Acórdão nº 3471/07.0TJVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelANA PAULA AMORIM
Data da Resolução15 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

CMR-3471-07.0TBVNF-127-12TRP Trib Jud Vila Nova Famalicão Proc. 3471-07.0TBVNF Proc. 127-12-TRP Recorrente: B………., Lda Recorrido: C………, Lda - Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim Juízes Desembargadores Adjuntos: Soares Oliveira Ana Paula Carvalho * * * Acordam neste Tribunal da Relação do Porto ( 5ª secção – 3ª Cível ) I. Relatório Na presente acção que segue a forma de processo sumário em que figuram como: - AUTORA: B….., Lda com sede na Rua …., nº …, …, Vila Nova de Famalicão; e - RÉ: C…., LDA, com sede na Rua …., nº . .., freguesia …., Maia pede a Autora a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 9 965,40, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alega para o efeito e em síntese, que acordou com a Ré o transporte urgente de mercadorias do seu fabrico para Barcelona, mas que não foi recepcionada no destino, porque em Espanha o veículo que fez o transporte foi objecto de um furto.

Mais referiu, que a mercadoria em causa foi vendida pela Autora a D…., SA e consistia em 799 camisetas 100% cotton, no valor de € 9 965,40.

Alega, por fim, que a cliente não pagou o preço da mercadoria, sendo a ré responsável pelo respectivo pagamento, valor que reclama na presente acção.

-Citada a Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.

Alega, em síntese, que em Espanha as mercadorias expedidas pela Autora foram furtadas do interior do veículo que as transportava e a Ré assumiu, em conformidade com a cláusula indicada no documento que titula o transporte, o pagamento da quantia de € 1 582,80 a título de indemnização, considerando que não está obrigada ao pagamento do valor total da mercadoria.

-Na resposta à contestação a Autora manteve a posição inicial e referiu, ainda, que não celebrou qualquer contrato com a E….. e bem assim, que não foi informada do teor das cláusulas apostas no documento referenciado pela Ré, pelo que, ao abrigo do regime jurídico das clausulas contratuais gerais, devem as mesmas considerar-se nulas.

-Elaborou-se o despacho saneador e dispensou-se a selecção da matéria de facto.

-Realizou-se o julgamento, com gravação da prova.

-Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “ Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção, condenando a Ré a pagar a indemnização relativa ao valor da mercadoria furtada - €9.965,40 – após efectuado o cálculo que permita aferir se este é superior ao valor do montante relativo 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.

Sendo superior será reduzido na justa medida, relegando-se desta forma o montante indemnizatório para decisão a fixar em liquidação de sentença.

Custas conforme o decaimento. “-A Autora veio interpor recurso da sentença.

-Nas alegações que apresentou a recorrente formulou as seguintes conclusões: “ 1 - A Recorrente/vendedora celebrou no dia 25 de Julho de 2007 com a Recorrida/transportadora um contrato para transportar artigos têxteis de Vila Nova de Famalicão, para Barcelona, no valor de € 9.965,40, por esta se dedicar ao transporte urgente de mercadorias; 2 = Mercadoria que teria que ser entregue no dia 26 de Julho ao cliente da Recorrente; 3 = A mercadoria não foi entregue no dia 26 de Julho, conforme o contratualizado com a Recorrida; 4 = O Cliente da Recorrente no dia 26 comunicou-lhe que não tinha recebida a mercadoria e após varias insistência da Recorrente junto da Recorrida, esta comunicou-lhe no dia 27 que a mercadoria que sido roubada em Espanha; 5 = O contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada ao qual se aplica a Convenção CMR; 6 = A Recorrida obrigou-se a transportar a mercadoria da Recorrente por estrada de Vila Nova de Famalicão para Barcelona, mediante o pagamento de um preço, e por este contrato a Recorrida assumiu uma obrigação de resultado – entregar a mercadoria ao cliente da Recorrente, que não cumpriu; 7 = A Convenção CMR regula de forma especial a responsabilidade pelo incumprimento ou pelo cumprimento defeituoso do contrato, mais do que na aplicação dos artigos 487º/2 e 799º/1/2 do Código Civil; 8 = O Transportador/Recorrida no cumprimento do contrato de transporte tem a obrigação de zelar pela guarda e segurança da mercadoria durante o transporte, mantendo-a incólume desde a entrega pela vendedora/Recorrente até ao local de entrega, sendo responsável pelos danos emergentes da sua violação; 9 = A responsabilidade do transportador perante quem com ele estabelece um contrato de transporte é de natureza contratual sempre que do mesmo resultem relativamente ao objecto do contrato, por forma a que se verifique uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso; 10 = Os contratos devem ser pontualmente cumpridos – artigo 405º do Código Civil – no sentido que as prestações devem ser realizadas não só no tempo convencionado, como o devem ser integralmente, isto é, ponto por ponto, não se satisfaz, em tempo de cada vez maior eticização das condutas negociais segundo os deveres de tráfego inerentes a cada tipo contratual, com comportamentos que apenas tenham em conta interesses próprios, antes postula uma colaboração leal (de boa fé) entre o credor e o devedor, sobretudo, no domínio das relações intersubjectivas, mormente, nos negócios jurídicos, avultado o dever de cooperação, de entre os deveres acessórios de conduta; 11 = Os deveres acessórios de conduta são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes um actuação de boa-fé – artigo 762º nº2 do Código Civil – entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte – principio da concretização; 12 = Os deveres acessórios de conduta implicam a adopção de procedimentos indispensáveis ao cumprimento exacto da prestação, sobressaindo o dever de vigilância e guarda da Recorrida, sem os quais muitas vezes a utilidade final não é alcançada, o que efectivamente aconteceu, pois a Recorrida descuidou de forma grosseira e culposa os deveres de vigilância e guarda da mercadoria; 13 - A Recorrida com a sua actuação, violou o principio da concretização ao não realizar “no terreno” o dever de vigilância e de guarda da mercadoria a que estava obrigada até à sua entrega, incólume, ao cliente da Recorrente em Barcelona, no prazo de 24 horas, bem como, violou o dever de boa-fé ao não acautelar a confiança que a Recorrente depositou nela quanto à preservação da mercadoria; 14 – Sobre a Recorrida/transportadora, como devedora da prestação do transporte, impende uma obrigação de resultado – deslocação incólume da mercadoria desde a sua recepção até à sua entrega ao destinatário – e a adopção de deveres acessórios de conduta; 15 = A Convenção CMR consagrada uma presunção de culpa sobre o transportador, ou seja, o transportador obriga-se a entregar a mercadoria no local de destino, na mesma quantidade e estado em que a recebeu, sendo responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento e o da entrega, assim como pela demora na entrega e no caso de perda «total ou parcial o transportador fica desobrigado desta responsabilidade se ela teve por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta do transportador, um vicio próprio da mercadoria, ou circunstancias que o transportador não podia evitar e a cujas consequência não podia obviar; 16 – Da presunção de culpa consagrada na CMR resulta que cabe ao transportador a prova de que a perda da mercadoria teve por causa um dos factos enumerados no nº 2 do artigo 17º da CMR, designadamente, que ocorreram circunstâncias que o transportador não podia evitar e cujas consequências não podia obviar, ilidindo a presunção de culpa que impendia sobre si.

17 – O ónus da alegação e prova das circunstâncias em que ocorreu o roubo incumbe ao transportador para se eximir da responsabilidade decorrente da perda mercadoria; 18 = Não basta invocar o roubo da mercadoria por parte de quem assume a obrigação de a vigiar e guardar para se desobrigar do pagamento da indemnização correspondente ao preço da mercadoria; 19 = A Recorrida tinha que alegar e provar que tomou as medidas e precauções adequadas a prevenir o roubo da mercadoria, o que não fez; 20 = A sentença recorrida ao sustentar que que não se verificou, de acordo com os factos provados e não foi alegada qualquer conduta dolosa, seja em que espécie fosse, por parte da Recorrida e, por isso, a indemnização terá de limitar-se ao valor da mercadoria, nos termos do nº 3 do artigo 23º da Convenção, que não pode ultrapassar 8,33 unidades de conta do peso bruto em falta, leva a uma total desconsideração da presunção de culpa do transportador em caso de perda total ou parcial da mercadoria no transporte internacional de mercadorias, como resulta da conjugação dos artigos 17º nºs 1 e 2 e 18º nº 1 da Convenção CMR e também do artigo 799º nº1 do Código Civil; 21 - A culpa é um juízo de censura ético jurídico, em função da actuação efectiva do agente, nas concretas circunstancias em que agiu e aquele que teria alguém razoavelmente prudente, avisado e cumpridor nesse mesmo quadro factual –o padrão do bónus pater familias – desde logo, não podemos abstrair das obrigações emergentes do contrato, dos direitos e deveres implicados nas prestações reciprocas, das regras da boa fé, bem como, o padrão de conduta postulado por uma actuação que respeite os interesses da contraparte, visando a não frustração das expectativas do credor - princípio da confiança, para se aferir se uma certa conduta culposa exprime negligencia consciente ou dolo, ainda que indirecto ou eventual; 22 = A Recorrida violou este princípio de confiança, consequentemente a sua actuação é culposa; 23 = A mercadoria não foi entregue pela Recorrida ao cliente da Recorrente por o veículo transportador ter sido objecto de roubo em...

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