Acórdão nº 346/11.2TTVRL.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução08 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 346/11.2TTVRL.P2 Apelação Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 576) Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto Des. António José Ramos Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B....

intentou procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual, ao abrigo do disposto nos artigos 34º e 35º do Cód. de Processo do Trabalho, contra Santa Casa da Misericórdia de …..

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Para tanto alegou, em síntese, que: - Na reunião da mesa administrativa que deliberou a instauração do procedimento disciplinar, visando o aqui requerente, esteve presente um vogal, C…., que recebe da aqui requerida uma remuneração mensal e como tal não poderia fazer parte dessa mesma mesa administrativa, face aos estatutos daquela instituição. Logo, deverá a decisão proferida no âmbito daquele procedimento disciplinar ser declarada nula em virtude de ter sido subscrita por um vogal que não podia ali exercer estas funções.

- No procedimento disciplinar que lhe foi movido são-lhe imputados factos que não correspondem à verdade e que tem vindo a ser vítima de perseguição por parte da aqui requerida, tendo-lhe sido retirados equipamentos e tarefas que lhe estavam atribuídos e feito sentir que era indesejada a sua presença nas funções que ocupa, desde que reclamou o pagamento das quantias que entendia serem-lhe devidas a título de isenção de horário. Assim, alega ainda, que a culminar toda a referida situação foram dadas ordens às funcionárias de limpeza para deixarem de limpar o armazém, o que ocorre desde Novembro de 2010, pelo que o Requerente, cansado de tal situação e ao verificar que o armazém do qual era responsável começava a apresentar sinais evidentes de falta de higiene, alertou as entidades que julgava competentes, como decorre da carta que enviou ao Diretor do Instituto da Segurança Social.

Conclui, que inexistem fundamentos para decretar o despedimento com justa causa, pelo que a presente providência deverá ser julgada procedente.

Regularmente citada a requerida veio opôr-se à presente providência, alegando para o efeito, e em síntese, que o vogal a que o requerente faz menção não exerce funções remuneradas na aqui requerida, sendo que a sua presença não era sequer necessária para garantir o quórum indispensável à deliberação em apreço. Mais, alega a requerida que os factos descritos na nota de culpa foram integralmente demonstrados no procedimento disciplinar em apreço e que a sua gravidade torna impraticável a manutenção da relação laboral em causa.

Realizada a audiência final foi proferida decisão julgando procedente o procedimento cautelar e determinando a suspensão do despedimento de que o Requerente foi alvo.

Inconformada, veio a Requerida recorrer, arguindo, no requerimento de interposição do recurso, a nulidade da decisão recorrida e formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: I. A decisão que decretou a suspensão do despedimento é nula por falta de fundamentação e ilegal por erro de qualificação.

  1. A decisão de despedimento proferida em processo disciplinar regularmente instruído apenas pode ser suspensa se, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, for de concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

  2. É nula por falta de fundamentação a decisão recorrida que não procedeu à apreciação da gravidade objectiva da denúncia efectuada pelo trabalhador, facto causal do despedimento, omitindo a ponderação requisitada pelo art. 39.º/1 CPT.

  3. Integra justa causa de despedimento, por violação do dever de lealdade, a conduta do trabalhador que se permite apresentar a Director de Segurança Social denúncia caluniosa.

  4. Deve ser revogada a decisão que decretou a suspensão do despedimento do requerente.

    O Recorrido não contra-alegou.

    O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual apenas a Recorrente se pronunciou, dele discordando.

    Por despacho de fls. 249, ordenou-se o cumprimento do disposto no art. 715º, nº 3, do CPC.

    Colheram-se os vistos legais.

    *II. Matéria de Facto dada como assente na 1ª instância: 1. O requerente é trabalhador da requerida, tendo sido admitido ao serviço desta em 01/06/2002.

    1. Atualmente exerce as funções de fiel de armazém.

    2. No exercício das suas funções, o requerente superintende nas operações de entrada e saídas de mercadorias e/ou materiais no armazém, executa ou fiscaliza os respetivos documentos, responsabiliza-se pela arrumação e conservação das mercadorias e/ou materiais, comunica os níveis de stocks e colabora na realização dos inventários.

    3. Por decisão comunicada ao requerente no passado dia 15 do corrente mês [reporta-se a decisão ao mês de Julho de 2011] a requerida procedeu ao despedimento daquele, por alegada justa causa.

    4. A instauração do processo disciplina contra o aqui requerente, resultou de uma deliberação da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de ….., reunida extraordinariamente em 18/04/2011, à qual corresponde a ata nº 05/2011 (fls.

      2 do processo disciplinar cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido).

    5. Estiveram presentes nessa reunião da Mesa Administrativa, os seguintes mesários: o Provedor, D…., o Vice-Provedor, E….., o secretário F….., o tesoureiro, G…. e o vogal C…..

    6. A requerida começou por retirar ao requerente em Abril de 2009 o telemóvel de serviço com o nº 937857915.

    7. De seguida foi-lhe retirado o computador e a impressora, bem como o funcionário (subordinado do requerente) que inseria as entradas/saídas do armazém.

    8. Em Setembro de 2009 a requerida retirou do armazém todos os arquivos.

    9. Finalmente, cortaram-lhe o telefone fixo do armazém, deixando o requerente sem qualquer contacto externo ou interno.

    10. Foram dadas ordens às funcionárias da limpeza, para deixarem de limpar o armazém.

    11. O requerente cansou-se desta situação e ao verificar que o armazém do qual ainda era responsável começava a apresentar sinais evidentes de falta de higiene, alertou as entidades que julgava serem competentes.

    12. O requerente, porque era e sempre foi um funcionário zeloso e empenhado, fazia uma limpeza no seu local de trabalho, sempre que era necessário.

    13. No dia 15/04/2011 compareceu na Santa Casa de Misericórdia de Valpaços, uma técnica do Instituto da Segurança Social, que se identificou como H…., para fazer uma inspeção ao armazém de géneros, e que procedeu a essa inspeção, sendo acompanhada pela Dra. I…., e por J…., funcionários desta Santa Casa.

    14. No decorrer dessa inspeção ficou a saber-se que a mesma tinha sido ordenada, por ter sido feita por denúncia apresentada pelo fiel de armazém, aqui requerente, acusando o estado de sujidade do armazém em que ele trabalhava.

    15. Com o conhecimento destes factos, a mesa administrativa da aqui requerida suspendeu de imediato aquele seu funcionário, por falta de confiança no mesmo e mandou proceder a inquérito, no qual foram confirmados os factos atrás enunciados.

    16. Em tempos mais recuados o armazém era regularmente limpo, ali se deslocando as funcionárias da limpeza, uma vez por semana, e sendo a limpeza diária feita pelo próprio requerente que varria e limpava sempre que preciso.

    17. O armazém continuou a ser limpo por K…., que o limpava sempre que lhe parecia necessário, fazendo-o todavia com a sensação de que o requerente não gostava desses atos.

    18. Numa das ocasiões em que o K…. estava a varrer, o requerente fotografou o lixo acumulado, dizendo que era para mostrar à mulher como o armazém andava sujo.

    19. Na inspeção que decorreu no dia 15/04/2011 o requerente insistia em que estava tudo sujo, declarou que fez a denúncia a várias entidades e quis evidenciar sujidades no chão e nas prateleiras, que até nem era visível.

    20. A denúncia de sujidade e falta de limpeza nem sequer foi objetivamente comprovada.

      *No nº 12 da matéria de facto consta que o A. “(…) ao verificar que o armazém do qual ainda era responsável começava a apresentar sinais evidentes de falta de higiene, alertou as entidades que julgava serem competentes.”.

      A referência à apresentação de “sinais evidentes de falta de higiene” tem natureza conclusiva, ficando-se sem saber quais são esses “sinais” e quais os factos em que se consubstancia a referida falta de higiene, o que também não é alegado no requerimento inicial, que se limitou a tal alegação, de natureza genérica e conclusiva..

      Dispõe o art. 646º, nº 4, do CPC, que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”.

      A aplicação da referida norma, aliás dirigida ao Tribunal, não depende da existência de prévia reclamação da parte quanto à seleção da matéria de facto que haja sido efetuada, pelo que, independentemente da existência, ou não, de reclamação, sempre deverá o Tribunal, oficiosamente, dar cumprimento ao citado preceito.

      Citando o douto Acórdão do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), nele se diz que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.» Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova.

      Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a...

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