Acórdão nº 08707/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução31 de Maio de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO O Município de Lisboa, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 23/01/2012 que, no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia movido por Armazéns ……………….. em Lisboa, Lda.

, julgou procedente o processo cautelar, determinando a suspensão de eficácia do ato da Vereadora do Pelouro do Património da Câmara Municipal de Lisboa, de 25/05/2011, nos termos do qual foi ordenada a desocupação do espaço municipal correspondente ao prédio sito na Avenida ……………. com a Estrada ………………., no prazo de sessenta dias, sob pena de despejo administrativo sumário.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 363 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões, depois de sintetizadas, que se reproduzem: “1.

O Recorrente entende que não foi feita pelo Tribunal a quo uma correta interpretação da matéria de facto suscitada no presente processo, bem como do direito aplicável, incorrendo assim, em erro de julgamento, erro na apreciação da prova e de nulidade da sentença, atento o disposto no artigo 668°, n° 1, alíneas b) e c) do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.

  1. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 120° n° 1 alínea b) do CPTA, por ter considerado não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada.

  2. Foi alegado em sede de oposição pelo ora Recorrente, o caráter inequívoco de contrato de cedência precária, objeto dos presentes autos, o qual não atribui quaisquer direitos adquiridos à ora Recorrida, pugnando assim, pela manifesta falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, o que, levaria necessariamente ao não decretamento da presente providência cautelar.

  3. A douta sentença considerou indiciariamente provados os factos constantes de fls. 10 e seguintes da mesma, referidos nomeadamente nos pontos 7 alíneas i) e j).

  4. No que respeita ao enquadramento que a douta sentença recorrida faz da matéria dada como indiciariamente provada aos pressupostos de que dependem o decretamento das providências cautelares, em especial, os previstos no artigo 120°, n° 1, alínea b) do CPTA, refere expressamente que dúvidas não subsistem quanto ao facto de a ocupação objeto dos autos ser inequivocamente uma ocupação precária do espaço municipal, afastando a tese defendida pelo Recorrido, de contrato de locação.

  5. Veja-se a este propósito e, totalmente aplicável ao caso dos autos, o Acórdão do STA de 30.11.2005.

  6. Sendo indiscutível pela nossa jurisprudência, que, uma vez definida a situação como ocupação precária, assente no aproveitamento da “tolerância do titular do direito”, é inquestionável que o mesmo se encontra obrigado a desocupar o terreno quando a entidade administrativa lho exigir.

  7. Conclui-se pois que a sentença recorrida incorreu em claro erro de julgamento, por violação do direito aplicável.

  8. Padece igualmente a sentença de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, de acordo com o disposto no artigo 668° n° 1 alínea e) do CPC, aplicável ex vi, artigo 1° do CPTA.

  9. Ao ter definido, de forma inequívoca, a situação em causa, como uma ocupação precária, afastando “liminarmente” o defendido pelo ora Recorrido, isto é, a existência de um contrato de locação, e por essa via, corroborando o alegado pelo Município de Lisboa, entrou em clara contradição com a decisão proferida, conforme conclusão da sentença recorrida a fls. 17.

  10. Do ponto de vista do ora Recorrente a douta sentença padece também de erro na apreciação da prova por falta de fundamentação.

  11. O Recorrente considera que a decisão ora impugnada efetuou uma apreciação deficiente e errada face aos meios probatórios apresentados, nomeadamente prova testemunhal produzida, pelo que se impunha uma decisão diferente sobre alguns pontos da matéria de facto produzida, daqueles que constam da decisão ora recorrida.

  12. O Recorrente alegou, concretizou e provou os danos advenientes para o interesse público que resultariam da concessão da providência.

  13. Em sede de oposição, o Recorrente alegou nos artigos 63° e 104°, a importância da constituição do Fundo de Investimento Imobiliário, tendo invocado, nomeadamente que “não se verificando, no caso sub judice, que a ora Requerente detenha qualquer direito de propriedade, nem sendo sequer titular de uma posição de locatária perante o terreno que o ora Requerido pretende afetar, em nome do interesse público, no âmbito da constituição de um Fundo de Investimento Imobiliário.” 15.

    Na verdade, os referidos danos para o interesse público ficaram claramente demonstrados pelos depoimentos das testemunhas do Recorrente, Dr. António ………. e Dr. Luís ……….., que depuseram de forma clara, revelando um profundo conhecimento sobre os factos relativamente aos quais foram inquiridos, factos esses relativos ao Fundo de Investimento Imobiliário, bem como, relativamente às razões de ordem urbanística que igualmente impõem a desocupação da propriedade municipal.

  14. Resultou do depoimento da testemunha Dr. António ……….. (Diretor do Departamento de Política dos Solos e Valorização Patrimonial), nomeadamente que, face ao contexto da economia nacional e internacional e perante as dificuldades financeiras e orçamentais do Município, foi criado um Fundo de Investimento Imobiliário que permitisse ao município angariar capital, gerar liquidez para alimentar o seu orçamento.

  15. Tendo sido dado realce, no depoimento prestado, ao facto de existir uma grande desproporção entre o terreno - no local onde está situado - e a valorização de mercado que tem, quer seja para efeitos de alienação, quer para efeitos de arrendamento.

  16. Igualmente o depoimento testemunhal do Dr. Luís ………(Chefe de Divisão de Administração do Património Imobiliário) foi elucidativo, no que concerne aos danos advenientes para o Recorrente resultantes da não afetação do terreno municipal em apreço ao Fundo de Investimento Imobiliário.

  17. Com efeito, o Município de Lisboa, através dos referidos depoimentos, prestados de forma clara e reveladores de um conhecimento direto dos factos, logrou provar que a constituição do presente Fundo Imobiliário é vital para gerar liquidez financeira ao Município de Lisboa.

  18. Acresce que, para além da prova testemunhal prestada, a qual, do nosso ponto de vista, foi estupefactamente desconsiderada, não teve também em consideração o douto tribunal, tal como lhe competia, os fundamentos do ato suspendendo, os quais deveriam ter sido apreciados segundo critérios de proporcionalidade e de adequação, de forma a aferir a real ponderação dos interesses em presença.

  19. Ficou provado que o agravamento da desproporcionalidade existente face ao valor que está a ser pago pela cedência precária não se compadece, com a situação dos Móveis do Norte, por se tratar de uma zona de forte pressão urbanística, com dificuldades de circulação, sendo vital para o Município a conclusão do processo de reestruturação urbana em curso.

  20. Não se conforma assim, o ora Recorrente, com a decisão proferida pela Meritíssima Juíza na sentença a quo, a qual, ignorou totalmente a prova produzida pelo Recorrente, não cuidando sequer, como a tal estava legalmente obrigada, a fundamentar porque não teve em conta os referidos depoimentos, nem porque os mesmos não a convenceram no que aos danos para o interesse público dizem respeito, consubstanciando esta atuação um claro erro na apreciação da prova, determinando a nulidade da sentença por falta de fundamentação, atento o disposto no artigo 668°, n° 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.

  21. Com efeito, o princípio da livre apreciação da prova não exonera o Tribunal de dar cumprimento ao disposto no artigo 653° n° 2 do CPC.

  22. Entende o Recorrente que se verifica erro de julgamento, por errónea interpretação do disposto no artigo 120º n° 2, em articulação com o n° 5 do CPTA., porquanto nenhum dos pressupostos mencionados no artigo 120º n°5 do CPTA se verificou, uma vez que o Município apresentou a sua oposição, alegou e provou que a adoção da providência prejudicaria o interesse público.

  23. Consubstancia também um facto amplamente demonstrado e provado em tribunal a desproporção existente entre o valor atual real do terreno em questão e a quantia paga, como contrapartida mensal pelo ora Recorrido, a título de ocupação precária deste terreno, pelo que é patente que o decretamento da suspensão de eficácia do ato que determinou a desocupação produz prejuízos irreparáveis ao Município.

  24. Conclui-se, pois, haver uma clara violação do artigo 120° n°2 do CPTA, por haver uma manifesta desproporcionalidade, ponderados os interesses públicos e privados em presença, uma vez que o interesse público tem um caráter multipolar, visando, em simultâneo, promover a requalificação do espaço urbano e o reequilíbrio das finanças municipais e a decisão “a quo” ter como consequência imediata a inibição do processo de reestruturação do solo municipal, ao impedir a desocupação do terreno face ao interesse privado da Recorrida.”.

    Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional e revogada a sentença.

    * A ora recorrida notificada apresentou contra-alegações (cfr. fls. 270 e segs.), formulando as seguintes conclusões: “A- As doutas Alegações de Recurso interposto pelo Recorrente enfermam dos vícios de erro grosseiro na interpretação da douta Sentença recorrida e de petição de princípio. Estes vícios tornam-se manifestos pela simples leitura dos pontos 5, 7, 8 e 14 das mesmas Alegações, na medida em que o recorrente pretende dar como facto assente aquilo que é uma qualificação jurídica da relação contratual emergente das declarações mencionadas nas alíneas i) e j) dos factos provados; pretende que a douta Sentença recorrida partilha do seu...

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