Acórdão nº 192119/11.8YIPRT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelEZAGÜY MARTINS
Data da Resolução24 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2ª Secção (Cível) deste Tribunal da Relação I – “A”, requereu na Secretaria do Banco Nacional de Injunções, em formulário do Ministério da Justiça, procedimento de injunção contra a “B “, nos termos do Decreto-Lei 269/98, de 01 de Setembro, para haver desta o pagamento de € 5.694,33, sendo € 5.000,00 de capital, e € 592,33, de juros de mora vencidos, à taxa de 4%, entre 20/07/2008 e 05/07/2011, e € 102,00, de taxa de justiça paga.

Alegando para o efeito terem sido feitas transferências da sua conta sediada na agência do ... da Requerida, para contas tituladas por terceiros, à sua revelia, o que só poderá ter acontecido através da clonização do seu cartão matriz existente nos serviços da “B “.

Devendo a Requerida, a entender-se não ter agido com culpa, ainda que presuntiva, suportar o risco respetivo.

Notificada, deduziu a Requerida oposição.

Sustentando ter sido o Requerente quem incumpriu com as obrigações de zelo cautela e vigilância que assumiu quando subscreveu o serviço “B” directa on-line.

Pois as transferências foram necessariamente efectuadas pelo A. ou consentidas ou facilitadas por ele.

Efectuada que foi a distribuição, veio ainda o Requerente, desta feita A., apresentar resposta, que foi mandada desentranhar por despacho de folhas 103-106.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgando a acção “totalmente procedente (…) por provada”, condenou a Ré “a pagar ao Autor (…) a quantia global de € 5.694,33 (…) acrescida dos juros mora calculados à taxa anual de 4 %, desde 6 de Julho de 2011 até efectivo e integral pagamento (sobre o capital de € 5 000,00).”.

Inconformada, recorreu a R., formulando, nas suas alegações, as conclusões seguintes: “1) Ao considerar que incorria sobre a apelante o ónus de demonstrar que as transferências bancárias efectuadas o foram por negligência do apelado a douta sentença recorrida ignorou o que as cláusulas 9 e 10 das condições gerais de utilização do contrato “B” Directa prevêem, cláusulas estas que se encontram dadas por provadas no n° 11 da fundamentação de facto, matéria esta que, cotejada com a provada nos n°s 18 e 19 da mesma douta fundamentação, apenas pode levar a concluir que se verificou uma utilização do sistema por terceiro o qual introduziu de forma correcta no sistema todas as coordenadas de segurança só assim logrando obter o processamento das transferências; 2) Nestas circunstâncias a matéria considerada provada no n° 11 da fundamentação de facto impunha ao Tribunal a quo extracção de conclusão inversa à que tirou: Incumbia ao apelado demonstrar que não havia sido por negligência ou descuido deste que as transferências se processaram nos termos constantes dos n°s 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização do serviço “B” Directa; 3) Estabelecida que estava convencionalmente esta presunção em convenção de prova e nada tendo sido demonstrado pelo aqui apelado no sentido de que as transferências bancárias se realizaram sem consentimento ou facilitação culposa sua restava ao Tribunal a quo concluir que as mesmas são imputáveis ao apelado; 4) A questão da desproporção do risco não pode servir para legitimar juridicamente condutas violadoras do contrato estabelecido, sendo certo que, tal como acima se referiu, se presume à luz das cláusulas 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização que as transferências bancárias se realizaram com facilitação culposa do aqui apelado não tendo este logrado ilidir esta presunção;.

5) Aliás não se aceita à partida que exista um desequilíbrio na distribuição do risco inerente a esta contratualização; com efeito é impossível ao Banco - a menos que exista confissão expressa nesse sentido por parte do utente - demonstrar que este divulgou a terceiros os seus elementos de segurança pessoais e intransmissíveis pelo que é justo, razoável e equitativo que seja este - que é quem os tem em seu poder, pondo e dispondo dos mesmos - a ter de demonstrar que os não divulgou a terceiros, mesmo que tal divulgação tenha sido involuntária; 6) Aliás, o raciocínio empregue na douta sentença poderia por exemplo ser utilizado para accionar judicialmente os fabricantes de automóveis por lançarem no mercado global viaturas que à saída da fábrica permitem que o seu utilizador final conduza a velocidades superiores àquelas que são o máximo permitido por lei (entre nós 120 Km/hora), o que não se verifica; 7) A pedra de toque a este respeito não poderá assim deixar de ser a existência de culpa ou a negligência por parte do utente, não podendo aceitar-se que o mesmo possa ser beneficiado mesmo após ter praticado uma conduta negligente, a qual poderá ser presumida nos termos contratados entre as partes cabendo ao utente a ilisão da presunção; 8) Também não impressiona o argumento de que o valor em causa será para a instituição bancária uma insignificância conforme vem defendido na douta sentença; o problema para a instituição bancária não é analisável à luz de um só cliente, e uma só (possível) indemnização mas, ao invés, numa miríade de potenciais casos e a esse nível não estamos já a falar de valores insignificantes mas sim de valores significativos; 9) É razoável afirmar-se que o banco tem de garantir a fiabilidade do Serviço “B” Directa on line : É ónus seu; todavia o banco fez a este respeito a prova que lhe competia conforme resulta do n° 20 da douta fundamentação de facto; Neste particular crê-se que não pode ser exigido ao Banco mais do que o cumprimento da obrigação de manter devidamente informados e avisados os seus clientes quanto aos cuidados que devem ter no manuseamento dos seus computadores pessoais quando utilizam o serviço, o que resultou provado (n°s 14 a 16 da fundamentação de facto) não sendo de resto necessário para que o utente normal se consiga salvaguardar mais do que o respeito por regras básicas de segurança que a apelante divulga e que não importam especiais qualificações de conhecimento a nível informático estando perfeitamente ao alcance do cidadão médio; 10) O Tribunal a quo declarou a nulidade das cláusulas 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização do “B” Directa com fundamento na violação da norma do art. 21 alínea f) do DL 446/85 de 25/10; todavia inexistem razões para declarar a nulidade destas duas cláusulas; 11) Afirma-se na douta sentença sob sindicância que o risco do "perecimento' do dinheiro corre por conta da apelante consequência esta que decorreria, em seu entender, da aplicação do regime jurídico do contrato de mútuo ao contrato de abertura de conta (depósito bancário) e da consequente aplicação do regime previsto nos arts. 1144° e 796° n° 1 do C.C.; todavia, esta interpretação não tem encontrado acolhimento nem na doutrina nem na jurisprudência de ponta; 12) Não acolhimento este que se deve sobretudo ao argumento de que não faz qualquer sentido aludir ao risco da perda de algo que deixou de ter individualidade própria (coisa especifica) para se (con)fundir na massa patrimonial do accipiens, fazendo nascer uma obrigação de restituir tão só in genere e, assim, impossibilitando de raiz a própria questão do risco pois como é sabido: Genus nunquam perit; 13) Mesmo que se admita que o contrato de abertura de conta se reduz a um contrato de depósito irregular - o que está longe de ser líquido - sempre se terá de concluir que existem especificidades no depósito bancário que não são possíveis de enquadramento no regime jurídico que este prevê, nomeadamente para o risco do perecimento ou deterioração da coisa (art. 796° ex vi art. 796° do C.C.) atendendo a que o regime jurídico aqui previsto se destina fundamentalmente ao depósito de coisas infungíveis sendo inequívoco que é relativamente a este tipo de coisas que a lógica da solução jurídica vertida nos artigos 1144 e 796 n° 1 do C.C. se destina; 14) Por outro lado não se pode aceitar por boa a douta conclusão do Tribunal a quo de que o contrato de utilização do serviço “B” Directa perde a sua autonomia e sendo assim retirado do contexto decisório quanto à repartição do risco, submetendo-o integralmente ao chamado "depósito irregular"; Estando o depósito bancário necessariamente subjacente ao contrato “B” directa, e apesar da vinculação funcional existente entre os contratos de utilização desse serviço e de depósito bancário, são de distinguir dois tipos contratuais distintos, embora coligados, com influência recíproca e é à luz deste contrato de utilização que as posições do banco e do cliente deverão ser prioritariamente aferidas, no quadro das normas que disciplinam a actividade bancária, bem como as matérias da responsabilidade civil e da prova.

15) Assim, a questão da validade de uma cláusula respeitante à repartição de responsabilidade entre o titular do cartão e o banco emissor, pela utilização fraudulenta do cartão de débito por um terceiro, não pode ser respondida com fundamento no brocardo "res suo domino perit" ou no disposto no artigo 796°, n° 1, do CC, por um lado porque tal pressupõe a qualificação do depósito bancário como depósito irregular, o que constitui questão muito discutida e, por outro lado, porque tal construção ignora em absoluto a realidade jurídica decorrente da conclusão do contrato de utilização; 16) A apelante não aceita a qualificação do depósito bancário como depósito irregular considerando na esteira de Simões Patrício o depósito bancário como um contrato autónomo, atípico, distinto do depósito irregular - expressando que mais do que uma questão de transferência de domínio de uma coisa e do inerente risco estará evidenciado um direito de crédito do depositante sobre o banco à restituição no mesmo género e quantidade, pelo que se estará mais perto de um contrato de mandato - e como tal não serve do argumento proporcionado pelo regime legal vazado nos normativos citados do Código Civil, tendo antes de se recorrer aos critérios gerais da boa fé para, como determina o artigo 15° do DL n° 446/85, avaliar da sua conformidade legal; 17) A construção jurídica...

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