Acórdão nº 020/11 de Tribunal dos Conflitos, 16 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal de Conflitos: I- RELATÓRIO A………, com os sinais dos autos, veio interpor recurso para o Tribunal de Conflitos, ao abrigo do artº107º, nº2 do CPC, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a fls. 580 e seguintes que, confirmando a sentença da 1ª Instância quanto à declarada incompetência material do tribunal da comarca para conhecer da acção por serem competentes os tribunais administrativos, julgou a apelação improcedente.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. A competência dos tribunais em razão da matéria afere-se pelo modo como a acção é delineada.

  1. Competência esta que será daquele Tribunal que melhor estiver vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor.

  2. Na verdade, o aresto recorrido configura a acção apresentada em juízo como versando sobre responsabilidade civil extracontratual das Rés, quando na verdade o meio de que o autor lançou mão constitui uma acção de reivindicação, enquanto meio de defesa do seu direito real de propriedade.

  3. O Recorrente intentou uma acção de reivindicação, acção de cariz jurídico unicamente de direito privado, o que de acordo com o artº209º da CRP, 18º da LOFTJ e 66º do CPC, configura uma questão que cabe aos tribunais comuns decidir, uma vez que não estamos perante uma relação de natureza jurídica administrativa.

  4. Mesmo que estivéssemos perante acção tendente a obter a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público, estaríamos ainda assim no âmbito da competência dos tribunais comuns, porquanto não há, do ponto de vista jurídico, acto administrativo que lhe dê suporte, o qual, em sede própria, foi declarado nulo e de nenhum efeito.

  5. Não cabendo, no âmbito de aplicação dos Tribunais Administrativos, como dispõem os artigos 1º e 4º do ETAF, interpretados a contrario senso.

  6. Por sua vez, também o pedido de indemnização pelo dano da privação do uso é da competência dos Tribunais comuns.

  7. Ademais e como avança o acórdão do Tribunal de Conflitos nº012/10, de 09 de Junho de 2010, proferido pelo Conselheiro Madeira dos Santos, “As acções de reivindicação são acções reais, que não se confundem com as acções obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual.» 9. Porque tal acto lesivo decorre da violação do direito de propriedade dos recorridos, direito este do âmbito puramente privado.

    *Contra-alegaram as recorridas B………SA e C………, concluindo assim as suas alegações: 1. Bem andou o Tribunal a quo ao declarar a incompetência material dos tribunais comuns para a apreciação do presente litígio, nos termos da alínea g) e i) do nº1 do artº4º do ETAF e à luz dos quadros da responsabilidade extracontratual – não obstante o Recorrente apresentar uma aparente acção de reivindicação.

  8. O pedido de restituição da parcela de terreno do Recorrente, conforme o estado em que se encontrava à data da ocupação, integra uma das formas de indemnização por reconstituição natural – cf. artº562º e 566º do Código Civil.

  9. “No fundo a A. pretende ver reparada a ofensa ao seu direito de propriedade sobre o prédio dos autos, reparação que, nos termos peticionados, passa pela reposição do prédio na situação anterior à sua ocupação pelo Réu, o que corresponde, ao menos materialmente, a efectivação de responsabilidade civil do R., pela referida ocupação do prédio da A.”.

  10. O que o Recorrente pretende com a presente acção mais não é do que uma indemnização através da restituição in natura da parcela ocupada, o que se reconduz ao instituto da responsabilidade extracontratual.

  11. Nos termos do nº1 da Base VII das Bases da Concessão aprovadas pelo Dec. Lei nº 284-A/1999, de 6 de Julho, “as zonas das auto-estradas e os conjuntos viários a elas associados que constituem o estabelecimento físico da Concessão integram o domínio público do concedente”, pelo que a parcela expropriada integra agora o domínio público do Estado.

  12. Assim, não sendo possível restituir in natura a parcela em causa, uma vez que a mesma integra o domínio público, o Recorrente teria apenas direito a receber uma indemnização fixada em dinheiro, tudo nos termos do nº2 do artº202º e do nº1 do artº566º do Código Civil.

  13. A alínea g) do nº1 do artigo 4º do ETAF refere que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.” 8. Tal como defendem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, “(…) sempre que essas pessoas (pessoas colectivas de direito público) devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada”.

  14. Ora, dúvidas não podem restar quanto ao facto de a recorrida EP se reger pelo estatuto de pessoa colectiva de direito público – “(…) rege-se pelo estatuto de pessoa colectiva de direito público, de acordo com o disposto no artº23º do DL 558/99 de 22 de Julho, e no artº3º do DL 374/2007 de 07 de Novembro.” 10. Destarte, nos termos do artigo 211º e do nº3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 18º da Lei de Organização dos Tribunais Judiciais, dos artº66º, 101º, 105º e 493º do Código de Processo Civil e das alíneas g) e i) do artigo 4º do ETAF, os tribunais judiciais são incompetentes em razão da matéria.

  15. Dispõe o nº1 do artº1ºdo DL nº 67/2007, de 31 de Dezembro que “A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial”.

  16. O nº5 do mencionado preceito legal estatui que “As disposições que na presente lei regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, titulares e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prorrogativas do poder político ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

  17. Ou seja, “(…) no artigo 1º, nº5, coloca-se a possibilidade de entidades privadas – entre as quais um concessionário – serem civilmente responsabilizados segundo um regime de direito público, o que pressupõe naturalmente que tais entidades possam ser demandadas individualmente em processo indemnizatório a intentar perante os tribunais administrativos”, sendo certo que a regra da competência dos tribunais administrativos é aferida de acordo com o disposto na alínea i) do nº1 do artigo 4º do ETAF, conforme supra demonstrado.

  18. Estando em causa uma acção de responsabilidade extracontratual do Estado, na qual são Partes uma pessoa colectiva de direito público e pessoas colectivas de direito privado, designadamente uma concessionária, outra não poderá ser a conclusão que não seja a de que, para dirimir o presente litígio, será competente a jurisdição administrativa e não - conforme alega, sem sucesso, o Recorrente – a jurisdição comum.

  19. Independentemente da configuração da acção com recurso aos institutos da responsabilidade extracontratual ou da reivindicação, a competência para dirimir o presente litígio sempre estaria cometida aos tribunais administrativos, por força do preceituado na cláusula geral do nº1 do artº1º do ETAF.

  20. Na definição de Vieira de Andrade, as relações jurídicas administrativas “são aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.” 17. Afirma, ainda, Freitas do Amaral que a relação jurídico administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.

  21. Desta forma, a ocupação da parcela do Recorrente, por força de um processo expropriativo e os consequentes trabalhos de concessão de uma obra pública, ao abrigo de um Contrato de Concessão, constituem, sem margem para dúvidas, actos de gestão pública e configuram, de per si, uma...

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