Acórdão nº 3057/11.5TBGDM-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução21 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 3057/11.5TBGDM-A.P1-Apelação Origem-Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, 3º Juízo Cível Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- Nos contratos em que o insolvente tenha prestado fiança, estando as obrigações deles resultantes a ser pontualmente cumpridas, na lista apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência devem tais créditos ser relacionados e reconhecidos como condicionais nos termos referidos no artigo 50.º nº 1 e nº 2 al. c) do CIRE.

II- Se o credor reclamante, no apenso respectivo, apresentar como títulos dos seus créditos livranças em branco avalizadas pelo insolvente, não devem os mesmos constar da lista apresentada pelo Sr. Administrador, dele devendo ser excluídos.

III- É que embora o portador de uma livrança possa preenchê-la com todos os requisitos do artigo 75.º, para, assim lhe dar força executiva, o certo é que quanto propriamente à obrigação cambiária, isto é, a obrigação de pagar a soma constante do título, ela só se constitui através do preenchimento.

IV- O que existe antes do preenchimento para o emitente do título, não é uma obrigação cambiária, mas apenas o estar sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título, sendo o preenchimento que marca o nascimento da obrigação cambiária.

V- Tais situações são reconduzíveis a erros manifestos, não devendo por, isso, a lista de credores, assim apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência, ser de imediato homologada por sentença, devendo antes ser determinada a elaboração de nova lista, rectificada.

**I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Por apenso aos autos n.º 3057/11.5TBGDM-A, nos quais foi declarada a insolvência de B… por sentença proferida a 10/08/2011 e já transitada em julgado, veio o Sr. Administrador da Insolvência juntar aos autos a lista dos créditos reconhecidos, elaborada ao abrigo do disposto no art. 129.° do C.I.R.E.

*Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens: Verba n.º 1 Direito à meação do prédio urbano, denominado "…", sito na …, freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1300/19980414 e inscrito na matriz urbana sob o art. n.º 2338 (melhor descrito a fls. 4 do apenso B); Verba n.º 2 Na proporção de 1/413 avos do prédio urbano, sito no …, freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º 989/19950306 e inscrito na matriz urbana sob o art. 2136 (melhor descrito a fls. 4 e 5 do apenso B).

*Por não ter havido impugnações à lista de credores reconhecidos, nos termos referidos no artigo 130.º nº 3 do CIRE foi proferida de imediato sentença que homologou a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência e junta a fls. 8 e graduou os créditos nela incluídos pela ordem seguinte: I. Sobre o produto da venda do bem imóvel descrito sob a Verba n.º 1: 1º) O crédito do C…, S.A., no valor de €185.694,64 (cento e oitenta e cinco mil, seiscentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) - garantido com hipoteca.

  1. ) Os créditos comuns, de forma rateada caso não haja produto suficiente para o seu pagamento integral.

    1. Sobre o produto da venda do outro bem: 1º) Todos os créditos comuns, de forma rateada caso não haja produto suficiente para o seu pagamento integral.

    **Não se conformando com a sentença assim proferida veio a insolvente B…, interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1.ª As reclamações de créditos do C…, D…, E… e F…, D…, E… não evidenciam carimbo ou registo da data de entrada/recepção nem se encontram juntos os respectivos sobrescritos, sendo impossível de aferir da sua extemporaneidade face ao disposto nos artigos 128º, n.º 1 e 146º do CIRE, pelo que a sentença recorrida não podia ter homologado o seu reconhecimento, incorrendo em “erro manifesto” nos termos do art. 130º, n.º 3 do CIRE.

    1. Na reclamação de créditos do C… é feita a menção a duas operações, uma titulada pela insolvente, outra por ela avalizada, “a ser cumpridos à data”, pelo que e quando muito, os respectivos créditos teriam que ser reconhecidos como condicionados–ao incumprimento dessas operações–não podendo a sentença homologar o seu reconhecimento, sob pena de consagrar o “erro manifesto” aludido no art. 130º, n.º 3 do CIRE.

    2. Na reclamação de créditos do D… é feita a menção a duas operações de financiamento cujas obrigações se encontram igualmente em cumprimento, e além do mais têm garantia de cumprimento através de livranças em branco tituladas por duas sociedades anónimas e avalizadas pela insolvente, sem que exista ou venha alegado pelo credor qualquer registo de incumprimento ou o accionamento da livrança, e só por esse mecanismo e actuação, a insolvente poderia ser accionada e reclamada.

    3. Verdadeiramente, tal garantia prestada pela insolvente não foi formalmente accionada pelo credor, nos termos contratados (conforme contrato e autorização de preenchimento “em branco”), e também por isso não se pode sequer admitir que o D… se arrogue credor da insolvente – consideração que precede a discussão sobre se o crédito, a ser reconhecido, há-de ser condicionado ou não.

    4. É da lógica, do senso comum, da etimologia, da boa-fé negocial e respeitador das proibições do abuso do direito e do enriquecimento sem causa, que um credor não possa exigir do garante o cumprimento que lhe está a ser regulamente providenciado pelos obrigados principais, uma vez que consabidamente quaisquer créditos sobre avalistas e fiadores não se vencem, nem são exigíveis, enquanto perdurar o cumprimento pelos obrigados principais.

    5. Na constância do cumprimento das obrigações garantidas, se os credores não poderiam intentar nem acção declarativa, nem acção executiva contra a avalista/fiadora, não podem pretender que os seus créditos garantidos por aval/fiança da insolvente, sejam reconhecidos como “créditos comuns” e não condicionados (ao incumprimento que o aval/fiança acautelam).

    6. Concomitantemente, não podem, por via da insolvência (apresentação), obter vantagens que de outro modo não obteriam, antecipando o vencimento e o recebimento de negócios em perfeito e regular curso de cumprimento – quando inclusivamente, nos termos contratados, com base na insolvência da avalista, podiam ter operado o vencimento antecipado das operações perante os obrigados principais e não o fizeram.

    7. O que eventualmente assistiria a tais credores, detentores de direitos de garantia e não de direitos de crédito, seria, junto dos principais obrigados, suscitar a substituição ou o reforço das garantias, fosse nos termos do art. 633º, entre outros, do Código Civil, fosse nos termos dos contratos constantes dos autos, o que não vem alegado ter sido feito.

    8. O vencimento antecipado total e imediato dessas operações não pode ser oposto à insolvente, mantendo o credor as operações intocadas no que respeita aos obrigados principais, como não podia ser feito de modo inverso, cindindo as operações em duas faces, uma para o devedor principal, outra para o garante.

    9. Aderir à “tese” (reclamação de créditos, ora homologada) destes credores, por estas operações específicas (garantias de obrigações ainda não incumpridas), reconhecendo-lhes os respectivos créditos sem condições, seria admitir a concessão de benefícios, designadamente, a antecipação do vencimento total e imediato de operações de crédito que registam cumprimento dos planos de reembolso, benefícios estes tudo incompatíveis com a natureza e o mecanismo fundamental das garantias das obrigações.

    10. Tal situação poderia ainda beneficiar ilegitimamente os principais obrigados das operações em curso de incumprimento, os quais, na eventualidade dos credores da insolvente obterem pagamento de tais créditos pela insolvente – e foi para o obterem ou nessa expectativa, que reclamaram os créditos! – ficariam total ou parcialmente desobrigados perante os mesmos credores! 12.ª Levando essa tese ao extremo, o Administrador da Insolvência estaria desde logo incumbido de accionar aqueles principais obrigados que assim haviam ficado beneficiados/desobrigados, tentando recuperar para a massa insolvente; e desde já a insolvente estaria legitimada a requerer a insolvência daqueles principais obrigados, apresentando reclamação de créditos pela totalidade do valor por ela garantido nos avais/fianças; e mais poderia a insolvente apresentar como activo integrante da massa insolvente, os direitos de crédito correspondentes à potencial efectivação da sub-rogação nas operações que avalizou ou afiançou! 13.ª O que está em questão não é discutir se a reclamação de créditos nas referidas condições é legítima (porque reconhecidamente o é); a questão é que o crédito reclamado, nas circunstâncias referidas, não pode ser reconhecido como crédito, crédito “simples”, “directo”, certo, líquido e exigível, “actual” ou imediatamente exigível da insolvente.

    11. Outrossim tais créditos, sendo meramente potenciais, têm que ser qualificados como condicionados – ficando a sua exigibilidade dependente do incumprimento que será (seria) factor de accionamento da garantia – pois não há como escapar à evidência jurídica de que as garantias das obrigações não são as obrigações garantidas [o aval é uma obrigação de garantia, e não uma obrigação de cumprimento da obrigação do avalizado. (Ac. TRP de 22/03/2011, Proc. 1627/09.0TJPRT-B.P1); A dívida avalizada só é exigível quando estiver vencida. (Ac. TRP de 12/02/1996, Proc. 9550883); O aval é uma garantia que se reporta à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal. Daí que o aval se encontre dependente da sorte da obrigação avalizada (suposto que esta não esteja ferida de nulidade estranha a um vício formal)… (Ac. TRG de 21/04/2004, Proc. 5533/04-1. Todos os Ac. citados em www.dgsi.pt).

    12. Na reclamação de créditos do D… é ainda feita a referência a duas garantias...

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