Acórdão nº 478/09.7TTVNF-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Data da Resolução28 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação: nº 478/09.7TTVNF-C.P1 Reg. Nº 171 Relator: António José Ascensão Ramos 1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva 2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva Recorrente: B…, S.A.

Recorrido: C… Acordam os Juízes que compõem a secção social do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. B…, S.A. veio deduzir oposição á execução instaurada por C…, pedindo que seja julgada procedente por provada, e a final extinta a execução, com todas as demais e legais consequências daí decorrentes.

Para o efeito alega que apenas teve conhecimento da transacção que foi celebrada nos autos principais em 08/09/2010, na data em que recebeu do seu Mandatário cópia da acta elaborada.

A decisão foi executada antes mesmo do respectivo trânsito em julgado.

A cláusula penal foi estabelecida para o caso de existir incumprimento definitivo de qualquer das prestações e não para a simples mora que é a situação verificada, pois que a quantia em dívida da obrigação principal foi paga em 09/09/2010. Neste caso não pode ser exigido o cumprimento da obrigação principal e a cláusula penal.

Verifica-se a inexequibilidade do pedido formulado.

Deverá reduzir-se o valor da cláusula penal estabelecida.

___________________2.

Notificado o exequente contestou tendo alegado que o mandatário da ora executada que outorgou a transacção sabia bem o que estava a ser acordado e resultou de conversações entre as partes; o valor da cláusula penal não é desproporcionado.

Deve a executada ser condenada como litigante de má-fé.

___________________3.

A Ré respondeu pugnando pela manutenção do aludido no requerimento de oposição.

___________________4.

Elaborado o saneador pelo Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho: «Veio a executada B… deduzir oposição à execução intentada por C… alegando que: a) apenas teve conhecimento da transacção que foi celebrada nos autos principais em 08/09/2010, na data em que recebeu do seu Mandatário cópia da acta elaborada; b) a decisão foi executada antes mesmo do respectivo trânsito em julgado; c) a cláusula penal foi estabelecida para o caso de existir incumprimento definitivo de qualquer das prestações e não para a simples mora que é a situação verificada, pois que a quantia em dívida da obrigação principal foi paga em 09/09/2010; d) neste caso não pode ser exigido o cumprimento da obrigação principal e a cláusula penal; e) verifica-se a inexequibilidade do pedido formulado; f) deverá reduzir-se o valor da cláusula penal estabelecida.

Notificado, veio o exequente alegar que: a) o mandatário da ora executada que outorgou a transacção sabia bem o que estava a ser acordado e resultou de conversações entre as partes; b) o valor da clausula penal não é desproporcionado; c) deve a exequente ser condenada como litigante de má-fé.

A executada veio responder à matéria alegada e relativa à sua condenação como litigante de má-fé.

Fundamentação de facto: Está provado que: 1 – Por transacção outorgada em 02/07/2010 na acção declarativa a que estes autos estão apensos, a aqui executada juntamente com outra co-executada obrigou-se a pagar ao exequente a quantia de 50.000,00 euros a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho.

2 – Foi ainda acordado que tal quantia deveria ser paga em 2 prestações mensais, iguais e sucessivas no montante de 25.000,00 euros cada uma, vencendo-se a 1ª em 30/07/2010 e a segunda em 30/08/2010.

3 – As partes acordaram ainda em estabelecer uma cláusula penal de 20.000,00 euros que seria accionada, caso se verifique o incumprimento de qualquer das prestações, independentemente de interpelação nesse sentido.

4 – Essa transacção foi outorgada entre o Dr. D…, como Mandatário da ora executada, e o Mandatário do executado, todos com procurações com poderes especiais para transigir juntas aos autos.

5 - Em data anterior à instauração da execução, as executadas pagaram ao exequente a quantia de 36.250,00 euros.

6 – A quantia de 13.750,00 euros foi paga um dia após a instauração da execução.

7 – A execução foi intentada em 08/09/2010.

Fundamentação de Direito: A questão em discussão relaciona-se com os termos em que, em contrato de transacção celebrado neste Tribunal, foi estabelecida entre as partes a obrigação de pagamento da quantia de 50.000,00 euros e de uma cláusula penal de 20.000,00 euros.

O texto do contrato foi supra reproduzido na matéria de facto provada.

Começa por afirmar-se que não foi alegado qualquer fundamento que permita afirmar que o título é inexequível. Nenhum fundamento de direito consta dos arts. 29º e 30º da petição inicial para que se possa afirmar ser inexequível o título executivo apresentado e que é, afinal, a sentença homologatória do contrato de transacção.

Também é irrelevante saber se quem representava a executada na transacção lhe comunicou ou não os termos em que esta foi celebrada. A procuração com poderes especiais que foi conferida pela executada a quem a representou na outorga da transacção significa que a mesma foi celebrada entre aquela executada e outro outorgante, pelo que qualquer omissão de comunicação apenas terá relevo nas relações entre mandante e mandatário, no âmbito do respectivo contrato.

Confessadamente, não pagou a executada a quantia de 13.750,00 euros dentro do prazo que, livremente, as partes estabeleceram para o efeito.

Entende a executada que estando a cláusula penal fixada para uma situação de incumprimento, verificando-se este, o exequente tem de optar entre exigir o cumprimento da obrigação (no caso, a quantia de 13.750,00 euros) ou accionar a cláusula penal.

Decorre da posição do exequente, embora esta não esteja clarificada na sua resposta, que entende poder exigir quer o cumprimento da obrigação principal quer a cláusula penal que foi fixada na transacção celebrada.

Ambas as posições têm consagração legal.

Com efeito, nos termos do art. 811º do C. Civil, o credor (o aqui exequente) não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e a cláusula penal estabelecida, podendo contudo fazê-lo se esta tiver sido fixada para a simples mora.

Temos pois que encontrar no contrato de transacção que foi outorgado o sentido que terá sido atribuído à cláusula penal estabelecida.

Em matéria de interpretação, preceitua o nº1 do art. 236º do C. Civil que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Tal regra sofre ainda a excepção enunciada no seu nº2, nos termos da qual se o declaratário conhecer a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração negocial.

Em causa na presente acção (no que agora nos interessa) está pois um contrato escrito através do qual as partes colocaram termo a um litígio judicial.

A forma estabelecida para a transacção judicial decorre do art. 300º do C. P. Civil, sendo que, no caso em apreço, foi a mesma observada, pois que os então A e Rs. celebraram-na em acta.

Está em causa a cláusula 4ª da transacção.

Desconhece-se o sentido que as partes quiseram dar à cláusula no momento em que a redigiram.

Tal significa que o Tribunal terá de interpretar o contrato nos termos já citados do nº1 do art. 236º, não podendo conhecer a vontade real dos contraentes para efeitos do seu nº2.

Nos termos do nº 1 do art. 236º, de acordo com a teoria da impressão do destinatário, a declaração deve ser entendida de forma objectiva, isto é, com o sentido que uma pessoa medianamente instruída e diligente atribuiria à referida manifestação de vontade, com um sentido que tenha “um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, ex vi art. 238º do diploma citado.

O Tribunal tem aqui que considerar todo o contexto em que foi celebrado o acordo que constitui a transacção.

O ora exequente reclamava o pagamento de uma quantia superior a 90.000,00 euros, tendo, na data da audiência, sido acordado que a obrigação das então Rs. decorrente da cessação do contrato de trabalho se traduziria no pagamento da quantia de 50.000,00 euros.

Não se pode ignorar que a transacção em causa foi celebrada pelos Advogados das partes, com procurações com poderes especiais.

Temos assim que foram profissionais do foro que prestaram as declarações de vontade constantes do acordo, muito embora estas vinculassem os seus representados.

Cremos que, na interpretação de um declaratário normal, os termos do acordo não podem ser lidos de outra forma que não seja a de ter a cláusula penal sido estabelecida para a situação da mora.

Com efeito, pense-se na possibilidade de as executadas não terem procedido ao pagamento de qualquer das prestações fixadas. Que sentido faria fixar uma cláusula penal no valor de 20.000,00 euros se, estando esta estabelecida para a situação de incumprimento, em face do não pagamento logo da 1ª prestação, o credor apenas pudesse exigir ou o pagamento da obrigação principal – 50.000,00 euros – ou da cláusula penal – 20.000,00 euros.

A fixação de uma cláusula penal deste valor e que apenas pudesse ser accionada em alternativa seria, no contexto da transacção celebrada, perfeitamente inútil e pressuporia que quem a exigiu – naturalmente o credor – não saberia o que estava a declarar.

Mesmo que se entendesse existirem dúvidas sobre a interpretação dos termos do contrato, ainda assim seria aquela a que se chegaria por aplicação do disposto no art. 237º.

Com efeito, dispõe esta norma que a declaração prevalece, nos negócios onerosos, como é o caso da transacção, com o sentido que conduzir a um maior equilíbrio das prestações.

Ora, no contexto da transacção celebrada, quem acorda em receber 50.000,00 euros para colocar termo ao processo, certamente não estaria na disposição de, em caso de incumprimento por parte do devedor, abdicar de mais de 50% desse valor, fixando a indemnização devida por tal incumprimento em apenas 20.000,00...

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