Acórdão nº 611/10.6T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | ALBERTINA PEDROSO |
Data da Resolução | 15 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.
V (…), menor, legalmente representado por M (…) e A (…), instaurou contra VE (…), LD.ª, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 30.000,01, a título de compensação por dano morais, com juros de mora desde a citação.
Em fundamento, alegou, que: No dia 26 de Março de 2007, pelas 14.30 horas, tendo então 6 anos de idade, ficou preso num portão automático que serve o acesso ao estabelecimento da Ré quando, juntamente com as suas mãe a avó, aguardavam no exterior pela abertura da loja; Estando encostado ao portão quando foi accionado o mecanismo para abertura do portão, logo que foi iniciada a abertura automática deste, ficou com o ombro e o braço esquerdo entalado entre o portão e o muro; O referido portão não estava equipado com dispositivos de segurança; não havia placa informativa de que o portão era de abertura automática e, antes da sua abertura, ninguém se certificou de que havia crianças junto ao mesmo; Em consequência do sinistro, ficou lesionado, tendo necessitado de intervenção hospitalar e de posteriores tratamentos, tendo ainda ficado impedido de realizar tarefas básicas do quotidiano e tendo sentido dores.
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Contestou a R., a Ré invocando que o portão em causa, de acesso ao logradouro exterior da sua loja, tem dimensões e características que, de forma imediata, sugerem a qualquer utente a sua natureza automática, sendo que o mesmo se acha identificado com placa que chama a atenção para tal facto, sendo certo que a mãe do autor conhecia tal facto por já anteriormente ter visitado tal loja; Mais alegou que cerca de 10 a 5 minutos antes da abertura, por ali entrou um funcionário da Ré que abriu o portão com o comando, quando ali já se encontravam o autor, a mãe, a avó e os irmãos, e puderam verificar que a abertura do portão era automática, sendo que o mesmo os avisou que não se aproximassem muito do portão porque ele era automático e dentro de pouco tempo ia abrir; Conclui que os factos descritos pelo A. apenas sucederam porque a sua mãe não o vigiou adequadamente, aduzindo ainda que quando a criança tinha três meses lhe foi diagnosticada «uma ligeira atrofia do membro superior esquerdo, por provável sequela de paralisia do plexo braquial» e que só decorrido um ano é que teve alta; sendo que em Fevereiro de 2006 teve uma fractura da clavícula direita, impugnando que as sequelas descritas pelo autor tenham sido consequência deste evento.
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Replicou o A., negando conhecer que o portão fosse de funcionamento automático, e concluindo como na petição inicial.
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Designada audiência preliminar, foi então lavrado despacho saneador, no qual se procedeu à selecção dos factos assentes e da elaboração da base instrutória, que não mereceram qualquer reclamação.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi designada data para a decisão sobre a matéria de facto, a qual também não foi objecto de qualquer reclamação.
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A ré apresentou alegações de direito e seguidamente foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de € 3750, 00, com juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento, tendo sido absolvida do demais peticionado.
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Inconformada, a ré apresentou o presente recurso de apelação da sentença proferida, formulando as seguintes conclusões: «1ª – A questão principal a apreciar é a de saber se, face aos factos provados, houve concorrência de culpa na produção do acidente entre a ré e a responsável pela vigilância do menor.
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– O pedido formulado contra a ré é feito com base na sua responsabilidade por acto ilícito.
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– Os pressupostos dessa responsabilidade (artº 483, nº 1 C. Civil) são: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
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– É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (artº 487º, nº 1 C. Civil) 5ª – Na douta sentença recorrida foi decidido que há presunção de culpa por parte da ré, pois quem tiver em seu poder coisa móvel (o portão) com o dever de a vigiar responde pelos danos que causar, excepto se provar que não houve culpa da sua parte (artº 493º, nº 1 C. Civil) 6ª – À data dos factos a criança que sofreu os danos tinha 6 anos de idade.
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– Nesta idade as crianças são irrequietas, imprevisíveis e imponderadas quanto à consequência dos seus actos. Por esse motivo exigem uma vigilância mais cuidada.
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– A vigilância, zelo e cuidados exigíveis começam antes da verificação do resultado e esse dever tem de se adequar às circunstâncias concretas em que o menor se encontra.
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– Quem estiver obrigado à vigilância de outrem em razão da sua incapacidade natural responde por facto próprio dada a presunção de culpa do artº 491º do C. Civil.
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– Face às circunstâncias em que o acidente ocorreu e que resultam dos factos provados ter-se-á de concluir que o acidente se verificou por falta de vigilância que devia ter sido feita pela mãe em relação ao menor.
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– Num juízo de normalidade, e atenta a idade da criança, era exigível à mãe que tomasse precauções para que a criança não estivesse encostada ao portão de abertura automática (ou se pendurasse nele) quando o mesmo estava prestes a abrir.
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– A mãe do menor não alegou qualquer facto que provasse que cumpriu esse dever de vigilância ou que o acidente se teria verificado mesmo que esse dever fosse cumprido.
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– Há uma presunção legal de culpa da mãe do menor quanto à verificação do sinistro.
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– A douta sentença recorrida não decretou essa presunção de culpa, que, desde logo, afastaria a culpa da ré.
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– A douta sentença recorrida considerou que sobre a ré existia, na qualidade de proprietária de uma coisa móvel (o portão), o dever de vigiar o seu funcionamento. Tal teria como consequência uma presunção de culpa (artº 493º, nº 1 C.Civil) 16ª – A ré entende que o portão em causa não é coisa móvel mas parte integrante do prédio urbano onde se insere, uma vez que a ele se encontra ligado materialmente e com carácter de permanência (artº 204º, nº 3 C.Civil). De qualquer modo aplicar-se-ia a mesma disposição.
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– No entanto, a ré cumpriu todos os deveres de vigilância do funcionamento do portão.
Aliás, a autora não imputa à ré a falta de cumprimento do seu dever de vigilância; o que lhe imputa é a falta de cumprimento de um requisito de segurança do funcionamento do portão.
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– A autora invocou o não cumprimento do disposto na Portaria nº 987/93 de 06.10, o que mereceu também acolhimento na douta sentença recorrida.
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– A Portaria nº 987/93 de 06.10 não tem aplicação à questão dos presentes autos; ela regula as relações entre empregadores e trabalhadores com vista à segurança destes nos locais de trabalho.
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– O portão não está situado no local de trabalho dos trabalhadores, mas na vedação do terreno e logradouro do edifício face à estrada e distante deste 30 metros, sendo o edifício o local de trabalho.
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– O portão estava dotado de um mecanismo de paragem quando alguma pessoa se interpusesse quando ele fazia a manobra de fecho. São estes os requisitos legais de instalação e funcionamento e que se verificam nos locais públicos e privados, nomeadamente entradas de casas, garagens, elevadores, centros comerciais e outros.
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– No entanto, mesmo que existisse um mecanismo de emergência na manobra de abrir, o acidente ter-se-ia verificado na mesma, pois só após a criança ter ficado “presa” entre o portão e a coluna de suporte é que gritou e se imobilizou o portão. Não se provou agravamento dos danos, tendo o portão parado.
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– A existência e funcionamento do portão automático não é actividade perigosa, pelo que não se verifica a presunção de culpa prevista no artº 493, nº 2 C.C.
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– Mesmo que se considerasse que existia presença de culpa da ré (o que só se admite por hipótese de raciocínio) esta elidiu essa presunção.
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– Também ainda por hipótese de raciocínio, se se mantivesse a douta decisão recorrida o valor global da indemnização devia ser reduzida a € 3.000,00 26ª – A douta decisão recorrida deve ser revogada e a ré absolvida do pedido, considerando-se que os factos que causaram os danos se verificaram por a mãe da criança não ter exercido o seu dever de vigilância e não ter alegado que o tinha exercido ou que, mesmo que o tivesse exercido, o evento ocorreria na mesma.
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– Ao não decidir dessa forma a douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 487º, 491º e 493º do Código Civil..» 8. O autor não apresentou contra-alegações.
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Dispensados os vistos, cumpre decidir.
***** II. O objecto do recurso[2].
As questões a apreciar no presente recurso de apelação consistem em saber se: - existe ou não culpa por parte da ré e da mãe do menor na produção do evento e se esta afasta a culpa daquela; - se existir concorrência de culpas qual a sua medida; - determinação do montante da indemnização ao menor.
***** III – Fundamentos III.1. – De facto Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida e que não tendo sido impugnados se consideram assentes: 1 - O A. nasceu a 13.10.2000 (al. A).
2 – O portão em causa não é de acesso imediato ao edifício onde está instalado o estabelecimento (al. B).
3 – O estabelecimento é composto por uma zona de edifício, logradouro e terreno e toda essa zona se encontrava vedada (al. C).
4 – A vedação face à Estrada Nacional 109 é uma vedação em rede (al. D).
5 – Essa vedação está afastada da faixa de rodagem cerca de 8 a 10 metros (al. E).
6 - Sendo essa zona constituída por um piso em tout-venant que serve de estacionamento e paragem de pessoas (al. F).
7 – Entre a vedação e o edifício onde funciona o estabelecimento vai uma distância de cerca de 30 metros (al. G).
8 – Que constitui o logradouro do edifício que serve de parque...
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