90 € a título de capital e 914,69 € a título de juros, relativos ao valor das perdas de frio e/ou calor não pagas pela A. no âmbito dos dois contratos indicados na petição inicial e de outro, celebrado em 4/3/2008.

6- A A. opôs-se a tal ampliação.

7- Por despacho de 2/6/2009, foi admitida a ampliação, restrita aos contratos ...84 e ...41 e indeferida no restante.

8- Seguiram os autos para julgamento, o qual se realizou com observância do legal formalismo.

9- Foi proferida Sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados pela A. e parcialmente procedentes os pedidos reconvencionais formulados pela R., constando da parte decisória : “Pelo exposto, decide-se julgar : a) totalmente improcedentes os pedidos formulados pela autora A e, em consequência, absolver a ré B da totalidade dos mesmos ; b) julgar parcialmente procedentes os pedidos reconvencionais deduzidos pela mesma ré e, em consequência, condenar a referida autora a permitir o acesso da ré às suas instalações com vista a poder desligar o contador, sempre que se mostrem vencidas e não pagas facturas referentes a fornecimentos de energia e perdas de frio ou calor e, ainda, a pagar uma quantia pecuniária, não inferior a € 250,00, por cada dia de atraso no cumprimento desse dever de permitir o acesso às suas instalações para a ré poder desligar o contador, absolvendo-a do restante peticionado.

Custas da instância principal pela autora e da instância reconvencional pela ré (pois o valor do pedido reconvencional corresponde apenas ao valor do segmento improcedente).

Registe e notifique”.

10- Desta decisão interpôs a A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões : “I. EXCLUSÃO DA CLÁUSULA 9ª POR VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE COMUNICAÇÃO E DE INFORMAÇÃO 1. A Recorrida violou o dever de comunicação do teor das cláusulas contratuais gerais constantes do Contrato de Fornecimento de Frio e, ou de Calor que a Recorrente se limitou a subscrever, em especial do teor da cláusula 9ª, a que estava obrigada nos termos do artigo 5º do regime das cláusulas contratuais gerais, previsto no Decreto-Lei nº 446/85, de 31 de Agosto (adiante RCCG).

  1. O cumprimento do dever de comunicação não se basta com a apresentação e entrega do clausulado ao consumidor final, devendo ser feita de modo a proporcionar ao aderente completo e efectivo conhecimento do conteúdo do contrato (Cfr. Ac STJ de 08.04.2010 e Ac. RC de 12.01 .2010). Assim, 3. Estando demonstrado que durante dois anos a Recorrida não cobrara perdas de energia de frio e de calor e que, por isso, a Recorrente desconhecia, nem podia conhecer, que essa questão era sequer suscitável ; 4. Estando demonstrado que a Recorrida sabia que a possibilidade de facturação dessas perdas decorria alegadamente da intricada fórmula matemática traduzida na cláusula 9ª e que, embora não as estando a cobrar no momento da celebração do contrato, poderia vir fazer uso dessa cláusula mais tarde contra o cliente final, in casu, a ora Recorrente ; 5. ainda assim nada referiu à Recorrente sobre essa questão, forçoso é concluir que a Recorrida não cumpriu o dever de comunicação que lhe competia de modo a assegurar o efectivo e integral conhecimento do alcance da cláusula 9ª tendo por isso a Recorrente assinado um contrato com total falta de consciência que estava a assumir as obrigações que alegadamente emergiam da respectiva cláusula.

  2. As declarações emitidas na carta enviada à Recorrente pela Recorrida junta aos autos a fls. 71 e 72 têm força probatória plena por força das disposições conjugadas dos artigos 374º e 376º do Código Civil, assim como os factos nela subjacentes sempre que lhe sejam desfavoráveis por consubstanciarem uma confissão à luz dos artigos 352º e 358º do Código Civil.

  3. O facto de a Recorrente ter reclamado junto da Direcção Geral da Concorrência sobre o depósito de uma caução que lhe foi exigido pela Recorrida não pode servir de fundamento para dar como provado que a Recorrente leu e analisou o clausulado, pois esta foi uma exigência imposta específica e expressamente pela Recorrida no momento da celebração do contrato.

  4. Violou ainda a Recorrida o nº 1 do artigo 6º do RCCG na parte em que este dispositivo legal impõe ao proponente das CCG o dever de espontaneamente informar o aderente de todos os aspectos carecidos de aclaração ou de prestar os esclarecimentos complementares (cfr. Ac STJ 08.04.2010).

  5. Em função das concretas circunstâncias deste caso, o dever de informação impunha-se especialmente por a Recorrida saber que a Recorrente se estava a vincular a pagar valores que não correspondiam aos até então praticados pela Recorrida no âmbito da sua relação comercial.

  6. O ónus da prova do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação cabe à Recorrida nos termos da disposição expressa do nº 3 do artigo 5º do RCCG, o que, atentos os factos dado como provados, não logrou cumprir.

  7. Não tendo a Recorrida feito prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas contratuais gerais ao aderente, ora Recorrente, as mesmas consideram-se excluídas do contrato, por efeito do disposto na alínea a) do art. 8° do RCCG, não se podendo fazer valer das mesmas por serem juridicamente inexistentes.

  8. Não tendo a douta sentença recorrida julgada excluída a cláusula 9ª do contrato por falta de prova da comunicação e informação adequadas e efectivas da mesma por parte da Recorrente, violou os artigos 5º, nºs 1 a 3, o nº 1 do artigo 6º e as alíneas a) e b) do artigo 8º do RCCG, bem como o artigo 342º do Código Civil.

    1. DA NULIDADE DA CLÁUSULA 9ª 13- Caso não se considere a cláusula 9ª excluída dos Contratos, sempre a mesma será nula por contrária à boa fé, à luz dos princípios norteadores das cláusulas contratuais gerais expressos nos artigos 15º e 16º do RCCG. Assim : 14. É contrária à boa fé atendendo ao critério da confiança suscitada na Recorrente pelo sentido global da cláusula 9ª, por desta poder resultar – sem que tal seja apreensível da respectiva leitura por um aderente medianamente inteligente – a vinculação do mesmo a pagar energia que efectivamente não consome.

  9. Não estando em causa o pagamento pela Recorrente da energia consumida na sua fracção e das eventuais perdas que possam ocorrer nas tubagens do edifício até chegar ao seu contador parcial, pois essas são devidas pela natureza deste tipo de contratos, mas antes as perdas que ocorrem à saída do contador parcial da Recorrente até chegarem ao contador totalizador, impunha a boa fé que essa vinculação fosse clara e expressamente referida no contrato, não se socorrendo a Recorrida de fórmulas matemáticas que manifestamente não reflectem para o consumidor final o que a Recorrida delas pretende extrair.

  10. No caso concreto, a boa fé, a lisura e a honestidade da contratação impunham de forma acrescida clareza nos critérios de facturação, na medida em que a aplicação da fórmula matemática não é unívoca, como a própria Recorrida reconhece ao sentir a necessidade de criar unilateralmente uma tabela interna para minimizar o impacto desses valores nas facturas.

  11. Viola ainda a cláusula 9ª a boa fé se atentarmos ao critério do processo de formação do contrato (cfr. conclusões nos pontos 3 e 4), impendendo sobre a Recorrida um especial dever de clareza no texto da cláusula 9ª referente à...

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