Acórdão nº 3354/05.9TBAGD.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução13 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

OM (…) e mulher MR (…), instauraram contra FM (…) e SM (…), a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, os RR sejam condenados a ver reconhecida a nulidade do contrato de mútuo celebrado com os Autores e, consequentemente, a restituir-lhes o montante de 78.523,12 €, acrescidos de juros moratórios, que em 09.11.2005, ascendiam a 7.409,14 € e juros vincendos até efectivo e integral pagamento, e subsidiariamente que os RR sejam condenados, com base em enriquecimento sem causa, a restituir aos AA a dita quantia e referidos juros, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento, alegaram, em síntese, que pouco após o casamento dos Réus, sendo a ré sua filha, os mesmos solicitaram aos Autores um empréstimo para comprar uma máquina giratória de rastos e um tractor para utilização na actividade profissional do Réu, ao que os AA acederam, tendo mutuado a quantia de 85.023,12 €, tendo ainda acordado que o pagamento seria efectuado até Julho de 2004, de acordo com os rendimentos que os Réus fossem obtendo. Estes ainda restituíram 6.500 €, tendo ficado em débito o montante de 78.523,12 €. Como o mútuo não foi celebrado por escritura pública, e face à nulidade do mesmo, devem restituir tal quantia, nos termos do disposto nos artigos 1143.º, 219.º, 220.º e 289.º do Código Civil.

Subsidiariamente, se assim não se entender, como a dívida foi contraída em proveito comum do casal e os RR viram o seu património enriquecido à custa dos AA uma vez que a máquina e o tractor adquiridos destinaram-se a ser utilizados pelo R. marido no exercício da sua actividade profissional, deverão restituir-lhes tal quantia a título de enriquecimento sem causa.

  1. Regularmente citados, o Réu FM (...) contestou, afirmando que os AA nunca emprestaram qualquer dinheiro aos RR nem estes lho pediram, tendo sido os AA que resolveram doar a aludida máquina e tractor, para ele fazer pela vida, pois o réu é empresário de terraplanagens.

  2. Os AA replicaram, mantendo que emprestaram o dinheiro aos RR, pois a banca comercial não lhes emprestou a quantia pretendida, e nunca quiseram ou tiveram a intenção de doar aos RR o valor correspondente ao preço das máquinas, em prejuízo das suas vidas e de outro filho que têm.

  3. Foi proferido despacho saneador, seguido da selecção dos factos assentes e da elaboração da base instrutória, o qual foi objecto de reclamação que foi atendida.

  4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença constante de fls. 236 a fls. 240 dos autos, que julgou totalmente improcedente a acção.

  5. Os Autores interpuseram recurso da dita sentença para este Tribunal da Relação de Coimbra, que, pelo Acórdão constante de fls. 660 a 673, julgou parcialmente procedente o recurso, mantendo a sentença recorrida quanto à questão de mérito respeitante ao mútuo, e declarou nula a mesma, por omissão de pronúncia quanto à questão de mérito concernente ao enriquecimento sem causa, e assim, ordenou a ampliação da matéria de facto nos termos indicados no seu ponto III-4.

  6. Em conformidade com o ali determinado, procedeu-se à ampliação da matéria de facto nos termos constantes do despacho de fls. 702 e 703, tendo-se procedido à realização de audiência de julgamento e respondido à matéria de facto ampliada que se mostrava controvertida, nos termos constantes do despacho de fls. 838 a 842, que não mereceu reclamação das partes.

  7. Na sequência, foi proferida sentença que finalizou nos seguintes termos: «Pelo exposto, julgo a presente acção (no respeitante ao pedido de condenação dos Réus, com base no enriquecimento sem causa, a restituir aos Autores a dita quantia) improcedente por não provada, e consequentemente, decido: a) Absolver os Réus FM (…) e SM (…) do pedido».

  8. Novamente inconformados, os AA apresentaram recurso de apelação da sentença proferida, formulando as seguintes conclusões: «1ª – A matéria com que foi ampliada a Base Instrutória contém factos, designadamente os levados aos artºs. 15º, 16º e 17º da ampliação, que se reportam directamente a questão da existência ou inexistência do Contrato de Mútuo.

    1. - Como a sentença é um todo e, declarando-se a mesma nula, essa nulidade é abrangente, incidindo sobre a globalidade da decisão proferida em Primeira Instância, entende-se que a sentença ora proferida deveria, nesta sede, pronunciar-se sobre o Contrato de Mútuo, até porque há matéria bastante nos Autos, nomeadamente com a prova agora produzida, que indicia a existência daquele contrato de mútuo … Não o fazendo, a decisão ora objecto de recurso está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, quanto à questão da existência, ou inexistência do contrato de mútuo [artº. 668º nº. 1 al. d) do C.P.C.].

    2. – A propósito do mútuo resultou provado, quanto à Fundamentação de Facto da Primitiva Sentença, a matéria dos itens (2), (3), (4), (5), (7), (8), (9), (13), (14) (isto sem prejuízo da matéria levada aos artºs. 15º, 16º e 17º da ampliação da B.I., que se mostra incorrectamente julgada), de onde emerge evidente a existência de um contrato de mútuo (empréstimo), através do qual os AA. adiantaram aos RR. as importâncias necessárias para que o Réu FM (…) adquirisse o equipamento industrial a que se reportam os Autos … Como resulta também que os RR., bem cientes de que aquelas entregas correspondiam a um contrato de mútuo, procederam à restituição parcial das quantias mutuadas, como decorre dos itens (8), (9), (13) e (14) dos Factos Provados.

    3. – Ao não decidir pela existência do Contrato de Mútuo, com a obrigação da restituição do capital mutuado, por força da nulidade do contrato, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 1143º e 289º do C. C.

    4. - Não obtendo os AA. a restituição do capital mutuado, por força da nulidade do contrato de mútuo, ou por alegadamente não se provar a existência do mútuo e a sua consequente nulidade … Sempre teriam direito a haver dos RR. a referida quantia com base no Instituto do Enriquecimento sem causa, que ocorre desde que verificado o seguinte condicionalismo: Que alguém obtenha um enriquecimento; Que o obtenha à custa de outro; E que o enriquecimento não tenha causa justificativa (cf. Galvão Telles, Obrigações, 3ª Ed. 127).

    5. – A este propósito resultou provada a matéria dos itens (1), (2), (3), (4), (5), (7), (10), (11), (12), (18), (19), (20) e (21) quer da Sentença na sua versão primitiva, quer da Sentença após a ampliação da B.I. … Mas já não resultaram provados os factos dos artºs. 1º, 2º, 3º, 4º, 6º (que o Autor marido, na sequência do negócio referido em 6º/ ampliação da B.I., tivesse dado a máquina ao Réu marido), 7º (que os RR., na sequência da entrega da máquina a aceitaram), 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º (que o Autor marido pretendia comprar o tractor para o Réu), 14º (que o Autor marido deu o tractor (...)VH ao Réu), todos da ampliação da Base Instrutória.

    6. - Aquela factualidade tida por provada, por contraponto com a não provada, demonstra, de forma inequívoca e indelével, que houve uma deslocação patrimonial avultada da esfera de direitos dos AA. para a dos RR., que não se reconduz a qualquer doação … Pelo que sempre se mostraria verificado o enriquecimento sem causa dos RR., que beneficiaram de um acréscimo patrimonial à custa do correlato empobrecimento do património dos AA..

    7. - O Autor que intenta acção fundada em enriquecimento sem causa não tem de provar um efectivo empobrecimento, bastando-lhe invocar e provar que aquele enriquecimento ocorreu à sua custa e carece de causa justificativa. E os AA., face à factualidade levada à sentença revidenda, fizeram prova daquela situação de enriquecimento dos RR. à sua (dos AA.) custa, cumprindo, assim, com o ónus que para eles decorre do artº. 342º do C. Civil.

    8. - De acordo com a repartição do ónus da prova, cabia ao Réu, que invocou que as quantias entregues o foram a título de doação, fazer prova desse mesmo facto (artº. 342º nº. 1 do C. Civil) … Ou, entendendo-se que tal facto (a invocada doação) é impeditivo ou extintivo do direito invocado pelos AA., sempre caberia aos RR. fazer prova desse facto (doação) em conformidade com o disposto no artº. 342º nº. 2 do C.Civil, o que não logrou fazer.

    9. - Tendo em consideração que resultou provado que os RR. restituíram aos AA. pelo menos as quantias mencionadas em (8) [No dia 22/07/2003 foi depositado para crédito da conta 004532404001632308947, de que os AA. são titulares, o montante de € 3.000,00 (ponto 9 da B.I.)] e (9) [No dia 06/07/2004 a Autora MR (…) depositou para crédito na conta 004532404001632308947, de que os AA. são titulares, o montante de € 2.500,00, dos quais € 2.385,00 provinham de cheques e € 115,00 de numerário (ponto 13 da B.I.)], dos factos provados … Tal facto só pode evidenciar uma de duas situações: Ou que estamos perante um contrato de mútuo (e os RR. procederam à restituição parcial das quantias mutuadas); Ou que, reconhecendo que se tratou de um adiantamento para aquisição de bens, os RR. restituíram aos AA. parte dos valores com que enriqueceram o seu património à custa do empobrecimento dos AA.

    10. – Não decidindo pela verificação do enriquecimento sem causa o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artº. 342º, 349º, 473º e 474º do C. Civil.

    11. - Atendo-nos tão só à matéria aditada à B.I., em sede de ampliação, e de acordo com o doutamente decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ou seja, à matéria dos quesitos 1º a 17º, constante do despacho de 04/10/2010 (Refª.: 8950748), resulta de toda a prova produzida, documental, por depoimento de parte e testemunhal (esta gravada em suporte magnético) produzida em audiência de julgamento, que os artºs. 15º (ampliação), 16º (ampliação) e 17º (ampliação) da B.I. aditada, estão incorrectamente julgados, e mereciam todos eles a resposta de provado, posto que as respostas remissivas dadas a tais...

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