Acórdão nº 272/98.9GAVFR-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução14 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 272/98.9GAVFR-B.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório No processo comum com intervenção de tribunal colectivo nº 272/98.9GAVFR que corre termos no 2º juízo criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira foi proferido despacho que, considerando já ter decorrido o período da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido B…, devidamente identificado nos autos e inexistir qualquer motivo determinativo da sua revogação, declarou extinta tal pena.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso as assistentes C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… e K…, pretendendo a sua revogação e substituição por outro que considere incumprida a condição da suspensão da execução da pena, com as legais consequências, para o que formularam as seguintes conclusões: I. O arguido não cumpriu a condição de suspensão da execução da pena, logo há um motivo determinativo da revogação da suspensão dessa mesma pena.

  1. Por tal razão, o Tribunal a quo nunca poderia ter concluído que a pena aplicada ao arguido se mostra integralmente cumprida.

  2. A decisão recorrida ao considerar cumprido aquilo que não foi cumprido, anulou completamente a sentença condenatória proferida nos presentes autos, violando a forma de caso julgado (art. 375° CPP), na medida em que lhe retirou qualquer ponta de eficácia.

  3. O argumento utilizado pela decisão recorrida no sentido de que estamos perante um incumprimento não culposo por parte do arguido não tem qualquer apoio legal, o que retira esta decisão toda e qualquer relevância jurídica.

  4. Os documentos invocados pelo Sr. Juiz a quo para fundamentar a falta de culpa do arguido não têm qualquer valor probatório porque não foram sujeitos a contraditório, conforme impõem os artigos 165°/2 e 3 CPP, 157°/1 CPP.

  5. A prova invocada pelo Tribunal a quo foi produzida em violação do princípio do contraditório (art. 32°/5 CRP, art. 327°/2 CPP, art. 301°/2 CPP, art. 321°/3 CPP, art. 322°/2 CPP, art. 323°/f CPP, art.165°/2 e 3 CPP, art.157°/1 CPP), sendo totalmente nula, e isso determina a ilegalidade da decisão recorrida.

  6. A culpabilidade do arguido nunca poderia considerar-se afastada, uma vez que os autos não indiciam minimamente que o arguido tenha assumido qualquer comportamento activo no sentido do cumprimento da condição suspensiva que lhe foi imposta, designadamente que tenha feito qualquer diligência para pagar, ou tentar pagar, as indemnizações às vítimas.

Responderam o MºPº e o arguido/recorrido, ambos defendendo a manutenção da decisão recorrida e a improcedência do recurso, tendo o segundo oferecido as seguintes conclusões: 1. Recorreu-se do douto despacho judicial que decretou a extinção da pena de prisão imposta ao arguido, nos termos do art 57 n.ºl do CP, por considerar decorrido o período da suspensão da pena de prisão e não haver motivos para sua revogação.

  1. A extinção da pena foi também promovida pelo MP, por considerar devidamente preenchidos os pressupostos de extinção da pena de prisão imposta.

  2. Obsta ao conhecimento do recurso afigura-se-nos, precisamente a sua manifesta inadmissibilidade, por falta de interesse em agir das assistentes/recorrentes.

  3. Uma vez que o recurso visa impugnar um despacho judicial, sem que dessa impugnação resulte a protecção directa de um interesse das assistentes, que tenha sido afectado pelo douto despacho recorrido- cfr. art. 401º n.º2 do CPP.

  4. Em consequência, por verificação de causa que determina a sua inadmissibilidade - falta de interesse em agir, nos termos dos arts. 401.º,2º, 417.º nº3 alínea c), 419 nº 4 alínea a) e 420 nº1 todos do CPP - parece-nos que o recurso é de rejeitar.

    Se assim não se considerar, 6. Não é correcto dizer-se que existiu violação do princípio do contraditório, na medida em que faltou qualquer notificação às assistentes para se pronunciarem sobre a extinção da pena.

  5. As assistentes foram notificadas para se verificar o cumprimento ou incumprimento da obrigação imposta ao arguido.

  6. Tendo-se pronunciando da forma como bem entenderam, nomeadamente declarando que o arguido não tinha cumprido essa condição, o que aliás foi confirmado pelo próprio arguido.

  7. Ora, não cabe às assistentes pronunciarem-se sobre a extinção da pena, nem sequer sobre a medida da pena e as finalidades por ela pretendidas, sendo esse um juízo que é feito pelo Tribunal, com a colaboração do arguido e do Ministério Público (esse sim com interesse em agir).

  8. Pelo que não havia lugar ao contraditório reclamado pelas assistentes.

    Por outro lado, 11. O artº 56 CP, ensina-nos: “1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2- A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

  9. Pois bem, o que decorre desde logo da conjugação deste preceito com o art. 55.º do mesmo Código, é a de que só o incumprimento culposo (artº 55º CP) das obrigações impostas ao arguido pode conduzir à revogação da suspensão.

  10. E resulta igualmente da leitura de tais preceitos que o não cumprimento das obrigações impostas não desencadeia necessariamente a revogação da suspensão da pena em que o arguido foi condenado.

  11. Por isso a revogação, como o refere expressamente o citado artº 56º nº 1 a), só se impõe se o condenado “infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social”.

  12. Bem entendido: “A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a) do nº 1 do artº 56º do CP, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada. Só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação”.

  13. A nós parece-nos que, face ao quadro relatado no despacho recorrido, não se pode afirmar que o arguido violou de forma grosseira o dever de pagamento fixado na sentença.

  14. É que se provou inequivocamente que o arguido se encontra completamente impossibilitado de pagar as ditas indemnizações.

  15. Quer isto dizer que não ficou demonstrado que o arguido não cumpriu a condição por motivo que lhe seja imputável, mas sim por não ter possibilidades económicas de o fazer.

  16. Ora, a falta de capacidade financeira para pagar, ainda mais não sendo imputável ao arguido, não pode levar ao cumprimento da pena aplicada, pelo que a suspensão da execução da pena de prisão nunca poderia ser, por este motivo, revogada.

    Consequentemente, 20. O n.º 1 do art.2 57 do CP, estabelece: “A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”.

  17. Já o n.º 2 do mesmo art. refere que “se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão”.

  18. Por outro lado, mostra-se ultrapassado o prazo da suspensão! 23. Ora, ultrapassado o período da suspensão e inexistindo motivos que possam conduzir à sua revogação, há que declarar a extinta a pena, conforme prevê aquele n.º 1, do art. 57, do CP.

  19. A declaração de extinção da pena não ocorreu logo que findou o dito prazo de suspensão, mas tão só e apenas quando, verificado aquele prazo, se indagou (1.2) sobre o cumprimento da condição e (2.2) sobre a culpabilidade desse incumprimento, pelo não colhe a alegação de que se encontra pendente qualquer incidente de incumprimento.

  20. Ou seja, o incidente por falta de cumprimento da condição seguiu os seus termos até se considerar, a final, que não se tratava de incumprimento culposo.

  21. Pelo que, verificado o decurso do prazo da suspensão, o incumprimento não culposo da condição e portanto a inexistência de motivo para a revogação da suspensão, bem como, aliás, a impossibilidade de o arguido vir a cumprir a condição por facto que não lhe é imputável nem censurável, restava ao Tribunal despachar no sentido em que o fez, ou seja, declarando extinta a pena.

    Por último, 27. A extinção da pena em nada prejudica directamente as assistentes, que poderão executar como e quando quiserem a sentença que lhes conferiu o direito a serem indemnizadas.

  22. Caso em que, aí sim, terão manifesto interesse em agir! 29. O direito das assistentes à indemnização não se confunde com as finalidades da punição e, por isso, não devem ser misturadas estas duas vertentes do processo criminal.

  23. Sob pena de se assistirem a graves violações dos direitos, liberdades e garantias dos arguidos condenados, passando a distinguir-se aqueles que podem indemnizar daqueles que, não o podendo, cumprem pena de prisão, ainda que os crimes cometidos, as penas e a culpa sejam em tudo idênticos.

  24. Assim, por todo o exposto, deve improceder o recurso apresentado pelas assistentes, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, a qual se apresenta, além de lícita, substancialmente justa.

    O Sr. Juiz recorrido lavrou despacho no qual julgou improcedente a nulidade invocada quanto à alegada violação do princípio do contraditório e admitiu o recurso.

    O recurso foi admitido.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual – considerando, por um lado, que não assiste razão ao recorrido no que concerne à questão prévia que veio suscitar e que, ao invés, as recorrentes têm interesse em agir na medida em que as legítimas expectativas de que o arguido cumprisse a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT