Acórdão nº 09197/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO A Federação ………………..

, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional, da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 30/03/2012, que julgou a ação administrativa especial instaurada pelo Clube ……………, totalmente procedente e, em consequência, declarou a perda da utilidade pública desportiva da federação desportiva, concedida pelo Despacho nº 28/96, por caducidade ope legis e declarou a inexistência da deliberação da Direção da Federação, datada de 24/08/2005, consignada na Ata nº 34/05, que excluiu a autora.

* Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 520 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. A sentença recorrida, debruçando-se sobre o disposto no art. 17.° n.° 2 do DL n.° 144/93, entende tal norma determina que a inatividade das federações beneficiárias do estatuto de utilidade pública desportiva durante o prazo de 180 dias tem como efeito a cessação automática do estatuto de utilidade desportiva.

  1. Sendo certo que o legislador erigiu em causa de cessação do estatuto de utilidade pública desportiva o incumprimento das regras de organização estabelecidas nos arts. 20.° a 40.° do DL 144/93, de 26 de abril decorrido o prazo de 180 dias sobre a publicação do despacho de atribuição de utilidade pública, entende o Recorrente que tal facto é fundamento de revogação do primitivo ato de atribuição do estatuto.

  2. Ainda que assim não se entenda, será tal incumprimento gerador de caducidade, dependendo a mesma de declaração pela entidade competente para atribuir o estatuto de utilidade pública desportiva 4. Em suma, atendendo (i) à vinculação da Administração à prossecução do interesse público, (ii) à dependência da cessação do estatuto de utilidade pública da verificação da situação de incumprimento das regras de organização e do decurso do prazo (iii) à insegurança jurídica resultante da incerteza sobre a extinção ou não do estatuto de utilidade pública desportiva (iv) e à sujeição da atribuição e cessação do estatuto de utilidade pública a publicação no DR, mal se compreenderia que o legislador tivesse pretendido consagrar um caso de caducidade a operar automaticamente por força da lei.

  3. A sentença, ao interpretar o disposto no art. l7.° n.° 2 do DL 144/93 no sentido segundo o qual, na data de preclusão do prazo, cessou automaticamente o estatuto de utilidade pública desportiva de que beneficiava a Recorrente, violou o art. 9.° n.° 3 do C.C., segundo o qual, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

  4. O legislador veio revogar o art. 17.° n.° 2 do DL n.° 144/93 e estabelecer novos prazos para a adaptação dos estatutos no art. 5.° DL n° 111/97, de 9 de maio, clarificando que a cessação do estatuto de utilidade pública depende de declaração expressa e na forma de despacho governamental.

  5. As referidas normas que vieram estabelecer o prazo para adaptação dos estatutos ao regime legal vigente e a competência para declarar a cessação do estatuto de utilidade publica desportiva, assumem natureza manifestamente interpretativa, pelo que têm aplicação retroativa, tudo se passando como se a lei interpretada, no momento da verificação dos factos passados, tivesse já o alcance que lhe fixa a disposição interpretativa da lei nova.

  6. A sentença recorrida ao não aplicar retroactivamente a norma constante dos arts e 18 °-B n°2 do DL n° 111/97, de 9 de maio, violou o art 13º, n°1 do Código Civil.

  7. A Recorrente sempre foi reconhecida, desde 1996 e até aos dias de hoje, por todas as autoridades que tutelam o desporto em Portugal, como dispondo do estatuto de utilidade pública e inclusivamente pelo próprio legislador, no artigo 22° do Decreto Regulamentar n° 33/97, na redação que lhe foi dada pelo Decreto Regulamentar n° 14/2002.

  8. Atento o caso sub judice, é de concluir pelo preenchimento dos pressupostos dos quais a lei faz depender a atuação normativa do princípio da boa fé quer na vertente de tutela de confiança quer no princípio da materialidade subjacente, pelo que a sentença recorrida, ao declarar cessado o estatuto de utilidade pública da Recorrente, violou o princípio da boa fé consagrado no art. 6.°-A do C.P.A..

  9. Os atos praticados pelas federações desportivas fora da missão de serviço público e do exercício atribuições e competências originariamente públicas não se apresentam como atos administrativos, mas sim atos jurídico-privados, sendo contenciosamente impugnáveis nos tribunais de jurisdição ordinária.

  10. O tribunal a quo, ao conhecer do vício de inexistência de um ato que, segundo o tribunal recorrido, terá sido praticado por uma associação privada violou os arts. 1.º e 4º do ETAF.”.

    Termina pedindo a procedência do recurso.

    * A recorrida apresentou contra-alegações, mas sem formular conclusões (cfr. fls. 564 e segs.).

    Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    * Nenhuma das partes se pronunciou sobre o parecer emitido.

    * Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

    As questões suscitadas resumem-se, em suma, em conhecer do invocado erro de julgamento: (i) por errada interpretação do artº 17º, nº 2 do D.L. nº 144/93, de 26/04, em violação do artº 9º, nº 3 do CC; (ii) por não aplicação retroativa dos artº 5º e 18º-B, nº 2 do D.L. nº 111/97, de 09/05, em violação do artº 13º, nº 1 do Código Civil; (iii) por violação do princípio da boa-fé, previsto no artº 6º-A do CPA e (iv) por violação dos artºs 1º e 4º do ETAF, ao conhecer do vício de inexistência de um ato praticado por uma associação privada.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “

    1. Em 10.01.1945, no Diário do Governo n.° 8, II Série, foi nomeada a Comissão Administrativa da Federação Portuguesa de Campismo.

      (Cfr. doc. 3 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 111-112 dos autos) B) Em 03.03.1945, foram aprovados os Estatutos da Federação Portuguesa de Campismo pelo Despacho da Direção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, publicado no Diário do Governo n.° 56, II Série, de 09.03.1945.

      (Cfr. doc. 4 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 113-118 dos autos) C) Em 04.01.1967, foram alterados por despacho ministerial os estatutos e a designação da Federação Portuguesa de Campismo, que passou a designar-se Federação Portuguesa de Campismo e Caravanismo, ora Entidade Demandada, sendo tais alterações publicadas por extrato em Diário do Governo, III Série, número 16, de 19.01.1967.

      (Cfr. doc. 5 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 119-120 dos autos) D) O Clube ………………., ora Autora, foi fundado em 03.04.1986, tendo como objeto social o fomento à prática de atividades ao ar livre, designadamente o montanhismo, a escalada, o pedestrianismo, a marcha e a corrida de orientação.

      (acordo) E) Em 1986 a ora Autora filiou-se na ora Entidade Demandada.

      (acordo) F) Por deliberação da Assembleia-Geral da Entidade Demandada, datada de 27.06.1987, foram alterados os respetivos Estatutos e aprovados o Regulamento Interno e o Regulamento das Atividades de Montanha.

      (Cfr. doc. 6 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 122-142 dos autos) G) De acordo com a redação resultante da alteração decorrente da deliberação referida em F), o artigo 1.° dos Estatutos da Entidade Demandada, sob a epígrafe “Definição”, passou a estabelecer o seguinte: «A Federação Portuguesa de Campismo e Caravanismo (F.P.C.C.), constituída em 6 de janeiro de 1945 com a designação de Federação Portuguesa de Campismo, é o órgão superior do Movimento Campista e Montanheiro Português, na qual se filiam as coletividades que se dedicam à prática do Campismo, Caravanismo, Montanhismo e outras atividades de ar livre inerentes àquelas modalidades.

      » (idem) H) De acordo com a redação resultante da alteração decorrente da deliberação referida em F), o artigo 2.° dos Estatutos da Entidade Demandada, sob a epígrafe “Fins e Competências”, passou a estabelecer o seguinte: «Os seus fins são: //

      1. Promover, disciplinar e orientar a expansão e organização das atividades previstas no artigo primeiro e representadas nacional e internacionalmente; (...)» (idem) I) Os novos Estatutos da Entidade Demandada, com a redação resultante da deliberação referida em F), foram publicados no Diário do Governo n,° 191, III Série, de 19.08.1988.

        (acordo) J) Em 27.08.1991, o então Diretor-Geral dos Desportos expede o ofício n.° 08114, com o assunto “Exercício das atribuições federativas relativamente ao montanhismo”, endereçado ao então Presidente da Entidade Demandada, com o seguinte teor: «Na sequência das conversações estabelecidas sobre o assunto mencionado em epígrafe, venho por este meio informar V. Ex.ª do seguinte: // 1. Ao Clube Nacional de Montanhismo foram reconhecidas funções federativas pela inexistência de uma federação nacional da modalidade. / / 2. Posteriormente, e pelas alterações que introduziu nos seus estatutos, a Federação Portuguesa de Campismo e Caravanismo, alargou o seu âmbito de modo a neste enquadrar a prática do montanhismo. / / 3. Nenhum impedimento legal existe a este enquadramento que, aliás, tem até a concordância das Secções Regionais do Norte e Centro que...

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