Acórdão nº 3364/09.7TJVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Novembro de 2012

Data27 Novembro 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 3364/09.7TJVNF.P1 Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, Lda.

, com sede na Rua …, .., ..º, Lisboa, instaurou, em 1/10/2009, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, onde foi distribuída ao 2.º Juízo Cível, acção com processo sumário contra C…, residente na Rua …, …, …, daquela comarca, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 10.257,46 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de emissão de cada uma das facturas até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, que forneceu ao réu o material e prestou-lhe os serviços constantes de sete facturas que juntou, no valor total de 27.563,86 €, de que apenas pagou 8.156,80 €, continuando o restante por liquidar.

O réu contestou por impugnação e alegando, em síntese, que nada deve à autora, porque, em Setembro/Outubro de 2004, acordou com ela o fornecimento de um tractor e alfaias agrícolas, ficando a seu cargo o pagamento de 60% do respectivo preço e sendo os restantes 40% suportados pela ajuda que iria ser concedida pelo IFADAP no âmbito do programa AGRIS, num processo requerido por si e acompanhado pela demandante, tendo, então, pago 12.500,00 € e feito a entrega de material de retoma no valor de 4.806,60 €, ficando o remanescente, no montante de 10.875,80 €, de ser pago se e quando fosse concedido aquele subsídio, o que nunca sucedeu dado ter sido recusado, em Agosto de 2008, por insuficiência orçamental. Concluiu pela improcedência da acção.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e feita a condensação com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, de que reclamou, sem êxito, o réu.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi decidida a matéria de facto nos termos constantes do despacho de fls. 130 a 133, que não mereceu qualquer reparo das partes.

Finalmente, em 22/5/2012, foi lavrada sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar o réu a pagar à autora a quantia de 2.094,56 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de cada uma das facturas até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação e apresentou a correspondente alegação com as seguintes conclusões: “A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 22 de maio de 2012 na parte em que julgou improcedente por não provada a pretensão da Autora, tendo em consequência absolvido parcialmente o Réu do pedido quanto à quantia de € 8.162,90.

  1. A Recorrente e o Recorrido celebraram um contrato de compra e venda usual e corrente no tráfego jurídico, assumindo aquele a natureza de contrato comutativo de prestações certas e determinadas, estando o preço, ab initio, determinado.

  2. Atenta a usualidade do contrato mencionado, é indefensável que estejamos perante uma situação de proteção e tutela da parte mais fraca, uma vez que o estabelecimento de regimes imperativos surge associado à tutela da parte mais fraca sempre e quando existam fundamentos para considerar que à contraparte será imposta uma disciplina contratual rígida e sem margens de negociação – restringindo a liberdade de estipulação – e sempre que exista uma dependência económica que fundamente essa proteção acrescida – o que não sucede in casu.

  3. De facto, inexiste qualquer desequilíbrio contratual, nem tampouco ao Réu foram furtadas quaisquer informações necessárias à decisão de contratar.

  4. Assim, e uma vez que ficou demonstrado que o caso sub judice as partes não previram o que sucederia caso o subsídio não fosse atribuído, é evidente que estamos perante uma lacuna negocial que necessita de integração.

  5. Nos termos do art. 239.º do Código Civil, a integração deve seguir o seguinte caminho: i) normas legais supletivas, ii) os ditames da boa fé e iii) a vontade conjetural das partes.

  6. Assim, tendo em conta que, por acordo das partes, entendeu-se diferir o pagamento de 40% para momento posterior, momento da concessão do subsídio - o que não veio a suceder -, H. Não é possível retirar daqui que o Réu ficou desobrigado de proceder ao pagamento do preço remanescente – até porque seria atentatório dos ditames da boa fé.

    I. Assim, sendo o contrato de compra e venda um contrato de prestações recíprocas, a contrapartida pecuniária corresponde ao valor objetiva e subjetivamente devido pelo bem cuja propriedade se transmitiu, J. Razão pela qual o Recorrido deve pagar o remanescente do preço devido pelos bens adquiridos.

  7. Tal decorre do princípio da integralidade e da pontualidade constantes dos arts. 762.º e 763.º do Código Civil.

    L. De resto, é também ofensivo dos mais elementares princípios gerais de direito que o Réu faça sua a coisa vendida mediante o pagamento de apenas 40% do seu preço – quando tal nunca foi ponderado pelas partes.

  8. É pois evidente que o Réu terá que liquidar o montante em dívida, correspondente aos 40% do valor dos bens, que corresponde à solução que leva ao maior equilíbrio nas prestações.

  9. Ainda que assim não se entenda, o que não se concebe, sempre seria de chamar à colação o instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art. 473.º do Código Civil, O. Sob pena de sedimentação na ordem jurídica de uma situação de flagrante enriquecimento sem causa do Réu – o que não concebível Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa., doutamente, suprirá, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que condene o Recorrido ao pagamento da quantia de € 8.162,90, acrescida de juros de mora contados à taxa legal aplicável.” O réu contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.

    Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente...

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