Acórdão nº 902/09.9TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução15 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 902/09.9TJPRT.P1 Proveniente do 3.º Juízo Cível do Porto.

Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, residente na Rua …, n.ºs ../.. – R/C, …, Porto, instaurou, em 19/5/2009, acção declarativa especial do DL n.º 108/2006, de 8/6, contra C…, Lda.

, com sede na …, n.º .., da mesma cidade, pedindo que a ré seja condenada a: 1. Encerrar imediatamente a actividade que vem exercendo no seu estabelecimento de talho, denominado “D…”, sito na …, n.º .., no Porto, ou, quando assim se não entenda, a adoptar as medidas de engenharia e/ou construtivas ou técnicas, no sentido de eliminar, por completo, o nível de incomodidade à Autora e o ruído; 2. Pagar à Autora a quantia total de € 5.500,00, para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, por esta sofridos; 3. Pagar à Autora a quantia de € 250,00, por cada dia de atraso, no cumprimento da sentença condenatória que vier a ser proferida a título de sanção pecuniária compulsória.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: É proprietária da fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs .. a .., freguesia …, concelho do Porto, onde reside com permanência, desde Julho de 2004.

A ré explora, desde 31 de Janeiro de 2008, um estabelecimento de talho, denominado “D…”, sito na …, n.º .., no Porto, numa loja ao nível do rés-do-chão, tendo colocado o equipamento de arrefecimento ao nível do 1.º andar, nas traseiras do prédio onde está instalado, confinando imediatamente com as traseiras da fracção da autora.

O ruído produzido pelo referido equipamento é contínuo e tem intensidade superior ao legalmente permitido, ao que acresce o ruído emergente das marteladas no balcão e no cepo, onde é partida a carne com o auxílio de facas e cutelos, entre as 6 e as 20 horas.

O ruído assim causado impede-a de dormir e repousar na sua habitação, afectando-lhe direitos fundamentais, e toda a situação por ela vivenciada causou-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais que quer ver ressarcidos.

A ré contestou por impugnação, alegando que cumpre todas as normas e regras inerentes ao funcionamento do seu estabelecimento e invocando desproporcionalidade entre o direito invocado e o exercício da actividade que nele é desenvolvida, concluindo pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador tabelar.

Após incidentes para aqui irrelevantes e a realização de obras por parte da ré, iniciais e suplementares, em conformidade com o acordado entre as partes, com suspensão da instância, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova nela produzida, iniciada em 15/10/2010 e concluída em 3/2/2012 (!).

Finalmente, em 12/7/2012, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar a ré a pagar à autora a quantia de 4.480,00 €, absolvendo-a do demais peticionado.

Inconformada com esta sentença, a autora interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes extensas conclusões: “1.ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença, prolatada em 12/07/2012, na parte em que julgou improcedente o pedido principal, de encerramento imediato do estabelecimento de talho, denominado “D…”, ou a adoptar todas as medidas de engenharia e/ou construtivas ou técnicas, no sentido de eliminar, por completo o nível de incomodidade à Autora e o ruído, bem como, pela não condenação da Ré, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória; 2.ª - Pelas razões, de facto e de direito, que infra se alegarão, e ao contrário do que consta da douta sentença recorrida, e sempre salvo o devido respeito, que é muito, a Meritíssima Julgadora a quo, deveria ter decidido pela procedência do pedido principal, através do encerramento imediato do estabelecimento de talho, denominado “D…”, ou a adoptar todas as medidas de engenharia e/ou construtivas ou técnicas, no sentido de eliminar, por completo o nível de incomodidade à Autora e o Ruído, bem como, sempre deveria a Ré ser condenada a pagar à A., a quantia de € 250,00, por cada dia de atraso, no cumprimento de tal sentença condenatória, a título de sanção pecuniária compulsória; 3.ª - Entendeu a Meritíssima Julgadora a quo, que não se provou que (ao ruído proveniente do equipamento de frio) “acresce o proveniente do interior do estabelecimento emergente das marteladas no balcão e no cepo, onde se partem as carnes, com auxílio de facas e cutelos”; 4.ª - Ora, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que tal facto é notório, e, portanto não carece de prova (cfr. artigo 514º, nº 1, do C.P.C.); 5.ª - De facto, é do conhecimento geral, que do funcionamento de qualquer estabelecimento de talho (de menor ou maior dimensão, dentro ou fora de grandes superfícies comerciais), resultam sempre, os supra identificados ruídos; 6.ª - Se a esse facto notório, aliarmos os factos dados como provados, sob nos 9, 10 e11, da matéria de facto provada, temos obviamente que concluir, que os referidos ruídos, são ouvidos e sentidos na fracção da A., e, obviamente, durante o período de funcionamento do referido estabelecimento de talho; 7.ª - Ou seja, atenta a localização da fracção da A. e daquela onde funciona o “D…” e configuração dos imóveis, onde aquelas se encontram inseridas, é por demais evidente, que os supra aludidos ruídos ecoam, por todo o espaço formado por aquele quarteirão, sendo assim, sentidos e ouvidos na fracção da A.; 8.ª - De qualquer sorte, o ruído “proveniente do interior do estabelecimento emergente das marteladas no balcão e no cepo, onde se partem as carnes, com auxílio de facas e cutelos”, resultou notoriamente provado, através dos depoimentos de várias testemunhas, quer da A., quer da Ré; 9.ª - A testemunha da A., E…, referiu-se aos referidos ruídos, que são sentidos e ouvidos no interior da habitação da A. (conforme consta no registo magnético, referente à sessão da audiência de julgamento de 15/10/2010); 10.ª - A testemunha da A., F…, igualmente se referiu aos mesmos ruídos, que também são sentidos na sua própria habitação (conforme consta no registo magnético, referente à sessão da audiência de julgamento de 29/04/2011); 11.ª - A testemunha da A., G…, referiu “ruídos de máquinas, cutelos e do desmancho de carnes desde as 6 horas da manhã”, igualmente sentidos na sua própria habitação (conforme consta no registo magnético, referente à sessão da audiência de julgamento de 29/04/2011); 12.ª - A testemunha da Ré, H…, igualmente falou da utilização de cutelos, e, as peças de carne são retalhadas no rés-do-chão do estabelecimento (não na cave) – conforme consta no registo magnético, referente à sessão da audiência de julgamento de 13/05/2011; 13.ª - A testemunha da Ré, I…, referiu a utilização de cepos para partir a carne (conforme consta no registo magnético, referente à sessão da audiência de julgamento de 01/07/2011); 14.ª - Em suma, e pelas razões supra alegadas, os factos constantes de B. e C., de fls. 4, da douta sentença recorrida, deveriam ter sido dados por provados; 15.ª - Por outro lado, e porque com interesse para a justa decisão do presente pleito deveriam ter sido dados como provados, por acordo das partes, os factos constantes de n.ºs 54º, 55º, 57º, 58º, 71º, 73º, 74º, 79º e 80º, da P.I. (Vidé artigo 5º da Contestação); 16.º - Por outro lado ainda, e apesar de não alegado pelas partes, encontra-se profusamente documentado nos autos, que o sócio-gerente da Ré, é igualmente sócio de vários outros estabelecimentos de talho; 17.ª - Tal facto é relevante, por confronto com o facto constante de n.º 27, da matéria de facto provada; 18.ª - No presente caso, e atenta a matéria de facto provada (mormente aquela que consta de n.ºs 19 e 20), terá de se ter presente, toda a legislação, que regula os direitos de personalidade, nos quais se incluem: o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, e bem assim, os direitos de propriedade, ambiente e qualidade de vida; 19.ª - Da Jurisprudência a que se fez referência supra resulta, no que ao caso vertente importa, o seguinte: a) Não é necessário aferir se o ruído é ou não, superior ao limite legal; b) Basta que se prove, como acontece no caso vertente que: “A A. dorme mal e sente-se stressada” e “ A A. deixou de ter vontade de ir para casa” (pontos 19. e 20. da matéria de facto provada), por causa do ruído proveniente e produzido pelo estabelecimento de talho, denominado “D…”; 20.ª - Embora no ponto 30., da matéria de facto provada, se diga que os limites de ruído não excedem os estipulados no R.G.R., em parte alguma está provado ou consta que, com a diminuição do ruído, cessou a violação do direito ao repouso, sono e qualidade de vida, e que, a A., aqui Recorrente, deixou de sentir-se stressada, deixou de dormir mal, ou, passou a ter vontade de ir para casa; 21.ª - Como refere a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, nomeadamente, os acórdãos a que supra se fez referência, “a emissão de ruídos, desde que perturbadores, incómodos e causadores de má qualidade de vida, e ainda que não excedam os limites legais, autorizam o proprietário do imóvel que os sofre a lançar mão do disposto no artigo 1346º do Código Civil, que só deve suportar os que não vão para além das consequências de normais relações de vizinhança.” (Ac. do S.T.J. de 22/09/2009); 22.ª - Em suma, o que releva são os ruídos causadores de incomodidade e causadores de má qualidade de vida, independentemente de excederem ou não os limites legais; 23.ª - Vejamos agora, as diversas contradições, de que enferma a douta sentença recorrida, e que, por via daquelas e por outras vias (que infra se alegarão), conduziram à decisão errada, de facto e de direito, inserta na douta sentença sob recurso; 24.ª - Assim, após acertada e ponderada trajectória, sobre o conteúdo dos diplomas legais, que regulam os direitos de personalidade, direito de propriedade e...

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