Acórdão nº 537/11.6TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelEZAGÜY MARTINS
Data da Resolução13 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I - “A” intentou ação declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a “Banco”, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar à A a quantia de 35.000€, acrescida dos juros de mora vencidos, à taxa legal, no montante, desde 20.9.2002 até 15.3.2011, de 12.652,74€, bem como nos vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alegando, para tanto e em suma, que é única e universal herdeira de “B”.

O qual residindo em 2002, no Lar de …, em …, guardava num armário do quarto particular que ali tinha, os cheques de conta bancária de que era titular, na agência de ... da “Banco”, e que a A. também estava autorizada a movimentar desde 1996.

Acontecendo que um enfermeiro trabalhando nesse Lar, de nome “C”, em data não apurada, e sem que “B” disso se tivesse apercebido, lhe subtraiu um cheque daquela conta bancária.

Vindo o mesmo a ser preenchido, com o valor de € 35.000,00, a data de “12-09-2002”, o local de emissão “Campo Grande”, o nome do referido “C”, no lugar do beneficiário, sendo ainda “assinado” no lugar do sacador o nome do “B”.

No dia 19.09.2002, o “C” depositou o dito cheque na conta bancária de que era titular, na agência da N… sita em …, …, e sendo apresentado à compensação, nada opôs a “Banco” ao seu pagamento.

Tratando-se, a verdadeira, e a produzida no cheque subtraído, no lugar do sacador, de duas assinaturas altamente dissemelhantes.

E sendo o montante nele aposto muito superior a qualquer dos anteriores movimentos a débito da conta, cujos valores nunca excederam os € 1300,00.

O que nada foi verificado pela Ré.

Que, apesar de sucessivamente interpelada para pagar o valor do cheque assim indevidamente descontado, sempre se recusou a Ré a fazê-lo.

Contestou a Ré, por impugnação, alegando conferir a assinatura aposta no cheque em causa com a constante na ficha de assinaturas respetiva, e ensaiando descredibilizar o exame do LPC da PJ que foi realizado no âmbito da instrução do processo crime respetivo, em que foi arguido o mesmo “C”.

Sustentando ter havido falta de cuidado da parte do falecido “B” relativamente à guarda dos seus elementos e documentos bancários.

Para além de ter omitido o titular da conta e a ora A. o cuidado de atualizar a respetiva caderneta, o que, assim obstando a que aquele avisasse de imediato o Banco, “contribuiu para que se tornasse impossível a recuperação por parte do Banco da quantia alegadamente sacada através da alegada fraude.”.

E finalmente, a haver lugar à sua condenação, o cálculo dos juros só a partir da citação deverá ter lugar.

Remata com a improcedência da ação.

O processo seguiu seus termos, com saneamento e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à A.

“a quantia de € 35.000,00 (…) acrescida de juros de mora vencidos desde 22-10-2002, às taxas sucessivas de 7% e de 4%, e dos juros vincendos até integral pagamento, à taxa legal em vigor”, absolvendo “a Ré do restante pedido”.

Inconformada, recorreu a Ré, formulando as (nominadas) conclusões seguintes: “1. Na convicção da apelante a prova produzida em audiência de julgamento, cotejada com a prova documental constante dos autos levaria a que a resposta dada à matéria constante das alíneas K), V) e Y) tivesse de ter sido diversa, sendo que da mesma derivaria seguramente e subsequentemente uma outra decisão de direito que não a que foi tomada; 2. Com efeito do depoimento da testemunha “D”, governanta do Lar onde estava hospedado o Sr. “B”, ouvida na sessão de julgamento ocorrida em 26 de Abril de 2012 de T_00.14.03 a T_ 00.20.22, encontrando-se este depoimento gravado pelo sistema de gravação digital integrado no sistema Habilus, com a duração de 34,25 minutos, resulta que o horário do funcionário do Lar “C” era nocturno, das 21 horas às 08 horas, e que durante este horário o quarto ocupado pelo Sr. “B” tinha que manter as portas abertas, e, ainda, que só quando se ausentava do Lar é que deixava a porta do seu quarto fechada à chave.

3. Resulta também deste depoimento que o Sr. “B” guardava os seus pertences num guarda-vestidos (armário) e que a razão de ciência da testemunha quanto a este facto decorre que a testemunha sabia que ele mantinha tal armário fechado porque ele “tinha as chaves no bolso”.

4. Ou seja, a razão de ciência desta testemunha quanto ao facto de se saber se o Sr. “B” guardava ou não as suas coisas num sítio acessível a estranhos (cfr. nº 14 da BI) é manifestamente insuficiente e equívoca assentando exclusivamente num mero juízo subjectivo que não tem assento em qualquer conhecimento concreto do facto.

5. Com efeito a testemunha não depôs no sentido de confirmar que via o Sr. “B” fechar o armário limitando-se a inferir/concluir que aquele mantinha o armário onde guardava os seus pertences fechado porque andava com as chaves no bolso, terminando o seu depoimento no que respeita a esta questão por explicar que a sua razão de ciência quanto à afirmação de que o Sr. “B” mantinha o dito armário sempre fechado advinha de este lhe dizer tal; 6. As transcrições deste depoimento no sentido aqui exposto encontram-se a fls. 4 e 5 destas alegações, aqui se dando por reproduzidas; 7. O depoimento desta testemunha é muitíssimo relevante porquanto na sua qualidade de governanta do Lar, era à partida a pessoa que melhor conhecia as condições não só do quarto onde o Sr. “B” estava instalado, como também das condições de segurança que o mesmo oferecia; 8. Conforme decorre ainda deste mesmo depoimento – cfr. transcrições de fls. 4 e 5 destas alegações - o juízo efectuado pelo Tribunal recorrido quanto à credibilidade e razão de ciência desta testemunha no que concerne à prova do facto constante do nº 14 da BI funda-se em equivocado raciocínio quer quanto à sua razão de ciência (que radica num mero ouvir dizer ao Sr. “B”), quer quanto à respectiva credibilidade (a testemunha assume uma conclusão – a de que o armário estava sempre fechado à chave – com base numa premissa inapta para permitir essa mesma conclusão – a premissa assenta no facto de a testemunha ver o Sr. “B” com as chaves no bolso, e a conclusão que tirou é a de que daí resulta que ele tinha sempre o armário fechado -); 9. Resulta da fundamentação dada à douta decisão de facto (constante da acta de fls…) que o Tribunal a quo se socorreu dos depoimentos testemunhais de “E” e “F”, para além do depoimento da testemunha “D”; 10. Analisando o depoimento da testemunha Sr. “E”, ouvido na sessão de julgamento ocorrida em 26.04.2012 de T _00.41.33 a T_ 00.17.04, e gravado pelo sistema de gravação digital integrado no Habilus, com a duração de 17,4 minutos, (testemunha aliás não indicada para depor à matéria constante do nº 14 da BI) a dita testemunha esclarece que desconhece se o Sr. “B” mantinha ou não guardados no Lar, mais concretamente no seu quarto, e ainda mais concretamente no armário, a sua caderneta de cheques, conforme se alcança do extracto do seu depoimento constante de fls. 6 e 7 destas alegações e que aqui se considera reproduzido; 11. Ouvido e re-ouvido todo o depoimento desta testemunha em mais nenhum momento do mesmo – além do indicado na transcrição de fls. 6 e 7 estas alegações - esta voltou a aludir à questão da guarda dos documentos do Sr. “B” e, concretamente, no que concerne à matéria de facto constante do nº 14 da BI; Isto é: Do depoimento desta testemunha rigorosamente nada consta que pudesse ter contribuído para fundamentar o juízo proferido pelo Tribunal a quo quanto à fundamentação da resposta dada ao nº 14 da BI.: Esta testemunha apenas refere que conheceu o quarto do Lar onde o Sr. “B” residia, e que desconhecia se este lá guardava os seus cheques afirmando apenas que quando lá ia via “tudo arrumadinho” e que nada estava em cima da mesa; 12. Não se aceita assim que o Tribunal a quo se fundamente no depoimento desta testemunha para considerar provado que ““B” deixou o cheque e a sua caderneta dentro do armário do seu quarto no lar, o qual se encontrava fechado à chave, pelo menos quando aquele se ausentava, levando a chave consigo” (resposta ao quesito 14º) – alínea V da douta fundamentação de facto não podendo a livre convicção do Tribunal radicar validamente em percepção que esta testemunha pura e simplesmente nem sequer referiu ter conhecimento… 13. Efectivamente, a livre convicção do julgador terá de ser balizada pelo próprio depoimento das testemunhas em que se fundou a convicção do Tribunal, por forma a que nalgum momento do seu depoimento possa constar a matéria de facto que o Tribunal entendeu dar como provada. Ora, tal não se verificou relativamente ao depoimento desta testemunha; 14. Resta ainda o depoimento da última testemunha relativamente à qual o Tribunal entendeu fundar a sua convicção no que respeita à matéria de facto constante do nº 14 da BI, depoimento da testemunha Srª “F”, esposa da testemunha Sr. “E”, ouvida igualmente na sessão de julgamento de 26.04.2012, de T_00.17.04 a T _00.38.44 depoimento gravado pelo sistema de gravação digital integrado no Habilus, com a duração de 17,4 minutos; 15. Ora no que respeita ao depoimento desta testemunha nada mais foi pela mesma dito relativamente à guarda dos documentos/cheques pertença do Sr. “B” do que o que consta da transcrição do seu depoimento constante de fls. 8 e 9 destas alegações e que aqui se dão por reproduzidas não se constatando do mesmo qualquer alusão a que o Sr. “B” guardasse os seus cheques no armário do seu quarto e que mantivesse este sempre fechado à chave quando se ausentava do Lar ; 16. Assim, ouvida que foi na íntegra a gravação deste depoimento também relativamente ao mesmo não se vislumbra de que parte dele extraiu o Tribunal a sua convicção para poder fundadamente considerar provada a matéria de facto constante do nº 14 da BI; 17. Esta testemunha apenas revelou que se deslocava ao Lar, que conhecia o quarto onde residia o Sr. “B”, não...

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