Acórdão nº 9268/07.0TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VARÃO
Data da Resolução25 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 9268/07.0TBMAI.P1 – 3ª Secção (Apelação) Acção Ordinária – 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia Rel. Deolinda Varão (657) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Carlos Portela Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, SA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C…, SA.

Pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 237.881,51, acrescida de juros de mora comerciais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Como fundamento, alegou, em síntese, que foi condenada a pagar uma indemnização a terceira pessoa, que lhe pediu que diligenciasse pelo transporte de um veículo para Itália para reparar, sendo que o mesmo foi furtado por incúria dos condutores do camião que efectuavam o transporte; mais alegou que tem direito de regresso relativamente à ré, já que celebrou com esta um contrato de transporte internacional, que foi incumprido culposamente, ao que acresce que por culpa desta o veículo não estava segurado, conforme tinha sido pedido.

A ré contestou, impugnando parte dos factos alegados pela autora.

Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 237.881,51, acrescida de juros de mora comerciais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A ré recorreu, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – À matéria dos quesitos 6º, 7º, 8º e 9º o Mº Juiz “a quo” deu resposta positiva e à matéria dos quesitos 12º e 14º a 21º deu resposta negativa.

  1. – O Mº Juiz “a quo” para fundamentar estas respostas atribuiu sempre maior credibilidade às testemunhas da autora, nomeadamente atribuiu maior credibilidade à testemunha da autora, D…, em detrimento da testemunha da ré, E…, cuja razão de ciência é exactamente a mesma.

  2. – A testemunha, D…, não tinha qualquer conhecimento directo dos factos em questão, pela simples razão de que não assistiu à conversa telefónica efectuada pelo seu colega de trabalho com a testemunha da ré, F….

  3. – O Tribunal recorrido também valorou positivamente o depoimento da testemunha da autora, G…, embora este tenha sido prestado no âmbito do primeiro processo em que a aqui autora foi condenada, na qualidade de ré, a pagar uma indemnização ao seu cliente e dono …, o Sr. Eng.º H….

  4. – A razão da atribuição de credibilidade ao depoimento de G… prende-se com o facto de o mesmo ter sido prestado quando o Sr. G… já não trabalhava por conta da ora recorrida.

  5. – Tal argumento é frágil e pouco consistente porque a testemunha, G…, foi trabalhador da recorrida até 30.06.02, tendo o depoimento sido prestado em 20.05.03, ou seja, passados apenas cerca de onze meses após ter cessado a sua relação laboral com a B….

  6. – A invocação num determinado processo dum depoimento produzido num outro tem de ser feita com uma cautela especialmente reforçada, porquanto deixa de se verificar a consagrada imediação na valoração da prova.

  7. – O Juiz da segunda causa tem de fazer a sua própria valoração da prova, não importando acriticamente o valor que a essa prova foi atribuído por outro Juiz, noutra altura e noutras circunstâncias.

  8. – O Mº Juiz “a quo” não valorou, como devia, o depoimento da testemunha da ré, F…, que era a única testemunha que tinha conhecimento directo dos factos em apreço e a única que, nessa qualidade, prestou depoimento nos presentes autos.

  9. – Impõe-se, assim, assim, uma resposta de “Não Provado” aos artºs 6º, 7º, 8º e 9º e aos artºs 12º e 14º a 21ª da base instrutória de “Provado”.

  10. – Na operação de subsunção jurídica dos factos ao direito, o Tribunal recorrido entendeu que a conduta dos motoristas, tal como resultou provada, configura uma actuação grosseiramente negligente e equiparou tal negligência ao dolo, para efeito da desaplicação da limitação de responsabilidade das entidades transportadoras prevista no capítulo IV da Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (“CMR”).

  11. – O artº 29º da CMR prevê que as entidades transportadoras não podem valer-se da limitação da responsabilidade, tal como prevista nos artigos precedentes, em caso de dolo ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo.

  12. – E, de acordo com o ordenamento jurídico português, a negligência, ainda que grosseira, não é equiparável ao dolo.

  13. – Acresce que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, o comportamento dos condutores que resultou provada nos autos não configura, sequer, um caso de negligência grosseira.

  14. – Na verdade, não se tratava de uma mercadoria facilmente amovível, esta encontrava-se devidamente acondicionada num semi-reboque seguro e fechado e o camião foi estacionado num local como tantos outros existentes nas estradas europeias, onde é frequente os camiões de transporte de mercadorias ficarem estacionados, e do qual os motoristas se ausentaram apenas por breves minutos.

  15. – Acresce que não existem muitos parques guardados e vigiados na Europa, sendo que a grande maioria dos parques existentes são parques não vigiados.

  16. – Não é comportável, nem funcional, exigir-se aos motoristas de longo curso que apenas estacionem os camiões em parques vigiados e guardados, precisamente, porque há poucos, os que há são bastante caros e este procedimento redundaria, a final, no incumprimento da legislação comunitária que obriga ao repouso de quatro horas e meia em quatro horas e meia. Com efeito, não existem parques vigiados que permitissem o cumprimento deste intervalo de descanso.

  17. – Para além disso, não era crível que o afastamento dos motoristas por breves instantes pudesse acarretar um perigo sério para a carga transportada, que estava devidamente acondicionada e não visível.

  18. – Impor-se-á afirmar que o infortúnio que sucedeu ao camião é um caso fortuito, porquanto o mesmo, num contexto de diligência mediana, não era previsível, ou seja, os motoristas não podiam, razoavelmente, antecipar que a sua ausência momentânea pudesse dar origem ao furto.

  19. – Nestas circunstâncias, jamais se poderá falar em actuação grosseiramente negligente ou dolosa.

  20. – Mas, ainda que o comportamento dos motoristas fosse passível de ser classificado como de negligência grosseira, o que não se aceita, certo é que não há, no direito português - que é o que aqui releva -, qualquer equiparação do dolo à negligência.

  21. – Neste sentido, veja-se, entre outros, o Ac. do STJ de 06.07.06, o Ac. da RL de 19.03.09, o Ac. da RP de 29.10.09 e o Ac. da RC de 15.11.11.

  22. – Mas, se os argumentos jurisprudenciais não bastassem, existe um elemento interpretativo que deve ser tido na devida consideração aquando da interpretação do artigo 29º da CMR e que é o elemento teleológico.

  23. – O legislador português, colocado na necessidade de regular o contrato de transporte rodoviário de mercadorias em território nacional, harmonizando tal regime com o regime congénere do contrato internacional, importou a norma de exclusão da limitação da responsabilidade das entidades transportadoras, mas clarificou que essa exclusão só se verifica em casos de dolo, não deixando margem para dúvidas.

  24. – Daqui resulta que o legislador português entendeu que só o dolo justifica a exclusão da limitação da responsabilidade da transportadora.

  25. – Assim, a indemnização não poderá ser calculada nos termos constantes da petição inicial e seguidos na sentença objecto de recurso, porquanto a limitação da responsabilidade da transportadora constante do capítulo IV da CMR é inteiramente aplicável.

  26. – Temos que, ao abrigo da Convenção CMR, a indemnização que poderá ser julgada como devida à autora não pode exceder 9996 direitos de saque especiais e o respectivo montante de juros de mora calculados à indicada taxa de 5% ao ano.

  27. – Considerando que o valor corrente de um direito de saque especial é de € 1,18034 (cf. informação publicada pelo Banco de Portugal), o valor indemnizatório pela perda da mercadoria em causa nestes autos nunca poderia exceder € 11.798,68 (9996 DSE x € 1,1803).

A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: A sociedade I…, Lda. foi constituída em 1968. (A) Em 09.09.03, a referida sociedade fundiu-se, por incorporação, na sociedade J…, Lda., transmitindo para esta última todo o activo e passivo, direitos e obrigações. (B) Nessas circunstâncias, a sociedade J…, Lda. alterou a sua denominação para I…, Lda. (C) No início de 2004, por cisão, foi cindido da sociedade I…, Lda. todo o activo e passivo referente à actividade económica relacionada com as áreas dos transportes, marítimo e aéreo e da logística, o qual passou para a sociedade K…, Lda. (D) Na sequência dessa cisão, a sociedade I…, Lda. alterou a sua firma para L…, Lda. (E) Esta sociedade incorporou as sociedades M…, SA, N…, Lda., O…, Lda., P…, Lda. e Q…, Lda. (F) Tendo desde aí adoptado a denominação C…, Lda...

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