Acórdão nº 43/11.9T2AVR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Refere-se o recurso de constitucionalidade ora pretendido interpor pela Insolvente/Apelada a uma decisão sumária do ora relator (a decisão sumária de fls. 309/320).

A esta – a uma decisão sumária – reage-se através de reclamação para a conferência (artigo 700º, nº 3 do CPC), não de recurso, mesmo quando se trata de interpor um recurso de constitucionalidade[1]. Assim, deve este recurso, impropriamente interposto de uma decisão singular, ser aqui tratado como requerimento para a conferência, procedendo-se à respectiva convolação [é este o sentido – e tal sentido vincula este Tribunal – da jurisprudência fixada pelo STJ através do Acórdão nº 2/2010, de 22/02/2010 (João Bernardo), proferido no processo nº 103-H/2000.C1.S1[2]].

Assim, procedendo-se a indicada convolação do sentido do requerimento de interposição de recurso de fls. 329, determina-se a ida do processo à conferência na primeira data disponível (em conferência será apreciada a questão de constitucionalidade agora suscitada e será esse Acórdão que abrirá, se isso mantiver interesse para a Apelante, a via do recurso de constitucionalidade).

Notifique as partes deste despacho.

Tribunal da Relação de Coimbra, … (J. A. Teles Pereira) *** Acordam em Conferência na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Foi o presente recurso decidido, no sentido da procedência, através da decisão sumária de fls. 309/320. Revogou-se, pois, em função desse atendimento da apelação do Ministério Público, agindo aqui em representação da Fazenda Nacional, a Sentença certificada a fls. 242 e vº que havia homologado, não obstante a oposição do credor Fazenda Nacional, o plano de insolvência respeitante à ora Reclamante (Insolvente, Apelada no recurso) B…, S.A.

[3].

Fundou-se o atendimento da pretensão do Apelante expressa neste recurso, na consideração de que a votação de um plano de insolvência por uma maioria de credores formalmente suficiente, nos termos do artigo 212º, nº 1 do CIRE[4], não se sobrepunha ao (não afastava o) requisito da concordância necessária da administração tributária, estando em causa e sendo afectados por esse plano créditos fiscais reconhecidos (aqui a administração tributária não aceitou o plano aprovado pela maioria dos credores por considerar insuficiente a garantia hipotecária a constituir referida aos créditos fiscais).

Fundou-se este entendimento, em primeira linha, no artigo 199º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT, referindo-se ao Diploma aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro[5]), envolvendo ele, num segundo momento, a consideração de que através da alteração ao artigo 30º da Lei Geral Tributária (LGT – Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro[6]), introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro), alteração consistente na introdução do respectivo nº 3, ficou afastada qualquer possibilidade de consideração do processo concursal como subtraído, por razões de especialidade adjectiva, à incidência do mencionado requisito (previsto na conjugação entre os nºs 1 e 2 do artigo 199º do CPPT e com preenchimento da concreta facti species do nº 2, estando em causa a constituição de uma hipoteca), à incidência do requisito, dizíamos, da concordância da administração tributária com as garantias oferecidas relativamente aos créditos fiscais envolvidos e afectados pelo plano de insolvência no caso dessas garantias corresponderem a hipoteca ou penhor[7].

Note-se que este entendimento, sufragado pela decisão sumária aqui reclamada, significou, como implicitamente foi indicado no respectivo item 2.1.1.1. a fls. 320[8], a existência, relativamente ao plano de insolvência em causa, de fundamento para uma não homologação oficiosa do mesmo, nos termos do artigo 215º do CIRE[9], por falta de preenchimento de um pressuposto legal (a aceitação da garantia hipotecária pela administração tributária). Daí que tenha sido esse o caminho apontado pela decisão sumária ora reclamada ao Senhor Juiz a quo.

1.1.

Neste caso – e continuamos a relatar as vicissitudes do processo nesta instância -, pelas razões que se expressaram no despacho de fls. 332, o recurso de constitucionalidade pretendido interpor pela Apelada B… a fls. 329 (recurso inadmissível, já que se referia a uma decisão sumária da qual sempre caberia reclamação prévia para a conferência, nos termos do artigo 700º, nº 3 do CPC[10]), tal recurso, dizíamos, foi oficiosamente convolado[11] para reclamação, entendendo-se esta tematicamente referida a uma questão de inconstitucionalidade material dos artigos 30º, nº 3 da LGT e 199º do CPPT.

Para compreensão da situação aqui se transcreve a suscitação da pretendida questão de inconstitucionalidade pela Reclamante: “[…] O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e visa a declaração de inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 30º, nº 3 da LGT e 199º do CPPT na interpretação que lhes foi fixada pelo Tribunal a quo.

Tais preceitos, na invocada interpretação, padecem de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade consagrado nos artigos 266º, nº 2 e 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.

Assim, padece de inconstitucionalidade material a interpretação de que o Tribunal a quo atribuiu aos mencionados artigos 30º, nº 3 da LGT e 199º do CPPT no sentido de que é suficiente, para se aferir da indisponibilidade dos créditos tributários, a mera aceitação ou não pela Administração Fiscal, das garantias envolvidas na afectação desses créditos, sem que para tanto sejam apresentados e/ou justificados os motivos que presidiram a tal não aceitação.

Com efeito, a [Fazenda Nacional] limita-se a invocar para essa não aceitação uma avaliação que a Recorrente desconhece, para considerar a garantia prestada como inidónea e, recusa de forma dogmática, o penhor como garantia, apesar de constar essa possibilidade, de forma expressa, do teor do artigo 199º, nº 1 do CPPT.

[…] [transcrição de fls. 329].

II – Fundamentação 2.

Destina-se este Acórdão, fundamentalmente, a uma tomada de posição da conferência sobre esta questão: a da invocada inconstitucionalidade material dos artigos 30º, nº 3 da LGT e 199º, nºs 1 e 2 do CPPT.

Todavia, preambularmente à apreciação desse problema, importa consignar aqui a confirmação por esta conferência do entendimento que subjaz à decisão sumária reclamada quanto à existência de uma opção legislativa clara – sem margem para a construção de outro entendimento –, decorrente da introdução pela Lei do Orçamento de Estado de 2011 do nº 3 do artigo 30º da LGT, opção essa, dizíamos, no sentido de afastar a homologação de planos concursais que afectem créditos fiscais (designadamente procrastinando o pagamento de dívidas fiscais já vencidas), sem a aceitação pela Administração Fiscal das garantias envolvidas nesses planos quanto aos créditos fiscais reconhecidos, designadamente, por força do nº 2 do artigo 199º do CPPT, quando essas garantias se referem, como aqui é o caso, a direitos reais de garantia (hipoteca ou penhor).

Assente este pressuposto – repete-se: o de que a conjugação interpretativa dos artigos 30º, nº 3 da LGT e 199º, nºs 1 e 2 do CPPT, afasta a possibilidade de homologação judicial de planos de insolvência que, sem o acordo da Administração Fiscal, afectem créditos tributários -, assente isto, dizíamos, importa agora tomar posição sobre a invocada inconstitucionalidade material desses artigos 30º, nº 3 e 199º, nºs 1 e 2, com a mencionada sobreposição interpretativa que aqui assumiu a natureza de ratio decidendi.

É a apreciação desta questão de inconstitucionalidade que, somada aos argumentos já esgrimidos na decisão sumária, formará o entendimento desta Relação, agora com a cobertura da composição alargada correspondente à Conferência, quanto à improcedência do presente recurso.

2.1.

A este respeito[12] lembramos que está em causa a especifica natureza dos créditos tributários, associada a um tratamento particular – especial, se preferirmos – destes mesmos créditos, implicitamente convocada pelas normas aqui pretendidas confrontar pela Reclamante.

Entendemos essa especificidade de tratamento dos créditos fiscais – representada por uma faculdade particular, reconhecida à Administração Fiscal, de bloquear a homologação de um plano de insolvência aprovado por uma maioria suficiente de credores[13] –, entendemos essa especificidade de tratamento, enquanto projecção de um dever fundamental de pagar impostos (obviamente de pagar impostos legalmente constituídos), inerente à incontornável natureza de “Estado fiscal” do nosso Estado de direito democrático[14].

É esta particular natureza de deveres fundamentais das imposições fiscais – dos impostos e reflexamente dos créditos fiscais da Administração por estes gerados –, que permite sustentar, em função desse muito relevante interesse público associado à efectivação da receita fiscal[15], um tratamento particularizado, ou mesmo especial, destes créditos, no confronto com outros créditos que não apresentem uma projecção directa tão intensa no interesse geral, como sucede com os impostos.

É neste carácter único dos créditos fiscais que colhemos a justificação para um privilegiamento actuante destes créditos, no quadro da garantia patrimonial e da tutela executiva a esta ligada (quer esta tutela se refira à garantia executiva de um crédito em particular, quer à execução universal do património do devedor que, nos termos do artigo 1º do CIRE, caracteriza o processo de insolvência).

Vale a respeito da forte individualidade dos créditos fiscais, a teleologia que preside à definição constitucional do próprio “sistema fiscal”, constante do artigo 103º da Constituição[16], no sentido em que a caracterizam, anotando esta disposição, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira: “[…] Os impostos são uma das poucas obrigações públicas dos cidadãos constitucionalmente consagradas […]...

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