Acórdão nº 47/10.9TBSBR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VARÃO
Data da Resolução13 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 47/10.9TBSBR.P1 – 3ª Secção (Apelação) Acção Sumária – Tribunal Judicial de Sabrosa Rel. Deolinda Varão (637) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Carlos Portela Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, LDA instaurou acção declarativa, com forma de processo comum sumário, contra COMPANHIA DE SEGUROS C…, SA e D…, SA.

Pediu que a ré C… seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 23.786,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Subsidiariamente, pediu que a ré D… seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 23.786,00, acrescida de juros de mora vencidos desde 01.07.09 até à data da propositura da acção no valor de € 1.568,18 e dos juros que se vencerem desde essa data até final.

Como fundamento, alegou, em síntese, que em 29.06.09, em razão de uma avaria na rede de tensão da …, ocorreu um corte de fase no fornecimento de energia eléctrica a estufas suas (onde cultiva produtos agrícolas para venda), o que impediu a abertura do sistema de ventilação das estufas, tendo a temperatura subido para valores na ordem dos 45ºC, quando as plantações agrícolas existentes nas estufas apenas suportavam temperaturas no valor máximo de 35ºC.

Em consequência do corte no fornecimento de energia eléctrica, sofreu danos – que discriminou e quantificou.

Alegou ainda que, à data do evento, a responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros em resultado da actividade da ré D… se encontrava transferida para a ré C…, por seguro facultativo, válido e eficaz.

A ré D… contestou, alegando, em síntese, que as linhas de baixa tensão que abastecem a instalação da autora se encontravam, à data do evento, protegidas contra sobrecargas, curtos-circuitos e descargas atmosféricas, e que todas as redes se achavam em condições normais de exploração, conservadas e dentro do tempo de vida útil, tendo a linha eléctrica sido inspeccionada e objecto de limpeza na faixa de protecção em 2008, não tendo sido detectada qualquer anomalia.

Mais alegou que reparou a avaria e que a mesma determinou que apenas uma das fases da linha ficasse fora de serviço, mantendo-se o fornecimento de energia eléctrica à exploração da autora em duas fases, impedindo, tão só, o funcionamento dos aparelhos de utilização trifásica. Em caso de instalações trifásicas (como era a da autora), a interrupção de energia eléctrica numa fase apenas determina a falta de corrente nessa fase e o disparo do aparelho de protecção diferencial, não provocando qualquer dano em aparelho de utilização de energia eléctrica, caso estes se encontrem instalados dentro nas normais condições de funcionamento e devidamente protegidos com protecção diferencial.

Finalmente, alegou que, à data do evento, a autora não dispunha de fonte alternativa de corrente capaz de minimizar os riscos resultantes da falta de corrente eléctrica nas suas instalações, nem de aparelho diferencial.

A ré C… também contestou, aceitando a existência e a validade do contrato de seguro e impugnando os demais factos alegados pela autora.

Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu as rés do pedido.

A autora recorreu, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – A factualidade dada como provada enferma de contradição insanável, pois ao darem-se como provados os factos 9) e 10) [als. I) e J)] não podem dar-se como provados o factos mencionados em 30), 31) e 32) [respostas aos quesitos 28º, 29º e 30º].

  1. – A prova dos factos 9) e 10) exclui e torna impossível a ocorrência dos factos 30), 31) e 32).

  2. – O que tudo configura nulidade da sentença nos termos do artº 668º, nº 1, b) e c) do CPC porque a sentença não especifica os fundamentos de facto e os fundamentos estão em oposição com a decisão.

  3. – A prova produzida nos autos impunha decisão diversa da recorrida no sentido de dar como não provados os factos 30), 31), 32), 33), 36), 37), 38, 39) e 40) [respostas aos quesitos 28º, 29º, 30º, 31º, 35º, 36º, 7º, 38º, 39º e 40º] e dar como provado na totalidade o facto 1) [quesito 24º].

  4. – A prova documental composta pelo relatório de avarias junto pela D…, licença de exploração junta como doc. 1 pela D…, Condições Gerais e Condições Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Geral não demonstra a factualidade dos pontos 30) a 40), assim como não refuta o facto não provado 1).

  5. – O mesmo sucede com a prova testemunhal composta pelas declarações E…, F…, G… e H….

  6. – Em primeira linha, a responsabilidade da ré D… insere-se na responsabilidade contratual, decorrente da falta de cumprimento do contrato celebrado.

  7. – Ao lesado apenas incumbe provar o defeito da prestação como facto ilícito, presumindo-se a culpa do devedor.

  8. – A conduta da ré D… está, inclusive, em violação do DL 182/95, de 27.07 e seus artºs 39º e 41º, assim como contradiz o Regulamento de Qualidade de Serviço, na sua versão actual, publicado em anexo ao Despacho nº 2410-A/03, de 05.02, DR-2ª Série.

  9. – Em segunda linha, a responsabilidade da ré D… sempre decorreria da responsabilidade objectiva decorrente de ter a direcção efectiva de instalações de produção e distribuição de energia eléctrica.

  10. – Não existe nos autos qualquer circunstância fortuita ou de força maior capaz de retirar à D… a responsabilidade pelo sucedido.

  11. – Da factualidade dada como provada, de acordo com a exposição feita neste recurso, não resulta demonstrado que a linha/rede eléctrica em questão observe todas as regras técnicas em vigor.

  12. – E, por outro lado, não pode entender-se que uma descarga atmosférica directa, numa zona como Trás-os-Montes, configura uma causa de força maior.

  13. – Na verdade, poderão ter-se como condições adversas não domináveis pelo homem, mas perfeitamente previsíveis, expectáveis e domináveis a nível técnico pela ré D… (cfr. Ac. da RP de 28.10.08, www.dgsi.pt).

  14. – Atentas as regras da normalidade, incumbe à ré D… assegurar-se que a actividade de distribuição de energia não é posta em causa por descargas atmosféricas directas capazes de provocar cortes/faltas de fornecimento de energia eléctrica.

  15. – Sendo que, por outro lado, beneficiando a ré D… da referida actividade objectivamente perigosa que desenvolve, retirando dela os correspondentes lucros, é normal, natural e justo que suporte os respectivos riscos.

  16. – Por força do contrato de seguro, impende também sobre a ré seguradora a obrigação de suportar a indemnização a satisfazer à autora.

  17. – Acresce que, mesmo que se dessem como provados os factos 39) e 40), a pretensão da autora continua a ser procedente.

  18. – A ré D… não cuidou de verificar, nem de exigir da autora, nem antes de celebrar o contrato, nem depois: a instalação e manutenção de aparelho diferencial e de fonte alternativa de corrente capaz de minimizar os riscos resultantes da falta de corrente eléctrica nas suas instalações.

  19. – Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o acordo de fornecimento de energia eléctrica obedece ao regime das cláusulas contratuais gerais.

  20. – A ré D… deveria ter informado a autora dos pontos de facto 39) e 40), os quais deveriam fazer parte do contrato celebrado.

  21. – Porém, a ré D… não informou a autora de tais factos aquando da celebração do contrato.

  22. – Pelo que tais matérias devem considerar-se excluídas do contrato.

Contra-alegou apenas a ré D…, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação da apelante (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nºs 1 e 3 do CPC) – são as seguintes: - Nulidade da sentença; - Alteração da matéria de facto; - Responsabilidade das rés pelos prejuízos sofridos pela autora, ainda que a matéria de facto não seja alterada.

  1. Nulidade da sentença A autora invocou a contradição entre as als. I) e J) da matéria de facto assente e as respostas que foram dadas aos quesitos 28º, 29º e 30º, alegando que tal contradição acarreta a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e por oposição entre os fundamentos e a decisão.

    As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 668º do CPC.

    Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

    Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram...

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