Acórdão nº 08227/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | COELHO DA CUNHA |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA-Sul 1.
Relatório Susana ………………, diplomata, residente na Rua ……………, 36, R/C, em Lisboa intentou, no TAC de Lisboa, acção administrativa especial contra o Ministério dos Negócios Estrangeiros, peticionando, i) A anulação do acto praticado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros que procedeu à exoneração da A. do cargo de Chefe de Divisão I da Direcção de Serviços das Organizações Económicas Internacionais da Direcção Geral dos Assuntos Multilaterais do quadro de pessoal dirigente do M.N.E., levado ao conhecimento daquela através do Aviso nº2596/2005, publicado no D.R.II Serie, nº52, no dia 15 de Março de 2005, e ii) A condenação do Ministro dos Negócios Estrangeiros na prática do acto administrativo legalmente devido de reintegração, a título definitivo da A. no cargo de que foi exonerada.
Por sentença de 17 de Junho de 2011, o Mmº Juiz do TAC de Lisboa julgou a acção procedente, anulando o despacho de 24.02.2005 do Ministro dos Negócios Estrageiros, que exonerou a A. do cargo de Chefe de Divisão I da Direcção de Serviços das Organizações Económicas Internacionais da Direcção Geral dos Assuntos Multilaterais do quadro de pessoal dirigente do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Inconformado, o M.N.E. interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes: “a. a douta sentença proferida pela 4ª unidade orgânica do tribunal administrativo de circulo de lisboa de que ora se recorre considerou que o despacho de exoneração da ora recorrida do cargo de chefe de divisão padeceu dos vícios de forma de falta de fundamentação e de audiência prévia dos interessados, mas, salvo o devido respeito, que é muito, sem razão.
B.
O ACTO ADMINISTRATIVO DE EXONERAÇÃO DA ORA RECORRIDA CONSUBSTANCIA UMA DECISÃO VINCULADA, PRATICADA AO ABRIGO DA REGRA DA INTENSA MOBILIDADE IMPOSTA AOS MEMBROS DA CARREIRA DIPLOMÁTICA, IDENTIFICADA EXPRESSA E INEQUIVOCAMENTE NO DESPACHO IMPUGNADO (ARTIGO 5.° DO estatuto da carreira diplomática), diplomatas dos quais se espera e EXIGE DIVERSIDADE DE FUNÇÕES NOS SERVIÇOS E A CONSEQUENTE CAPACIDADE EXTREMA DE ADAPTAÇÃO A NOVAS REALIDADES, DE ONDE SE CONCLUI QUE A DESCRIÇÃO NORMATIVA INDICADA NO DESPACHO CONTÉM, DE FORMA CLARA, CONGRUENTE E SUFICIENTE, A RESPECTIVA FUNDAMENTAÇÃO: i. Está em causa nos presentes autos a exoneração da Recorrida, diplomata de carreira, num cargo dirigente do Ministério dos Negócios Estrangeiros provido obrigatoriamente por diplomatas; ii. Na verdade, o recrutamento e o provimento dos cargos dirigentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros obedecem a um regime especial, que excepciona das regras gerais de recrutamento dos cargos dirigentes o pessoal diplomático; iii. No caso dos chefes de divisão do MNE, estes são escolhidos de entre os diplomatas com categoria não inferior à de secretário de embaixada com, pelo menos, cinco anos na categoria, nos termos do artigo 17º do Decreto-Lei nº48/94, de 24 de Fevereiro, que aprovou a Lei Orgânica do MNE (entretanto, revogado pelo Decreto-Lei n.°204/2006, de 27 de Outubro, diploma que, mantém a mesma solução legal); iv. É verdade que o artigo 17º, n.°7 do mesmo diploma legal também admite que o provimento dos cargos dirigentes do MNE possa ser feito ao abrigo do regime geral do Estatuto do Pessoal Dirigente, todavia a aplicação do regime geral apenas é possível nos casos em que a regulamentação do respectivo serviço o preveja; v. Ora, o serviço em causa, a lei orgânica da (então) Direcção-geral dos Assuntos Multilaterais (cfr. Decreto-lei n.°52/94, de 24 de Fevereiro) não prevê, em caso algum, a possibilidade de o respectivo pessoal dirigente ser provido ou recrutado de entre funcionários não pertencentes á carreira diplomática; vi. Consequentemente, é evidente que o regime jurídico aplicável ao caso dos autos é o regime excepcional de provimento e recrutamento de cargos dirigentes no MNE e não o regime geral de provimento de cargos dirigentes; vii. Nos termos do artigo 5.°do Decreto-lei n.°79/92, de 6 de Maio - cfr. artigo 17.° do Decreto-Lei nº48/94 - : "o provimento dos cargos dirigentes, quando recair em funcionários diplomáticos, é feito em comissão de serviço por tempo indeterminado".
(Actualmente a nova lei orgânica do MNE, aprovada pelo Decreto-lei nº2004/2006, continua a prever o mesmo regime); viii. Por outro lado, de acordo com o artigo 5° do Decreto-Lei n°40-A/98, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto do Pessoal Diplomático (ECD), estão os mesmos sujeitos a um regime de mobilidade permanente, o qual se consubstancia na possibilidade de poderem ser colocados, a todo o tempo, em qualquer serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Portugal e no estrangeiro, sem necessidade de atribuição de lugares de chefia; ix. Tal mobilidade permanente funda-se na necessidade de constante partilha de conhecimentos entre os vários serviços internos e externos e para reatar contacto com a realidade interna e de cada país mas também treinar o diplomata à constante adaptação a novas realidades; x. Isto é, ao contrário dos cargos dirigentes da Administração Pública em geral que são providos em lugares dirigentes, são submetidos a um procedimento concursal (se forem dirigentes intermédios) e que cumprem uma comissão de serviço por períodos determinados e fixos de 3 anos (vd. Artigo 19º da Lei nº2/2004), o que fundamenta, por isso, um regime próprio e apertado para a cessação dessa comissão de serviço antes do seu termo (vd. Artigo 25." da mesma lei); xi. Os funcionários diplomáticos providos em lugares dirigentes do MNE: não são submetidos a procedimento concursal (sendo nomeados e exonerados de acordo com o principio da mobilidade permanente); podem ser colocados a todo o tempo em qualquer serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Portugal e no estrangeiro, sem necessidade de atribuição de lugares de chefia, e estão em comissão de serviço por tempo indeterminado; xii. Assim, do quadro normativo ora exposto resulta a excepcionalidade do regime de nomeação e exoneração dos diplomatas em cargos dirigentes, em que o fundamento de qualquer colocação de funcionários diplomáticos em qualquer serviço do MNE é o da mobilidade permanente, pelo que a descrição normativa no acto de nomeação ou de exoneração da norma ínsita no artigo 5° do ECD é, em si mesma, bastante, para fundamentar a exoneração da ora Recorrida; xiii. Dito de outra forma, a descrição normativa do artigo 5.° aglutina em si mesma a justificação da decisão administrativa, que é legalmente imposta pelo Estatuto da Carreira da Recorrida, não exigindo a enunciação/verificação de outros requisitos para além dos de forma e de competência; xiv. Nesta sede, é bem sabido que o dever de fundamentação dos actos administrativos tem um conteúdo variável em função do tipo legal do acto e circunstâncias do caso. Ora, no caso dos autos, deve considerar-se que a fundamentação por descrição normativa é clara, suficiente e congruente, sobretudo, tendo em consideração: 1. quer a imposição legal de mobilidade dos diplomatas (cfr. artigo 5º), 2. quer o tempo da colocação da Recorrida no serviço interno, superior a dois anos tendo em conta o tempo da colocação nos serviços internos (cfr. artigo 48.°, nº1 do ECD), 3. quer as qualidades profissionais e académicas da destinatária do mesmo, uma diplomata que, consequentemente, bem conhece as regras próprias do seu estatuto profissional.
Subsidiariamente, sempre se diga que xv. Acresce que a própria Recorrida, sendo certamente conhecedora do seu estatuto profissional sempre concluiria que o acto de exoneração foi feito em razão de ser privilegiado por lei o valor da mobilidade, já que tal norma jurídica estatutária é inclusivamente indicada como fundamento da decisão no despacho; xvi. Ora, também aqui a falta de fundamentação, quando obrigatória, não tem eficácia invalidante, dada a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, na medida em que se traía de um acto de conteúdo determinado na lei; xvii. Consequentemente, o Recorrente, ao proferir o despacho de exoneração, da sua competência e com a forma legal, fê-lo de forma clara, expressa e exaustiva traçando o quadro jurídico de referência, o que sustenta a suficiência da fundamentação, sendo, por isso, redundante, a fundamentação de facto; xviii. Assim, o acto, correspondendo a uma decisão de conteúdo imposto pela lei que determina mobilidade dos diplomatas, foi praticado pelo órgão competente encontra-se devidamente fundamentado, pelo que não se verifica o vício da falta de fundamentação.
C.
NÃO É APLICÁVEL, NO CASO DOS AUTOS, A SANÇÃO PREVISTA PARA O INCUMPRIMENTO DO ARTIGO 100º DO CPA, POIS, COMO SE REFERIU, TRATOU-SE, por um lado, de cumprir um imperativo legal de mobilidade de uma diplomata há muito em funções no mesmo serviço, e, por outro, a diplomata não pode, sinceramente, sustentar que foi surpreendida com a decisão de colocação em outro serviço, porquanto tomou conhecimento dessa intenção através do determino do secretário-geral, primeiro e segundo, por tal decisão resultar de vinculação legal do estatuto da carreira que impõe a mobilidade: i. Como já se afirmou, os diplomatas estão submetidos ao regime vinculativo de mobilidade permanente. Não tendo nem podendo legalmente, portanto, a ora Recorrida qualquer expectativa em permanecer eternamente no mesmo cargo; ii. E se é verdade que a decisão de colocação no serviço da Cifra se inscreve no âmbito da discricionariedade, também é verdade que esse segundo acto nunca esteve em causa nos autos, na medida em que não foi impugnado ou a sua validade sequer questionada pela Autora aqui Recorrida; iii. Ora sendo a mobilidade permanente vinculativa, a não realização de audiência prévia dos interessados degrada-se em formalidade não essencial, por, mesmo que a mesma se tivesse realizado, não seria capaz de alterar a decisão de movimentar a ora Recorrida do cargo que exercia, pois tal era legalmente devido...
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