Acórdão nº 2864/08.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução26 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 2864/08.TBSTS-Apelação Origem: Tribunal Judicial de Santo Tirso 1º Juízo Cível Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- O Tribunal da Relação deve ponderar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, a prova produzida no processo em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação.

II- Não sendo possível concluir por culpa, exclusiva ou concorrente, de qualquer dos intervenientes em acidente, deverá funcionar o risco, conforme ao previsto no artigo 503º, nº 1, do Código Civil.

III- Numa colisão entre dois automóveis ligeiros de passageiros, mas sendo um deles um jipe, a repartição do risco prevista no artigo 506.º, nº 1, do Código Civil deve ser efectuada na proporção de 60% e 40% respectivamente.

IV- Os danos referidos no citado preceito não abrangem só os sofridos pelos veículos sinistrados mas também todos os restantes provenientes da colisão para os condutores e demais passageiros, havendo que fazer uma interpretação extensiva do mesmo.

**I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, residente na Rua …, …, …, Santo Tirso veio propor contra a R., C…, SA”, com sede na …, .., Lisboa a presente acção declarativa, emergente de acidente de viação, sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 28.000,00 como indemnização pelos danos resultantes do embate ocorrido no dia 13.06.2003, pelas 17.40h, na E.N. …, …, … entre o veículo de matrícula ..-..-VB, onde seguia transportada e o veículo com matrícula ..-..-QN.

Alega, para tanto e em síntese, que o VB seguia na aludida Estrada Nacional, sentido …/…, a velocidade não superior a 50 km/h e, no momento em que ia descrever uma curva para a esquerda, foi embatido pelo QN, o qual atravessou a linha contínua assinalada no pavimento e invadiu a faixa de rodagem destinada à circulação dos veículos que seguiam em sentido oposto, tornando inevitável o choque.

*Regularmente citada, a R. contestou, rebatendo a versão fáctica alegada pela A. e atribuindo a ocorrência do embate ao condutor do VB, o qual, provindo da via contrária à sua, invadiu a faixa de rodagem em que seguia o QN e foi embater no mesmo.

*Após resposta foi proferido despacho saneador, com saneamento e condensação do processo, que não foi objecto de reclamação.

*Procedeu-se a julgamento, com observância do devido formalismo legal e respondida a matéria de facto pela forma que dos autos consta que não foi objecto de reclamação, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada absolveu a Ré do pedido.

*Não se conformando com o assim decidido veio aAutor interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: A- O relatório de reconstituição do sinistro que foi junto aos autos, indica de forma clara como decorreu o sinistro, suportado no relatório policial, nas medidas deste relatório, nas medidas das viaturas e das vias, na deformação das viaturas, e está em conformidade com os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora, e ainda em conformidade com o depoimento da testemunha que elaborou o relatório policial e confirmou as medidas, que são os dados objectivos do relatório em causa; B- Ocorre erro de apreciação, ao excluir-se o relatório pericial com o fundamento em que o mesmo carece da necessária imediação, o que não é o caso, dado que, sendo um juízo pericial, e assente sobre factos que foram devidamente comprovados na sua parte objectiva em tribunal, não tem que ser um juízo imediato, mas antes uma avaliação técnica devidamente ponderada, como se exige de um relatório de tal natureza; C- Os pontos 1º a 11º da matéria de facto deveriam ter sido dados como provados nos autos, porque devidamente suportados nos depoimentos das testemunhas D… e E…, devidamente ouvidos por via de carta rogatória, e de F… que em anexo se reproduz; Os depoimentos destas testemunhas encontram-se ainda em consonância com os demais elementos de prova do processo, nomeadamente, as fotografias das viaturas sinistradas, das medidas devidamente verificadas no local do sinistro e constantes do relatório policial dos autos, e no relatório pericial de reconstituição do sinistro; D- A indicação do local provável de embate por indicação do nome da pessoa que pretensamente o indicou, não tendo sido constatado pelo Autor do relatório policial, não tendo este presenciado o sinistro e não tendo recolhido outros elementos no local em causa, vale apenas como registo da declaração da pessoa que se identificou como sendo a indicada no croquis, mas valendo esta declaração sempre como declaração mediata e não imediata, ou melhor, como depoimento indirecto, sem especial relevo probatório, em especial por não se encontrar assinado o relatório em causa pela pessoa que terá indicado o local de embate; E- Em todo o caso, afigura-se pelo rasto de travagem verificado, a posição deste rasto de travagem na via, no inicio e configuração do rasto de travagem, a largura da viatura e a distancia do rasto de travagem ao eixo da via, que o embate não poderia ter tido lugar no ponto suposto para tal no croquis policial; F- Da mesma forma, o depoimento da testemunha G… não resiste ao confronto com as medidas do sinistro obtidas no local, nas fotografias das viaturas após o sinistro, no relatório pericial de reconstituição do sinistro, na configuração da via, elementos que demonstram que a versão trazida aos autos pela testemunha em causa não tem aderência com a realidade; G- Da mesma forma, as medidas verificadas no relatório policial, e o confronto com os elementos de prova indicados supra, não permitem que se considere como provada a matéria dos ns. 12º a 22º, os quais deveriam ter merecido a resposta de Não provado; H- Com a alteração das respostas à matéria de facto, afigura-se que a acção terá que ser julgada como provada e procedente, dado que, da alteração em causa, resulta a demonstração que o sinistro teve lugar na hemi-faixa de rodagem onde seguia a viatura onde a Autora era transportada, e que o sinistro se deu por a viatura segura da Ré não ter logrado manter a circulação da viatura na sua hemi-faixa de rodagem, tendo invadido a faixa de rodagem oposta.

*Devidamente notificada, Ré não contra-alegou.

*Após os vistos legais cumpre decidir.

*II- FUNDAMENTOS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.

**No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir: a)-saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto; b)-decidir de direito em conformidade com a matéria factual que se venha a fixar.

** A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO É a seguinte a matéria de facto que o tribunal de 1ª instância deu como provada.

  1. )-No dia 13.6.2003, pelas 17.40h, a autora era transportada na viatura de aluguer sem condutor com a matrícula ..-..-VB, na E.N. …, sentido …/…, conduzida por D…-alínea A) da matéria assente.

  2. )-No dia e hora ditos em a), a viatura automóvel de matrícula ..-..-QN – cuja responsabilidade civil emergente de acidentes de viação que a pudessem envolver se encontrava transferida para a R. através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...........-era tripulada por G…, o qual circulava no sentido …/…–alíneas B) e C) da matéria assente.

  3. )-O QN circulava ocupando a hemi-faixa de rodagem destinada ao seu sentido de marcha e, ao chegar ao …-…, quando o condutor perfazia uma curva para a direita, de reduzida visibilidade, atento o sentido de marcha …/…, deparou-se com o ..-..-VB, o qual circulava no sentido …/…, a invadir e a ocupar a hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido …/…–respostas dadas aos artigos 12.º, 14.º e 15.ºda base instrutória.

  4. ) O condutor do QN, ao aperceber-se do VB a ocupar a sua hemi-faixa de rodagem, numa manobra de recurso e de modo a evitar o embate, desviou-se para a direita; no entanto, atenta a curta distância que mediava entre os veículos, o VB foi embater com a lateral esquerda na frente esquerda do QN-respostas dadas aos artigos 16.º, 17.º e 18.º da base instrutória.

    5)-O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha do QN, a uma distância de 40 cm da linha contínua delimitadora das duas hemi faixas de rodagem e a 2,40 m da berma direita, atento o sentido de marcha do QN, sendo que, à data do embate, a faixa de rodagem tinha 5,80 m de largura–respostas dadas aos artigos 19.º, 20.º, 21.º e 22.º da base instrutória.

  5. )-O tempo e o piso estavam secos-resposta ao artigo 3.º da base instrutória.

  6. )-Do sinistro foi lavrado auto de ocorrência pelas competentes autoridades policiais e o local do embate foi indicado a estas pela mulher do condutor do VB–alínea D) da matéria assente e artigo 35.º da base instrutória.

  7. )-A seguradora H…, SA, para a qual se encontrava...

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