Acórdão nº 1906/11.7T2AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução26 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO Nº 1906/11.7 T2AVR.P1 5ª SECÇÃO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:IB…, residente em Vila Nova de Gaia, intentou contra C…, residente em Ovar, único e universal herdeiro de D…, a presente ação de investigação de paternidade, pedindo que se reconheça e declare que D… é seu pai.

Para tanto articula que no seu assento de nascimento está omissa a menção à paternidade, porém a A. é também filha de D…, com quem a progenitora da A. manteve relação amorosa e sexual.

O referido D… sempre tratou a A. como sua filha, quando a A. tinha 16 anos foi apresentada por D… como filha à esposa e ao filho deste, ora Réu.

A A. sempre tratou o referido D… como pai, e este sempre a tratou como filha, até à data da sua morte.

O Réu contestou, impugnando genericamente o invocado pela A. e suscitando a exceção perentória da caducidade do direito de investigação da paternidade por parte da A., dado que, segundo a própria refere, sempre soube que o pai era D… e atingiu a maioridade há 26 anos.

Pede, em consequência se julgue improcedente a ação.

A A. replicou, defendendo que quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a defender a imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade, pelo que a ação deve prosseguir os seus termos.

Foi então proferido saneador sentença que julgou procedente a exceção perentória de caducidade e absolveu o Réu do pedido.

Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: 1. O artigo 1817º, nº1, do CC, na redação dada pela Lei 49/2009, porque limitador do exercício do direito de ação de investigação de paternidade (por força do artigo 1873º CC), põe em causa um conjunto de direitos fundamentais, designadamente, o direito à identidade pessoal e o direito a constituir família, violando o disposto nos artigos 18º, nºs 2 e 3, 26º, e 36º, nº1 da CRP, sendo por isso materialmente inconstitucional, pelo que não deverá ser aplicado; 2. Em consequência, não se verifica no caso concreto dos autos, a exceção de caducidade do direito da recorrente de intentar a presente ação de investigação.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogada a sentença recorrida, com o que se fará justiça.

Foram apresentadas contra-alegações nas quais o Réu, pugnando pela manutenção do decidido, concluiu que a sentença recorrida deve ser mantida.

IISão os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de 1ª instância, a que se adita o nº 4, em uso da prerrogativa estabelecida no artigo 712 nº 1 alª do CPC: 1. A A. B… nasceu em 13.01.1967, na freguesia …, concelho do Porto, está registada como filha de E…, estando omissa no assento de nascimento da A. a menção à paternidade.

  1. D…, natural da Covilhã, filho de F…, faleceu no dia 16.07.2011, com 90 anos de idade, no estado de viúvo, tendo deixado como único e universal herdeiro o ora Réu.

  2. A A. deu entrada em juízo com a presente ação em 14.10.2011.

  3. No seu articulado a A. alega que ela e o falecido D… tratavam-se como filha e pai, mesmo perante terceiros e tal laço de sangue era do conhecimento público, bem como do filho (Réu) e da esposa do falecido que igualmente reconheceram à A. essa qualidade.

IIINa consideração de que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nº 3 do CPC), é a seguinte a questão a decidir: - Se caducou o direito da Autora à investigação da sua paternidade.

A 1ª instância considerou que o artigo 1817º do C.C., na redação do Dec-Lei 14/2009 de 02.04 se mostra conforme com a Constituição da República, estabelecendo um prazo razoável para que os filhos intentem ações de investigação de maternidade ou paternidade e, desse modo, porque, no caso da Autora, tal prazo se mostra largamente excedido, julgou procedente a exceção perentória de caducidade, com absolvição do Réu do pedido.

Defende a apelante, em sede de recurso, a inconstitucionalidade material do artigo 1817º, nº1, do CC, na redação dada pela Lei 49/2009, porque limitador do exercício do direito de ação de investigação de paternidade (por força do artigo 1873º CC), apoiando-se, para o efeito em jurisprudência quer desta Relação quer do STJ proferida já depois do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011 datado de 22/09/2011 que decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante”.

Dispõe o art. 1817º nº 1 do Cód. Civil na redação dada pela Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril que: 1 - A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

2 - Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.

3 - A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação.

Tal prazo aplica-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código.

Como bem se refere na decisão recorrida, fazendo uma resenha histórica das normas em sucessão: “Por opção ou por política legislativa as ações de investigação da paternidade têm estado historicamente sujeitas a um prazo de caducidade de intentar tal ação, em prol dos valores da segurança e da certeza jurídica. Na verdade, já o art. 130º, do CC de 1867, na redação intentada pelo Dec.- Lei 2, de 25.12.1910, estabelecia que tal ação só poderia ser intentada em vida do pretenso pai ou no ano seguinte ao seu falecimento.

O CC de 66 veio reduzir tal prazo, tendo fixado o prazo máximo de intentar a ação em dois anos, contados a partir da maioridade do investigante (art. 1817º, n.º 1, na redação referida, ex vi do art. 1873º, do CC). Tal norma foi, no entanto, declarada inconstitucional com força obrigatória e geral pelo Acórdão do TC 23/2006, de 08.02 (proc. 885/2005), embora deva esclarecer-se que a razão da apontada inconstitucionalidade não foi a da existência em si mesmo de um prazo de caducidade para o exercício do direito de investigar a paternidade biológica, mas antes da falta de razoabilidade do prazo que se encontrava estabelecido.

Na sequência desta decisão do Tribunal Constitucional criou-se um certo entendimento jurisprudencial maioritário, sobretudo ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, de que tais ações de investigação da paternidade deixariam de estar sujeitas a qualquer prazo de caducidade, seriam por assim dizer ações imprescritíveis, fazendo prevalecer de forma absoluta o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade sobre os valores da segurança e da certeza jurídica, tendo, aliás, tal tribunal estendido mesmo esta máxima às próprias ações de impugnação da paternidade.

Uma outra interpretação jurisprudencial, embora minoritária, propendeu pela repristinação ou o renascimento do regime de caducidade do CC de 1867, na versão de 1910 – segundo o qual a ação de investigação da paternidade só podia ser intentada em vida do pretenso pai ou no ano seguinte ao seu falecimento – (vide neste sentido Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães 1513/07-1 de 11.10.2007, relatado por Espinheira Baltazar em dgsi.pt)”.

Com a nova redação do art. 1817º do C.Civ., mantendo o estabelecimento de prazos (não apenas o de 10 anos posteriores à maioridade ou emancipação) o...

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