Acórdão nº 06934/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelCOELHO DA CUNHA
Data da Resolução28 de Junho de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do TCA-Sul 1.

Relatório Alberto …………., S.A.

, com sede em Vila Nova de Famalicão, intentou no TAF de Sintra, contra o Município de Sintra, acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia indemnizatória de €220.905,04 (duzentos e vinte mil, novecentos e cinco euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter intentado naquele Tribunal acção de contencioso contratual, julgada procedente por sentença proferida em 26.12.2005, na qual se determinou, i) a anulação de todas as decisões e deliberações proferidas pelo Município de Sintra, conexas com a classificação do Concurso Público nº02EP4, relativo a empreitadas de remodelação de rede de abastecimento de Água em ……………, e, ii) a repetição da fase procedimental do concurso identificado no ponto anterior, sanados que sejam os vícios verificados.

Alega, ainda, que tal sentença veio a ser confirmada por Acórdão do TCA-Sul de 16.03.2006.

Por sentença de 17.06.2010, a Mmª Juiz do TAF de Sintra julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. Município de Sintra a pagar a Alberto …………., S.A. a quantia de €2.954,181, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integal pagamento.

Inconformada, a A. veio interpor recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes: “1a A questão a decidir nos presentes autos não é igual, do ponto de vista factual à do Acórdão do Pleno do STA de 22.10.2009, e que a douta sentença recorrida invoca no sentido da defesa da tese jurídica que aplicou.

2ª A sentença recorrida decide não arbitrar uma indemnização relativa aos lucros cessantes ou interesse contratual positivo alegando tratar-se aqui de um caso de responsabilidade civil pré-contratual, em que a indemnização se cinge ao interesse contratual negativo.

3ª A situação dos autos reporta-se a uma adjudicação que veio a ser considerada ilegal por decisão judicial, e da qual resulta que o adjudicatário deveria ter sido excluída e, como a Recorrente ficou posicionada em segundo lugar, o concurso seria por si vencido.

4ª À data da prática do facto ilícito, consubstanciado na deliberação de adjudicação, vigorava o D.L. n°48051, de 21.11.1967, que exige para o funcionamento da responsabilidade civil extracontratual do Estado a verificação dos requisitos comummente exigidos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade (sem prejuízo da jurisprudência ter considerado que quanto ao dolo/culpa não era necessária a sua prova ao lesado, em face de norma comunitária nesse sentido).

5a A Recorrente entende que estes quatro requisitos se mostram provados: o facto ilícito e a culpa resultam da decisão judicial pela qual se anulou a adjudicação; o dano resulta provado nos autos; o nexo de causalidade também ficou provado.

6a E quanto à extensão do dano que a Recorrente se insurge, porquanto considera que não se tratar aqui de um caso de responsabilidade pré-contratual e, por conseguinte, não haver lugar à ponderação do interesse contratual positivo e negativo, mas antes ao dano emergente e ao lucro cessante.

7ª O dano emergente são os custos sofridos pela Recorrente com a sua apresentação a concurso e o lucro cessante o benefício que deixou de obter em face de um acto ilegal que violou lei expressa.

8a Ao não atribuir este dano à Recorrente, violou a sentença recorrida o disposto no artigo 483° do CCiv e o disposto nos artigos 2°, 4.° e 6.° do D.L. n.°48051, de 21.11.1967.

9a Sem prescindir quanto ao alegado anteriormente, considera a Recorrente que o caso subjudice não pode ser decidido com base no diploma legal em causa, porquanto desde 14.10.2004 que, por acórdão do TJCE, se considerou que o mesmo violava as directivas comunitárias vigentes sobre a matéria e por isso não podia ser mais aplicável.

10ª A consequência da prolação do acórdão em causa é a aplicação directa das Directivas que disciplinam esta matéria, por força do primado do Direito Comunitário sob as normas nacionais, tudo isto no seguimento do acórdão do TJCE SIMMENTHAL de 09.03.1978.

11ª Em termos de direito comunitário, a obrigatoriedade de atribuição de indemnizações aos lesados por adjudicações ilegais em matéria de contratação pública resulta do artigo 2°/c) da Directiva 89/665/CEE, de 21.12.1989, que estabelece o seguinte: "Conceder indemnizações às pessoas lesadas por uma violação".

12a A doutrina e a jurisprudência comunitária classificam a indemnização a conceder nestes casos como sendo um meio de tutela jurisdicional alternativo à correcção da ilegalidade e que assume um carácter dissuasor e sancionador de práticas ilegais.

13a Esta ideia - que contraria a nossa teoria da responsabilidade civil extracontratual -implica que o julgador nacional tem de abandonar o instituto da responsabilidade civil e adoptar o conceito comunitário, como de resto resulta do primado deste direito, conforme previsão do artigo 8°/n° 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).

14a Tendo presente que a proposta da Recorrente ficou classificada em segundo lugar e que o adjudicatário deveria ter sido excluído, por via do direito comunitário, designadamente o já citado artigo 2°/c) da Directiva citada, a Recorrente tem igualmente direito a uma indemnização que cubra os lucros que deixou de obter e que resultam provados no artigo 32° da sentença.

15a Em defesa da tese ora propugnada alega-se ainda que a nova lei de responsabilidade civil extracontratual do Estado/pessoas colectivas públicas previu em norma especial a responsabilidade civil em casos iguais ao que aqui se discute, remetendo para os pressupostos da lei comunitária, o que permite concluir que se afasta do regime da responsabilidade pré-contratual.

16a Este diploma - por ser anterior aos factos - não pode ser aplicado, a menos que seja considerado lei interpretativa, o que se nos afigura possível já que este novo diploma pretendeu dar resposta a dúvidas crescentes da jurisprudência e a adequar-se à lei comunitária.

17a Aplicando-se esta lei, e por força da remissão da mesma para a lei comunitária, e tendo presente o entendimento doutrinário e jurisprudencial, deverá arbitrar-se indemnização que cubra os lucros cessantes, só assim se dissuadindo as entidades adjudicantes de praticarem mais actos ilegais e de a sancionarem pela ilegalidade comunitária.

18ª Mesmo que se entenda não ser a nova lei aplicável, pode a mesma servir de auxílio na interpretação da lei comunitária, e até da lei anteriormente vigente - caso se considere ser a mesma aplicável, por mera cautela -, tendo a doutrina evoluído a sua posição no sentido de que provando o lesado que seria o adjudicatário e que o acto de adjudicação foi ilegal tem direito ao interesse contratual positivo.

19a Ao não decidir neste sentido, violou a sentença recorrida o artigo 2°/c) da Directiva 89/665/CEE de 21.12.1989.

20ª Uma vez que não existe um facto que deu como provado de forma directa que a proposta do adjudicatário deveria ter sido excluída, pode esse Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 149°/n°1 do CPTA, aditar facto com este teor, já que se trata de facto alegado pela Recorrente nos artigos 69°, 72° e 73° da p.i. e que resulta ainda do doc. n° 9 junto igualmente com a p.i.

21ª Caso sejam suscitadas dúvidas sobre a interpretação do invocado artigo 2°/c) da Directiva 89/665/CEE de 21.12.1989, e de modo a obter uma "uniformidade de interpretação e de apreciação de validade das normas comunitárias", requer a Recorrente, nos termos do artigo 234° TCE, seja admitido recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial.

” Contra-alegou o Município de Sintra, concluindo como segue: “a) - A responsabilidade civil em causa nestes autos, decorrente da prática de um acto de gestão pública por parte do Réu, que foi julgado ilícito, à data dos factos era regida pelo disposto no Decreto-Lei nº48051, de 21/11/1967, sendo a mesma qualificada como uma responsabilidade civil extracontratual.

  1. - Não é, pois, pertinente para o julgamento dos presentes autos a invocação do novo regime da responsabilidade civil extra contratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei nº67/2007, de 31 de Dezembro, ainda que com a alteração promovida pela Lei nº31/2008, de 17 de Julho, uma vez que nenhum destes diplomas legais alterou a qualificação da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao caso "sub judice".

  2. - A aplicação ou não, no direito interno, da Directiva Comunitária nº89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro, centrava-se na exigência legal/presunção ilídivel na demonstração de culpa ou dolo associada à prática de actos jurídicos ilícitos; não definindo a citada Directiva 89/665/CEE, de 21/12/1989, no mencionado artigo 2º/c) ao estabelecer c seguinte: "Conceder indemnização às pessoas lesadas por uma violação", qual a qualificação jurídica da responsabilidade civil aplicável, não concretizando, portanto, qual deva ser o entendimento jurisprudencial em relação à natureza e extensão dos danos indemnizáveis, em face de cada situação.

  3. - A questão nestes autos é outra, qual seja, a do enquadramento jurídico da situação de facto - anulação de todas as decisões e deliberações proferidas pelo Réu conexas com a classificação final do Concurso Público em apreço - relacionada com a lesão de direitos decorrentes da não adjudicação da empreitada/celebração do contrato com a Autora.

  4. -Deste ponto de vista, não merece censura a aplicação do direito no sentido do enquadramento da situação no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou na formação dos contratos, a qual, embora com vária controvérsia doutrinal, ainda se inclui no domínio da responsabilidade civil extracontratual (vide, por exemplo, o disposto no art 227º, nº2 do C. Civil que remete para o prazo de prescrição previsto no art. 498º de mesmo Código).

  5. - Tem sido entendimento...

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