Acórdão nº 18/11.8TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | MANUEL DOMINGOS FERNANDES |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 18/11.8TVPRT.P1-Apelação Origem-1ª Vara Cível do Porto Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- Mesmo que um organismo público accione uma garantia independente ou “on first demand” no contexto de um contrato administrativo, como tal litígio não implica a discussão de direito administrativo (designadamente a execução ou incumprimento do contrato administrativo) não estaremos numa relação jurídica administrativa, o que acontecerá por maioria de razão se não existir o citado contrato administrativo mas tão só o da garantia.
II- E, por isso, uma acção relacionada com a satisfação de tal garantia independente ou “on first demand” contra o garante não é da competência da jurisdição administrativa mas sim dos tribunais comuns.
**I - RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B….., Ldª, com sede em …, Tondela, veio intentar, nas Varas Cíveis do Porto, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra IFAP-Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., com sede na Rua …, ..-.., Lisboa; e C….., S.A., com sede na …, …, Porto; pedindo, em suma, que seja declarado que o objecto da garantia bancária em apreço, no montante de € 233.255,68, já se encontrava extinto à data do seu accionamento pelo IFAP, bem como à data do seu pagamento pelo C....... àquele IFAP, sendo o C....... condenado a não exigir o reembolso da garantia à autora; condenando-se ainda o IFAP a pagar à autora uma indemnização no valor de € 8.889,36, correspondente aos encargos por esta suportados com a manutenção da garantia bancária em questão, após a extinção do seu objecto, acrescido do valor de juros comerciais vencidos e vincendos desde 30.09.2010 e até integral pagamento; e ainda ambos os réus condenados solidariamente a pagar à autora quantia não inferior a € 20.000,00, acrescida de juros desde a data da citação e até integral pagamento, a título de indemnização devida à autora pelo prejuízo causado ao seu bom nome, credibilidade e na sua capacidade de obter financiamento junto da Banca.
*Para o efeito, alega, em resumo que no exercício da sua actividade comercial, a autora efectuou diversas exportações de vinho para Angola, a um preço inferior àquele que obteria se tivesse vendido o vinho no mercado comunitário europeu, pelo que, de acordo com o Regulamento (CEE) n.º 822/87, do Conselho, de 16.03, esta diferença de preço pode ser restituída através de uma prestação comunitária designada por “restituições à exportação”, estando preenchidos determinados requisitos legais, podendo ainda o exportador, requerer, nos termos do disposto no art. 22º do Regulamento (CEE) n.º 3665/87, de 27.11 (que estabelece o regime de restituições à exportação para os produtos agrícolas, nos quais se inclui o vinho), ao Estado-membro o pagamento antecipado, total ou parcial, do montante da restituição, a partir do momento da aceitação da declaração de exportação e desde que seja constituída uma garantia de montante igual ao montante do pagamento, acrescida de 15%.
Assim, a autora prestou, entre outras, a favor do INGA, a que lhe sucedeu o aqui réu IFAP, uma garantia bancária n.º 125-02-0087086, do aqui réu C......., no montante de € 393.634,63, destinada a caucionar o adiantamento de restituições à exportação referentes ao DU 1832 de 28.05.1999, no montante de € 139.456,96, DU 1883 de 28.05.1999, no montante de € 187.222,34 e DU 1853 de 31.05.1999, no montante de € 15.608,69, sendo certo que, feita a prova do desalfandegamento das respectivas mercadorias exportadas para Angola, a referida garantia apenas foi parcialmente liberada, em 26.09.1999, pelo valor de € 160.378,95 e, por ofício datado de 07.01.2005, o INGA accionou a referida garantia bancária e interpelou o C....... no sentido de lhe ser creditada o remanescente da quantia garantida no valor de € 233.255,68, o que foi cumprido por este Banco réu, em 29.11.2005, não obstante a aqui autora lhe ter dado anteriormente conhecimento que o vinho exportado dera entrada no País do destino, pelo que o facto a que se destinava garantir deixara de existir.
O Banco réu contestou, tendo concluído pela improcedência da acção e, na procedência do pedido reconvencional que deduziu, deverá a autora reconvinda ser condenada a pagar ao banco réu aquela quantia de € 233.255,68, correspondente ao capital que, para honrar a garantia dos autos, o réu reconvinte pagou ao co-réu IFAP, acrescida de juros de mora à taxa comercial até efectivo reembolso; e, subsidiariamente, para hipótese de vir a triunfar nos autos a pretensão da autora, deverá o co-réu IFAP ser condenado a pagar ao Banco réu a mesma quantia, acrescida dos apontados juros de mora, à taxa comercial.
O réu IFAP apresentou igualmente contestação, invocando desde logo, a excepção dilatória de incompetência, em razão da matéria, deste tribunal, porquanto o conhecimento desta acção é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, invocando ainda as excepções de caso julgado e de litispendência, tendo concluído pela absolvição da instância ou, por efeito das excepções peremptórias suscitadas ou por efeito da improcedência da acção pela absolvição do pedido.
A autora replicou, tendo concluído pela improcedência das excepções deduzidas e pela improcedência do pedido reconvencional e, no mais, concluiu como na petição inicial.
Em tréplica, o Banco réu invocou a competência do tribunal para julgar a reconvenção, em face da sua competência para julgar a acção, tendo concluído como na petição da reconvenção.
*O Sr. juiz lavrou despacho saneador e na procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal absolveu os Réus da instância.
Nos mesmos termos julgou igualmente absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido reconvencional e absolveu a autora reconvinda da instância.
**Não se conformando com o despacho assim proferido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo as suas alegações nos seguintes termos: I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 11.07.2012, que absolveu os Réus de instância, em virtude da incompetência absoluta do tribunal judicial civil.
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Tal sentença viola os artigos 211°, n.° 1 e 212°, n.° 3 da Constituição, 66.° do CPC, 18.° n.° 1 da LOFTJ e 1° e 4°, n.° 1, als. e) e f) do ETAF.
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O que se pretende nos presentes autos é obter a declaração de extinção do objecto da garantia bancária e que o accionamento da mesma pelo 1.° Réu é ilegal e abusivo, bem como que o 2º Réu seja condenado a não exigir o seu reembolso à Autora, e, ainda, o ressarcimento dos prejuízos que a Autora sofreu com esta situação III. A aI. f) do artigo 4° do ETAF, invocada pela douta sentença recorrida, atribui competência aos tribunais administrativos e fiscais quanto a (a) contratos de objecto passível de acto administrativo; (b) contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo; ou (c) determinados contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime de direito público.
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A garantia bancária, não é um contrato de objecto passível de acto administrativo, na medida em que os seus efeitos jamais poderiam ser produzidos através da prática de um acto administrativo unilateral.
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Também não estamos perante um contrato a respeito do qual existam normas de direito público que regulem aspectos do seu regime substantivo, uma vez que a garantia foi emitida ao abrigo do direito privado e não é atribuído nenhum poder exorbitante à entidade pública, nem é detectável uma qualquer posição de supremacia desta.
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Finalmente, nenhuma das partes...
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