Acórdão nº 10407/08.0TBMAI-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelJOSÉ IGREJA MATOS
Data da Resolução09 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 10407/08.0TBMAI-A.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório Recorrente(s): “B…, Lda.”; Recorrido(s): “C…, S.A.”, “Município …” e “Companhia de Seguros D…, S.A.” 3ª Juízo de Competência Cível – Tribunal Judicial da Maia.

******Por sentença proferida nos autos foi decidido serem os tribunais judiciais os competentes para conhecer da presente acção invocando, no essencial, o disposto no art. 66º Código do Processo Civil (CPC) e art. 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) “a contrario”.

Tal decisão entronca no fundamento de estar em causa, em concreto, a responsabilidade decorrente do eventual incumprimento de um contrato celebrado por uma autarquia, o qual tem por objecto o fornecimento de água, em que a autarquia actua como um qualquer privado. Deste modo, julgou-se o tribunal de jurisdição comum (Juízo de Competência Cível) competente para conhecer do mérito da acção, improcedendo, em consequência, a excepção invocada pela 1ª e 2ª RR..

Importa descrever o modo como a acção surge configurada no petitório inicial. Assim, temos que: - a autora B…, Lda.” pede a condenação da R. – Município … – no pagamento da quantia de €19.163,00 (dezanove mil cento e sessenta e três euros) a título de indemnização, pelos prejuízos causados com a interrupção do fornecimento de água a que se obrigou a requerida aquando da celebração do respectivo contrato com a A..

Alega, para tanto, ser uma empresa que se dedica ao fabrico de produtos de pastelaria, doçaria e congelados, cujas linhas de produção dependem de água para funcionar, dado tratar-se de matéria-prima essencial para a produção. Mais alega que, aquando do corte de água que foi sentido, as linhas de produção estavam em funcionamento pleno, produzindo os bens que discrimina, e que se deterioraram, impondo-se em parte a sua destruição - por não reunirem condições para a comercialização - e em parte a não produção dos mesmos.

A causa de pedir assenta, como se vê, numa alegada violação da obrigação contratual de fornecimento de água por parte da 1ª R. e da qual terão resultado os danos apontados pela A. no seu articulado.

Estamos assim, por isso, no domínio da responsabilidade contratual - a cujo regime jurídico faz a A. precisamente referência para enquadrar os factos alegados.

Na sentença ora em crise fundamentou-se a decisão de considerar os tribunais comuns competentes para este tipo de acções na circunstância de estarmos perante a outorga de contrato de fornecimento de água entre um município e um particular a qual não visa no imediato a prossecução do interesse público, mas antes o daquele particular em concreto no acesso àquele bem.

Tratar-se-ia, portanto, não de um contrato administrativo, mas de um contrato de direito privado, sujeito às normas do Código Civil no qual a Administração actua como um qualquer privado, outorgando com o particular no fornecimento de um bem (cf. Ac. STJ de 19.01.1994, P.084535, in www.dgsi.pt).

*Inconformada, recorreu da sentença o Réu “B…, Lda.” formulando as seguintes CONCLUSÕES: A. A Ré, na sua contestação, sustentou a incompetência material do Tribunal à quo, em virtude de a Ré Município … ser uma entidade pública; B. Por via disso, entendia (e entende) que, para a questão em apreço, são competentes os Tribunais Administrativos; C. O Tribunal a quo considerou-se materialmente competente, julgando a excepção dilatória como improcedente, o que a recorrente não concorda; D. Isto porque: E. Na sua PI, a autora alega que celebrou um contrato de fornecimento de água com a Ré Município …; F. Alega ainda que essa Ré violou a obrigação contratual de fornecimento de água, o que lhe causou prejuízos; G. E, por via disso, pede a condenação no pagamento dos danos que alega ter sofrido em consequência desse incumprimento; Posto isto: H. Tendo em conta o disposto, entre outros, no art. 212, nº 3 da CRP e, ainda, art. 1º e 4º do ETAF, resulta que os Tribunais administrativos são competentes para dirimir os litígios surgidos no âmbito das relações jurídicas públicas, I. Por relação jurídica pública entende-se como sendo “(…) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido (…)” – Transcrição parcial de “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª ed., J. C. Vieira Andrade, pág. , 57/58, com sublinhado nosso.

Ora, J. Analisando-se a situação em apreço, dúvidas não existem de que a Ré Município … é uma entidade pública.

Para além disso, K. Por interesse público entende-se como sendo a realização de interesses/bens comuns e gerais a uma comunidade; L. Face a isso, dúvidas não existem de que o fornecimento de água constitui a realização de um interesse público legalmente definido, atento a sua importância no desenvolvimento da sociedade; M. Razão pela qual, o legislador considerou o fornecimento de água como sendo um serviço público essencial; N. E, por via disso, na Lei 23/96 de 26 de Julho, estabeleceu mecanismos destinados a proteger os utentes de serviços públicos essenciais, incluindo-se, entre os mesmos, o serviço de fornecimento de água (art. 2º, al. a)).

Mais, O. Conforme resulta do disposto na Lei 159/99 de 14.09, as autarquias locais dispõem de atribuições, entre outros, no domínio do ambiente e saneamento básico (cf.. art. 13º, nº 1 l) da citada Lei).

P. Ou seja, só à Ré Município … compete o planeamento, fornecimento, gestão de equipamentos e a realização de investimentos no domínio do fornecimento de água no Concelho da Maia (art. 26º, nº1 al. a) do citado...

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