Acórdão nº 2384/07.0TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Cooperativa de Habitação e Construção M…, CRL, impugna, por recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito da Vara Mista de Coimbra, que, julgando parcialmente procedente a acção de declarativa de condenação com processo comum, ordinário pelo valor, a condenou a pagar aos autores, A… e cônjuge, L…, a quantia de €17.630,00, a que acrescerá o IVA em legal em vigor, bem como a quantia de €2.876,69, correspondentes ao valor que pagaram pela aquisição do ar condicionado e a quantia de €2.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

A recorrente pede, no recurso, a revogação desta sentença com as inerentes consequências, tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: … Os autores, na resposta, concluíram, naturalmente, pela improcedência do recurso.

1.1.

Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

...

  1. Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

A recorrente assaca à sentença impugnada fundamentalmente dois defeitos: o primeiro, que lhe é exterior, radica no error in iudicando da questão de facto, por erro na valoração ou aferição das provas; o segundo, que já lhe é intrínseco, assenta num erro na estatuição, i.e., num erro respeitante à aplicação, no caso concreto, da consequência jurídica definida numa das normas aplicáveis à situação jurídica objecto do processo: a manifesta iniquidade da fixação do montante indemnizatório em sede de danos não patrimoniais.

Maneira que, tendo em conta o conteúdo da sentença apelada e da alegação das partes, as questões concretas controversas que devem constituir o universo das nossas preocupações são as de saber se: a) O Tribunal da audiência incorreu, no julgamento da matéria de facto, num error in iudicando, por erro na avaliação das provas; b) O direito às prestações pecuniárias reconhecido aos recorrentes e a imposição à recorrente do cumprimento dessas prestações foi atingido pela caducidade; c) O valor da compensação por danos patrimoniais viola os parâmetros ou critérios da sua determinação fixados na lei.

A resposta a estas questões reclama a qualificação do acordo de vontade invocado pelos recorridos como causa petendi e o exame das consequências jurídicas do não cumprimento e do mau cumprimento ou do cumprimento defeituoso das obrigações que, para o vendedor, emergem do contrato de compra e venda, do modo de extinção do direito do comprador às prestações que para decorrem daquele cumprimento inexacto, a ponderação, ainda que breve, dos parâmetros de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância, e, finalmente, os parâmetros de determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais.

3.2.

Natureza jurídica dos acordo de vontades invocado pelos autores como causa petendi e as consequências jurídicas que se associam ao mau ou inexacto cumprimento da obrigação a que, por força desse acordo, a recorrente se encontra adstrita.

Tem-se por axiomático que entre a recorrente e os recorridos foi celebrado um típico contrato de compra e venda (artºs 874 e 875 do Código Civil).

Do contrato de compra e venda emergem, no direito português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida umas das outras e ambas suportando esforço económico.

A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito. No caso, estamos nitidamente perante a primeira modalidade.

As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios[2]. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.

O vendedor, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 913 e ss. do Código Civil). O vendedor não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artº 913 Código Civil).

Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado[3].

Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (artº 913 nº 2 do Código Civil). Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Por exemplo, pressupõe-se que no prédio vendido não haja humidade nem fissuras nas paredes, etc.

Apesar de apenas a propósito do contrato de empreitada a lei se referir aos defeitos ocultos e aos defeitos aparentes ou reconhecíveis, esta distinção deve valer também para a compra e venda, desde que se admita, como se deve – sob pena de se premiar a negligência do comprador - o dever deste de proceder, no momento da entrega da coisa, á verificação do defeito (artº 1218 do Código Civil)[4].

No contexto da compra e venda, defeito oculto é, portanto, aquele que, sendo desconhecido do comprador pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias[5]; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência[6].

Maneira que o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa. Por outras palavras: a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.

Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto, à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artº 918 do Código Civil). Esta estatuição mostra que lei reporta a garantia edilícia apenas aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e tem directamente em vista a venda de coisa específica, certa e determinada[7].

A lei assinala à prestação de coisa defeituosa várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do CC)[8]. Presume-se, porém, que o mau cumprimento ou cumprimento inexacto procede de culpa do vendedor (artº 799 nº 1 do Código Civil).

Assim e em primeiro lugar, faculta-se ao comprador a supressão do contrato, fonte de qualquer daquelas obrigações (artº 905, ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil)[9]; em segundo lugar, reconhece-se ao comprador a possibilidade de exigir a reparação do defeito, caso esta seja possível, ou a substituição da coisa defeituosa, naturalmente se esta for fungível e se a entrega da coisa de coisa substitutiva não corresponder a uma prestação excessivamente onerosa para o vendedor, atento o proveito do comprador (artºs 914 e 921 do Código Civil); em terceiro lugar, atribui-se ao comprador o direito de reclamar a redução do preço convencionado (artº 911 ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil); por último, concede-se-lhe a faculdade de pedir uma indemnização (artº 911, ex-vi artº 913 do Código Civil).

Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador no caso de prestação de coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa, estando entre si numa ordem lógica: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminação do defeito da coisa; depois à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.

Mostrando-se a coisa prestada pelo vendedor defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao comprador é o de exigir a eliminação do defeito (artº 914 do Código Civil). Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito ao comprador impedir o cumprimento dessa obrigação do vendedor, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora. À semelhança do que ocorre com o contrato de empreitada, a não eliminação do defeito não confere ao comprador o direito de, por si...

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