Acórdão nº 1457/12.2TJPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução15 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº.

1457/12.2TJPRT – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº. 20) Des. Dr. Fernando Manuel Pinto de Almeida (1º Adjunto) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (2º Adjunto) Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO B…, casado no regime de separação de bens, residente na Rua …, …-.º-esqº, Porto, apresentou, em 05/09/2012, nos Juízos Cíveis do Porto-2º. Juízo, Processo Especial de Revitalização (PER), através do qual comunicou, ao abrigo dos artºs 1º., nº2, e 17º-C, do CIRE, a sua pretensão de iniciar negociações com os seus credores e formulou pedido de nomeação de administrador judicial provisório.

Alegou que é detentor de certa quantidade de acções da “C…”; esta detém a totalidade do capital social das sociedades “D…” e “E…”; e detém a maioria do capital social e dos votos da “F…” e “G…”.

Por sua vez, a “D…”, detém a totalidade do capital social da “H…” e da “I…”.

Preside ao Conselho de Administração de todas elas, que formam o “Grupo C…”, as quais contraíram vários financiamentos junto de 13 instituições financeiras para desenvolvimento dos seus negócios, hoje no valor de 84 milhões de euros, e que está avalizada pelo requerente.

Os activos delas desvalorizaram-se, mas são superiores ao passivo.

Todavia, a conjuntura económica gerou dificuldades de satisfazer responsabilidades de curto prazo, tudo agravado pelas dificuldades de aceder ao crédito bancário, o que determinou o cancelamento do serviço da dívida por parte do Grupo.

O próprio requerente, como avalista, também está em incumprimento e, apesar de ter património pessoal próprio não dispõe de liquidez nem de meios para cumprir as suas obrigações assim contraídas.

Todos pretendem estabelecer negociações para acordarem a sua revitalização, mas, dada a sua interdependência, pretendem delinear planos articulados em processo negocial global.

A “C…” já intentou um PER e as demais estão a fazê-lo.

Têm em vista, sob a égide de administrador comum, encetar aquela negociação global.

Juntou 13 documentos, entre os quais os referidos nas alíneas a) a c) e e) do nº 1 do artº 24, do CIRE.

No dia 07-09-2012, pelo Mº. Juiz titular do processo, foi proferida o seguinte despacho: «Ao abrigo do art. 170 C nº 3, al. a), 2ª parte do CIRE como administrador (a) judicial provisório nomeio.

J…, …, …, …, Bloco ., sala ., ….-… Guimarães.

Notifique.

D.N., artº 17º C, nº 4, 37º e 38º do CIRE.

*Na eventualidade de ter sido feita menção no requerimento inicial da existência de processos desta natureza, comunique aos mesmos o presente despacho, artº 17º-E, nº 1 e 6 do CIRE.

*Decorrido o prazo previsto no artº 17º D, nº 5 do CIRE (sem prejuízo de prorrogação) sem que outra informação chegue ao processo, notifique o(

  1. Sr (a) administrador(a) judicial provisório (a) para os efeitos previstos no artº 17º G, nº 1 do CIRE.

    Porto, d.s.» O credor reclamante (fls. 56 e sgs.) K..., SA, em 3/10/2012, veio interpor recurso do despacho.

    Culminou as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES: A.

    O PER destina-se, apenas e só, aos casos em que o devedor não se encontra ainda em situação de insolvência.

    B.

    A Jurisprudência é pacífica quanto à qualificação de um devedor como insolvente quando o mesmo estiver impossibilitado de cumprir pontualmente a generalidade das suas obrigações, independentemente de o activo ser, ou não, superior ao passivo.

    C.

    Quando o devedor que pretende recorrer ao PER estiver em situação de insolvência actual, o juiz pode e deve repudiar tal conduta abusiva e não admitir o procedimento, pois este não tutela os interesses, nem os fins para que foi instituído.

    D.

    Dito de outra forma, isto significa que o juiz ao proferir o despacho que nomeia o administrador judicial provisório e dá continuidade ao processo está também a fazer uma apreciação sobre os requisitos de admissibilidade do PER e a sancionar – mal ou bem – a sua verificação.

    E.

    Esta apreciação liminar deve acontecer entre a apresentação do requerimento e a prolação do referido despacho a que alude a al. a), do n.º 3, do artigo 17.º-C.

    F.

    Tal interpretação do regime do PER é, aliás, a única que se enquadra nos princípios enformadores do Direito Falimentar e do Direito Processual, e isto sob pena, como está bom de ver, de o regime do PER ser totalmente permeável ao seu uso abusivo por devedores insolventes.

    Neste sentido, G.

    Nestas situações, em que o devedor se encontra insolvente, o Tribunal não deve admitir o uso do PER pelo devedor.

    H.

    No caso dos autos, o Tribunal a quo incumpriu o seu poder/dever de rejeitar o requerimento para instauração do PER apresentado pelo Senhor B…, com fundamento no uso abusivo do procedimento.

    De facto, I.

    O Senhor B… não é elegível para recorrer ao PER, na medida em que o mesmo se encontra em situação de insolvência actual, estando já verificada esta situação quando, em 7 de Setembro de 2012, apresentou o seu requerimento com vista à instauração do PER.

    Em face do exposto, J.

    Errou o Tribunal a quo ao não proferir despacho de rejeição do requerimento apresentado pelo devedor, com fundamento na não admissibilidade do uso deste procedimento pelo Senhor B…, por falta de preenchimento dos requisitos legais exigidos, pelo que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 17.º-A, 17.º-B, 17.º-C, 17.º-D e 17.º-E do CIRE.

    Nestes termos, K.

    Deve a decisão do Tribunal a quo que admitiu o recurso ao PER pelo Senhor B… e procedeu à nomeação de administrador judicial provisório ser revogada, e substituída por outra que rejeite o requerimento de instauração do PER apresentado pelo devedor, deste modo não admitindo o uso deste procedimento pelo mesmo, com base na falta de preenchimento dos requisitos legais exigidos.

    Noutro passo, L.

    O recurso ao PER por uma pessoa já insolvente é contrário ao interesse público, lesando-o.

    M.

    É do interesse público manter na economia apenas os entes que cumpram pontualmente as suas obrigações e sanar as situações de impontualidade, sob pena de perturbação grave e generalizada da actividade económico-comercial.

    N.

    Por isso, o PER não é uma opção para um devedor já insolvente: possibilitar a revitalização de um devedor já insolvente, num processo excessivamente informal e que, ao contrário do que acontece no processo de insolvência, não assegura o devido escrutínio a que devem ser submetidas quaisquer providências de recuperação, nem faculta as mesmas garantias, é tratar de forma leviana uma situação patológica e pôr em risco o equilíbrio do comércio jurídico e “o movimento normal da actividade económico-comercial”.

    O.

    Mas, recurso ao PER por um devedor já insolvente, além de lesar o interesse público, lesa igualmente os interesses dos credores em geral, e o Recorrente em particular.

    P.

    A evidência do prejuízo para os credores resulta clara do confronto entre o PER e o processo de insolvência a que o Devedor deveria ter-se submetido, na hipótese de vir a apresentar um plano de pagamentos, nos termos dos artigos 251.º e ss. do CIRE.

    Concretamente: Q.

    Caso o devedor tivesse apresentado um plano de pagamentos em insolvência, esse plano ficaria sujeito a um duplo escrutínio pelo julgador: antes da votação, aquando da apresentação, e depois da votação, aquando da homologação; o plano de recuperação aprovado no PER, por seu turno, só é apreciado depois da votação, aquando da homologação.

    R.

    A maioria de aprovação do plano de pagamentos, em processo de insolvência, é de 2/3 do total dos créditos relacionados e abrangidos pelo plano; a maioria de aprovação do plano de recuperação, no PER, é de 2/3 dos votos emitidos, que podem, no limite, corresponder a 1/3 dos votos relacionados pelo devedor.

    S.

    Em processo de insolvência, em caso de incumprimento do plano de pagamentos, a regra será a de que as moratórias e perdões concedidos pelos credores se extinguem; no PER, por seu turno, em caso de incumprimento do plano de recuperação, a regra será a de que as moratórias e perdões e concedidos pelos credores se mantêm.

    T.

    Ao passo que o processo de insolvência é acompanhado e dirigido pelo juiz, que controla a legalidade do mesmo, o PER não tem um interlocutor junto dos serviços do Estado e nem sequer prevê o controlo pelo juiz de certos momentos-chave.

    Assim, U.

    No PER não há um controlo judicial de que o Devedor comunicou a todos seus credores o início do procedimento, sendo certo que os credores notificados não terão como saber se existem outros credores que devessem ser notificados e sendo igualmente certo que a ausência dessa comunicação pode permitir “forjar” uma maioria de aprovação do plano de recuperação.

    V.

    A votação do plano de recuperação em PER não é sujeita ao escrutínio do juiz: os votos emitidos não são enviados para o Tribunal, que apenas terá acesso a um documento elaborado pelo administrador judicial com resultado da votação.

    W.

    A apresentação ao PER, em detrimento da apresentação à insolvência, por um devedor já insolvente, em violação do disposto no artigo 17.º-A do CIRE, implica que o devedor insolvente se furte ao incidente de qualificação da insolvência e, bem assim, obsta à verificação dos efeitos de uma eventual insolvência culposa.

    Em suma, X.

    O confronto entre o regime do Plano de Pagamentos e do Plano de Recuperação em PER põe a descoberto a evidência de que o PER, por ter um pendor menos garantístico e sendo excessivamente informal, não acautelando devidamente a posição dos credores, não foi pensado para “solucionar” as situações patológicas de insolvência actual: o risco não se compadece com o informalismo e a desregulação pretendida com o PER.

    Y.

    Pelo que o recurso ao PER por um devedor já insolvente é prejudicial para os credores colocando-os numa situação excessivamente desprotegida.» E, por fim, disse: «deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a decisão do Tribunal a quo que admitiu o recurso ao PER pelo Senhor B… e procedeu à nomeação de administrador judicial provisório, e substituída por outra que rejeite o requerimento de instauração...

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