Acórdão nº 0556/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Agosto de 2008

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução27 de Agosto de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório A ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE ... recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º do CPTA (recurso excepcional de revista), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que revogou a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e, concedendo provimento à providência cautelar requerida por A..., condenou a ora recorrente "nos precisos termos em que foi contra si formulado o pedido", isto é: "abster-se da prática dos actos violadores e limitadores do exercício do cargo de comandante do corpo de bombeiros de ..., permitindo ao requerente a plena prossecução das funções para que se encontra regularmente investido" Terminou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Com o presente recurso de revista pretende a Recorrente obter uma melhor aplicação do direito, o que se torna ainda mais premente em face da frequência com as questões em discussão na jurisdição administrativa chegam ao conhecimento de um Tribunal Central Administrativo.

  1. - A questão concreta suscitada no presente recurso prende-se com a previsão dos exactos poderes do TCA no âmbito do chamado recurso de apelação, questão esta que não pode ser controvertida sob pena de alguns processos terem uma decisão de mérito porque se considerou mais amplos tais poderes e outros processos terem uma decisão de forma porque se restringiu os mesmos poderes de apreciação.

  2. - É imprescindível para a regular e normal tramitação dos recursos interpostos para o TCA que o Supremo Tribunal Administrativo esclareça e defina quais os poderes que aquele Tribunal possui e se o artigo 149° do CPTA não o obriga a proferir sempre uma decisão sobre o mérito da causa, sob pena de não se consagrar na prática o direito ao duplo grau de jurisdição.

  3. - A Recorrente considera que o acórdão recorrido violou normas de natureza processual.

  4. - O presente recurso preenche os requisitos previstos no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 150º do CPTA, pelo que se encontra em condições de ser recebido na apreciação liminar sumária prevista no n.º 5 do mesmo normativo.

  5. - No recurso interposto pelo agora Recorrido este bateu-se em exclusivo pela defesa apenas de uma ideia: se verificado o requisito previsto no artigo 120º, n.º 1, a) do CPTA, então o decretamento da providência seria automático, sem necessidade de verificação dos requisitos "periculum in mora" e "ponderação dos interesses".

  6. - A Recorrente, antes de opinar sobre esta questão (que ocupou das páginas 10 a 12 das suas contra - alegações e nas conclusões 14ª a 16ª), de forma expressa, clara e profunda (tendo presente que se trata apenas de uma providência cautelar), pronunciou-se sobre a verificação ou não deste requisito, concluindo que, no seu entendimento, o mesmo não se podia mostrar verificado.

  7. - A Recorrente atacou expressamente a parte da sentença da primeira instância que aborda o preenchimento do dito requisito, resultando claro do texto das contra - alegações e das suas conclusões a sua discordância com a parte da sentença em que dá como provado o requisito em causa, concluindo que houve erro de julgamento do Tribunal "a quo".

  8. - Conforme entendimento da jurisprudência e da doutrina, para cumprir a vontade do vencedor em ver apreciado em recurso um fundamento em que tenha decaído, tem este de invocar os seus argumentos no texto da contra - alegação e nas conclusões, o que a Recorrente fez, em obediência ao artigo 684°-A do CPC.

  9. - Sem prescindir quanto à conclusão anterior, a Recorrente manifesta a sua opinião de que o artigo 684º-A do CPC não é aplicável ao processo administrativo, por haver norma especial que afasta a sua aplicação, no caso o artigo 149º do CPTA.

  10. - O artigo 149º do CPTA, com dimensão superior à prevista no artigo 715º do CPC, impede, em nosso entendimento, a formação de casos julgados dentro do processo até que seja proferida a última decisão legalmente admissível, pois se assim não fosse não faria sentido atribuir ao TCA tão amplos poderes de pronúncia.

  11. - A intenção desta norma e a filosofia do CPTA, em matéria de recursos jurisdicionais, é evitar a todo o custo decisões formais, que não conhecem o mais importante da justiça, e que é conhecer o mérito da causa.

  12. - O acórdão recorrido acabou por não conhecer de nenhuma das questões suscitadas pela Recorrente, refugiando-se numa norma do CPC que não é aplicável ao processo administrativo, já que o artigo 149º do CPTA obriga o chamado tribunal de apelação a pronunciar-se sobre o mérito da causa e sobre todas as questões invocadas pelas partes.

  13. - A Recorrente expôs de forma clara a sua posição quanto ao requisito "fumus boni iuris", e o único limite que o TCA terá é o que decorre do princípio do dispositivo, só podendo servir-se dos factos alegados pelas partes.

  14. - O acórdão recorrido fez uma interpretação errada do preceito em causo e aplicou normas do processo civil ao processo administrativo, que não cabem no âmbito deste recurso pois o mesmo não é igual ao recurso de apelação para as Relações, já que tem mais amplitude.

  15. -O acórdão recorrido violou os artigos 149º do CPTA, 684°-A e 671º do CPC.

    TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido e ordenando-se a baixa dos autos ao TCA - Norte para prolação de nova decisão ou, se o estado actual dos mesmos o permitir, seja proferido acórdão conhecendo do seu mérito, só assim se fazendo JUSTIÇA." O recorrido não apresentou alegações.

    A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta, neste Supremo Tribunal, emitiu o seguinte parecer: "(...) O entendimento do acórdão que aqui se discute assenta na seguinte ponderação: "... nas contra-alegações não há qualquer referência à pretensão por parte da recorrida de uma eventual ampliação do objecto do recurso, isto é, a recorrida não formulou qualquer pedido expresso de ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do disposto no art.º 684-A do CPC".

    Nessas contra-alegações, a recorrida, sem requerer expressamente a ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do art° 684-A do CPC, defendeu que não se verificava nenhuma das situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 120° do CPTA - parte em que havia decaído - e que por isso a sentença incorrera em erro de julgamento por incorrecta interpretação desse normativo; terminou pedindo que o recurso interposto fosse julgado improcedente, em face de todos os argumentos aduzidos, mantendo-se a decisão recorrida.

    1. Muito embora o art° 149° do CPTA configure o recurso de apelação como um recurso substitutivo que pressupõe o reexame de todas as questões que são objecto da causa, temos dúvidas sobre a sua aplicação directa "in casu", pois não vemos que a situação em análise se encaixe facilmente nos seus normativos.

      Assim, parece-nos ser de aplicar o art.° 684°-A do CPC ex vi do art° 140º do CPTA, consideradas as necessárias adaptações, tal como frisa este preceito.

      Por esta via parece-nos que o recurso deverá merecer provimento, face ao disposto no n.º 1 do art.º 684°-A do CPC e numa linha de interpretação conforme com as exigências de uma tutela jurisdicional efectiva, consagrada nos art°s 20°, n.º 5 e 268°, n.º 4, da CRP e que constitui, como se sabe, a principal base estruturante do actual direito processual administrativo.

      Em primeiro lugar, se considerarmos o pedido formulado na contra-alegação, de que o recurso fosse julgado improcedente, em face de todos os argumentos aduzidos (nos quais se inclui, como vimos, o invocado erro de julgamento no que concerne à verificação do pressuposto previsto no art° 120º, n.º 1, alínea a), do CPTA), não podemos deixar de interpretá-lo no sentido de ter sido pedida a ampliação do âmbito do recurso, abrangendo o conhecimento do referido erro, pois a pretendida apreciação desse erro de julgamento, respeitante matéria em que a contra-alegante decaíra, só se compreende em sede de ampliação do objecto do recurso.

      Em segundo lugar, haverá que ter presente a especificidade própria do direito processual administrativo vigente. O legislador do CPTA teve o propósito de nele concretizar o imperativo constitucional de que os tribunais assegurem uma tutela jurisdicional efectiva a quem a eles recorra. Esse propósito ressalta de inúmeros preceitos, entre eles o art° 7°, fundado no princípio "pro actione", nos termos do qual, para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.

      Neste caso que analisamos o TCA atribuiu à norma do n.º 1 do art° 684-A do CPC um sentido que o impediu de emitir uma pronúncia sobre a procedência ou improcedência de um dos fundamentos do pedido formulado pela entidade recorrida (relativo a matéria em que esta decaíra), ou seja, uma tal interpretação obstou a que fosse apreciado o mérito desse pedido.

      Pelo que se acaba de expor, cremos que o acórdão recorrido violou os art°s 684-A, n.º 1, do CPC e 7° do CPTA, bem como o imperativo constitucional da efectividade da tutela jurisdicional.

      (...)" O Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão preliminar, admitiu a revista.

      Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A matéria de facto dada como assente no TAF de Braga e no TCA Norte é a seguinte: A) O requerente iniciou as funções de bombeiro no corpo de bombeiros da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ... em 1973.

      1. O requerente integra o quadro de comando desde 1975.

      2. O requerente exerceu as funções de Comandante desde data não apurada até Maio de 2007.

      3. Em...

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