Acórdão nº 904/11.5TBLSA de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelVIRG
Data da Resolução18 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NESTA RELAÇÃO DE COIMBRA O SEGUINTE: I – Relatório: Os cônjuges A (…) e F (…) apresentaram-se à insolvência em 9.11.2011 e requereram a exoneração de passivo restante, declarando que preenchem os requisitos legais e se dispõem a observar as condições exigidas nos artigos 237º e segs do CIRE.

Ouvido o administrador da insolvência, o mesmo pronunciou-se pelo indeferimento do pedido de exoneração (fls. 473 e segs). Também a fls. 183 a 185 a credora A (…) se pronunciou pelo indeferimento do pedido de exoneração.

Foi proferido despacho que indeferiu este pedido, com fundamento no disposto nas al. d) e e) do nº do artigo 238º do CIRE ([1]).

Inconformados, os insolventes apelaram da decisão, concluindo a sua alegação: 1) Vêm as presentes Alegações de Recurso interposto pelos insolventes, da douta decisão deste Tribunal, que indeferiu liminarmente o pedido de Exoneração do Passivo Restante, com fundamento no preceituado nas alíneas d) e e) do artigo 238 do CIRE.

2) Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendem os ora Recorrentes que a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, carece de fundamentação não só fáctica como também legal.

3) O processo de exoneração do passivo restante apresenta uma dupla oportunidade de os credores obterem a satisfação dos seus créditos, dado que, após o encerramento do processo de insolvência e a repartição do saldo do património actual pelos credores, ainda se efectua a cessão do rendimento disponível dos devedores a um fiduciário durante cinco anos.

4) Os insolventes não acompanham a decisão sufragada pelo tribunal a quo.

5) O despacho recorrido não contém factos suficientes que justifiquem o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

6) Relativamente ao vertido na alínea d) do artigo 238º do CIRE, aqueles são pessoas singulares e, uma vez que não exploram economicamente nenhuma empresa, não se encontram onerados com o dever de se apresentarem à insolvência, ao abrigo do artigo 18.º n.º 2 do CIRE.

7) Além disso, para que se mostre preenchido o requisito imposto pelo artigo 238º nº1 alínea d) do CIRE, é necessário que se tenha verificado, cumulativamente, prejuízo para os credores; 8) O conceito de prejuízo consiste numa desvantagem económica diversa do simples vencimento dos juros, consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período de que dispunha para se apresentar à insolvência – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 12-05-02009 (disponível em www.dgsi.pt), o que não sucedeu no caso sub judice.

9) Quanto ao outro pressuposto negativo que fundamentou a decisão de indeferimento proferida pelo tribunal a quo, a alínea e) do artigo 238º nº1 do CIRE, estamos em crer que os insolventes não agiram com culpa mas como mera negligência, não se podendo valorar da mesma forma tal postura.

10) Os insolventes estavam convictos de a sua situação económica poderia melhorar em termos de não se tornar necessária a declaração de insolvência.

11) Essa negação da realidade, fez com que os mesmos fossem sobrevivendo graças a preciosas ajudas de familiares e amigos, que quando cessaram, os obrigou a efectuar o pedido.

12) Note-se no entanto que os mesmos direccionam os escassos rendimentos de que auferem para a satisfação das necessidades básicas do seu agregado familiar, pelo que nunca se poderá afirmar que os insolventes não têm adoptado um comportamento pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência.

13) Ora, tanto basta para que se conclua pela não verificação das situações previstas no artigo 238º nº 1 alíneas d) e e) do CIRE, que fundamentaram a decisão recorrida do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes, pois que sendo, como vimos, vários os requisitos cumulativos que integram as referidas alíneas, a falta de um deles é, por si só, bastante para afastar o aludido indeferimento liminar, viabilizando-se, assim, a passagem à fase processual seguinte. Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deferido o pedido de exoneração do passivo, tempestivamente, apresentado.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

As duas únicas questões essenciais a apreciar consistem em saber se deve manter-se o indeferimento liminar do pedido de exoneração à luz do disposto nas al. d) e e) do nº 1 do artigo 238º, sendo certo que basta a verificação da situação prevista em qualquer uma das alíneas para que o pedido deva ser liminarmente indeferido.

II- Fundamentos: Foi a seguinte a fundamentação de facto exarada no despacho recorrido: «Tendo subjacente as considerações supra expostas, cabe apreciar o alegado pelos insolventes e a demais prova junta aos autos, designadamente o carreado pelo administrador da insolvência, os documentos de fls. 17, 19, 21, 22, 198 a 202 a 217, 237 a 472.

Os insolventes são casados em regime de bens de comunhão de adquiridos desde 18/12/1983.

Têm um filho nascido a 10/10/1996.

A insolvente A (…) encontra-se desempregada há 5 anos.

O insolvente F(…)aufere um rendimento ilíquido de 790,24 Euros como vigilante por conta da empresa “Securitas, SA”.

Em 2006 os insolventes declararam IRS um rendimento bruto de 11.233,13 Euros.

Em 2007 os insolventes declararam um rendimento bruto de 9.980,01 Euros.

Em 2008 os insolventes declararam um rendimento bruto de 10.594,86 Euros.

Em 2009 os insolventes declararam um rendimento bruto de 10.321,44 Euros.

Em 2010 os insolventes declararam um rendimento bruto de 11.771,54 Euros.

Os insolventes apresentavam em 16.4.2003 junto do Banco Santander (que cedeu o seu crédito à Arrow Global Portugal Limited) um saldo devedor da conta à ordem no valor empréstimo no valor de 34.840,03 Euros, sendo tal valor em dÍvida actualmente de 40.378,24 Euros.

Os insolventes junto da CGD têm um saldo devedor em conta à ordem no valor actual de 28.686,81 Euros.

Os insolventes junto do BES têm um saldo devedor em conta à ordem no valor actual de 3.058,92 Euros.

Os insolventes no âmbito de um ALD de uma viatura têm uma dívida para com a Finicrédito no valor de 7.925,70 Euros.

Os insolventes têm uma dívida para com a GE Consumer Finance no valor de 148.350,00 Euros por dois contratos de abertura de crédito celebrados em 18/1/1993 e 10/12/1993 respectivamente.

Os insolventes têm uma dívida para com a Proval no valor de 9.275,03 Euros em virtude de um contrato de aluguer de micro-computador e impressora.

Os insolventes têm uma dívida ao Banco Santander Totta, SA no valor de 44.225,93 Euros em virtude de um contrato de mútuo.

Conforme refere e bem o administrador da insolvência, «O crédito da Caixa Geral de Depósitos, no valor inicial de € 14.963,94, reporta-se a Janeiro de 1994, foi alegadamente constituído para pequenas reparações num imóvel destinado a habitação e encontra-se em incumprimento, incluindo capital e juros desde 6/09/1995. O crédito reclamado pela Arrow Global Portugal, Limited, que resultou da cessão do crédito anteriormente detido pelo Banco Santander Portugal, reporta-se em parte a descoberto de conta e empréstimo titulado por livrança efectuado em 31/12/2001, com vencimento em 28/04/2003. Verifica-se que o empréstimo não foi pago e que foram accionados judicialmente os créditos, tendo os aqui insolventes sido citados em 21/10/2003. Mais se alcança que à data da contracção do empréstimo titulado por livrança, os insolventes já se encontravam em incumprimento com os credores Caixa Geral de Depósitos desde 1995 e com a GE Consumer pelo menos desde 1994. Os créditos reclamados pela GE Consumer, Lda., referem-se à contracção de empréstimos efectuada em Janeiro e Dezembro de 1993. Os insolventes cessaram os pagamentos em 1994 quanto ao segundo empréstimo e em 1995 quanto ao primeiro».

Apreciemos agora as questões de direito: Previamente, convém tecermos algumas considerações sobre alguns entendimentos da 1ª instância acerca do instituto de exoneração do passivo restante, expressos no despacho recorrido, estranhamente ainda antes de ter exarado a fundamentação de facto. Tais considerações permitir-nos-ão contextualizar melhor a solução a dar a cada uma das questões.

- Segundo a 1ª instância, «neste processo o juiz tem intervenção na fase inicial verificando se estão ou não reunidos os pressupostos legais que permitem a concessão do benefício. Se entender que estão, profere despacho liminar de deferimento desse pedido. Se achar que não estão, indefere liminarmente o referido pedido».

Todavia, a lei não ordena que o juiz, se entender que não estão reunidos os pressupostos legais para o indeferimento, profira despacho liminar a justificar o deferimento do pedido de exoneração. O que a lei diz no artigo 239º/1 é que «Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes». E esse despacho inicial é aquele cujo conteúdo vem especificado no nº2 desse artigo, o qual não se confunde com despacho liminar de deferimento: apenas pressupõe implícito o não indeferimento e portanto o deferimento. Situação semelhante ocorria perante o artigo 474º do CCPC antes da reforma de 1995/1996, que regulava o indeferimento liminar da petição inicial; mas, não sendo caso de indeferimento, ao juiz apenas competia proferir despacho de citação: não tinha de proferir despacho a justificar o deferimento liminar.

Só assim não é, ou seja, o juiz apenas tem de justificar o não indeferimento, quando a questão do indeferimento tenha sido suscitada por algum interessado.

Por outro lado, não basta simplesmente entender ou achar. O juiz deve abster-se da utilização de critérios meramente pessoais, antes deve observar o princípio da separação de poderes e aplicar a lei segundo os cânones de interpretação...

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