Acórdão nº 1610/07.0TMSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA e sua mulher, BB, intentaram acção declarativa com processo ordinário contra CC e mulher, DD, alegando, em síntese, que: Em Maio de 2006, a autora, que tinha em mente a futura criação de um espaço para venda de flores secas e outros artigos de decoração manual, iniciou aulas de aprendizagem de artes decorativas ministradas pela ré, no seu Atelier A..., que funcionava numa garagem sita em A....
Com o tempo, entre a autora e a ré foi-se desenvolvendo uma amizade assente no gosto e interesse pelas artes decorativas, passando a pedido da ré a auxiliá-la na execução das montras e na ajuda da escolha de materiais junto dos fornecedores, começando, nesse contexto, a planear a criação de uma sociedade, atendendo aos anseios da autora e à necessidade de um novo espaço da ré.
Em Junho de 2006, realizou-se uma reunião entre autores e réus que decidiram criar uma sociedade, procurar um novo espaço para a abertura da loja e manter a denominação (A...), mas gerida pela sociedade.
No início do mês de Julho é celebrado o contrato de arrendamento da loja sita no C..., em nome do réu, pagando este o mês de caução e os autores a renda desse mês contra a entrega da chave, acordando que as novas instalações abririam ao público a 16 de Agosto, após remodelação e decoração da loja, bem como projecção da imagem, criação e alteração da mesma, tarefas de que se encarregaram os autores, enquanto aos réus caberia a tarefa de manter a antiga loja e mudarem o material para a nova quando as obras estivessem concluídas.
Na sequência disso fizeram diversos estudos para a decoração do interior da loja, tomaram providências para o desenvolvimento da imagem corporativa da A..., encomendaram materiais para as obras e executaram-nas, realizaram trabalhos de estudo e tratamento de imagem da loja, criaram cartazes e folhetos publicitários, que distribuíram, criaram cartões de visita, etiquetas de identificação dos produtos e página na internet, criaram o logótipo para a loja, tudo feito com o conhecimento e aprovação dos réus que, ao longo do desenrolar das obras, se deslocaram frequentemente à loja, mostrando grande satisfação com aquelas.
Apesar de sucessivas insistências, os réus foram protelando a constituição da sociedade, mas fizeram a mudança para a nova loja e, após a abertura desta, a ré passou a comportar-se como única dona, tratando a autora como empregada.
Os autores nunca chegaram a receber qualquer montante referente às despesas realizadas e trabalho prestado, que avaliam em € 12.603,60.
Além disso, a autora, que à data se encontrava grávida, ficou psicologicamente afectada, sentindo-se triste, deprimida e ansiosa em resultado desse comportamento dos réus.
Com tais fundamentos, concluíram por pedir a condenação dos réus a pagarem-lhes as quantias de € 12.603,60, relativa a despesas e trabalho prestado, e de € 1.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios à taxa legal desde a data da interpelação e até efectivo e integral pagamento.
Os réus apresentaram contestação a contrapor diferente versão factual em que refutaram quaisquer negociações tendentes à constituição da sociedade, desse modo, pugnando pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediram a condenação dos autores a pagarem-lhes a quantia de € 3.942,80, relativa a material adquirido e não pago, bem como a prejuízos decorrentes da impossibilidade de angariação de alunas, através do site criado pelo autor, mas nunca disponibilizado, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento.
Os autores responderam a pugnar pela improcedência da reconvenção e a manter a sua posição inicial.
Saneado o processo e condensada a matéria de facto, realizou-se audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos aí prestados, e, dirimida a matéria de facto, foi proferida sentença que, na total improcedência da acção e da reconvenção, absolveu réus e autores dos respectivos pedidos.
O autores apelaram, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa revogado a sentença, na parte em que absolvera os réus dos pedidos, e, na parcial procedência da acção, condenou estes a pagarem aos autores as quantias de € 7.704,34, a título de danos patrimoniais, e € 500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Agora inconformados, interpuseram os réus recurso de revista, rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1. Atenta a factualidade provada nos autos, não existe responsabilidade pré-contratual dos Recorrentes.
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O Tribunal a quo ao condenar os Recorrentes por considerar existir responsabilidade pré-contratual, violou o art. 227º, n.º 1, e o art. 405º, n.º 1, do Código Civil.
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As negociações e a fase preliminar de formação de um contrato merecem a tutela do direito, exigindo-se que as partes ajam de acordo com os princípios gerais de boa fé, nomeadamente, com os deveres de protecção, deveres de informação e deveres de lealdade.
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Vigorando na ordem jurídica portuguesa o princípio da liberdade contratual, são as partes livres de celebrar ou não os contratos que bem entenderem, devendo, no entanto, agir de acordo com os deveres de protecção, informação e lealdade.
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O que o legislador pretendeu punir no art. 227º, n.º 1, do Código Civil foi a frustração injustificada da expectativa fundada e legítima da contra-parte e não simplesmente a ruptura pura e simples das negociações, sob pena de se limitar fortemente a autonomia das partes na negociação e celebração de contratos.
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Não basta a mera ruptura das negociações, para que exista automaticamente responsabilidade de quem as rompeu.
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As partes podem livremente decidir pela celebração ou não de negócios, sem que com isso se tornem responsáveis perante a outra parte.
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As negociações têm como objectivo permitir que as duas partes envolvidas apurem se estão reunidas as condições desejadas para celebração do contrato, e não estando pode qualquer uma das partes desistir do negócio, sem que com isso incorram em responsabilidade, desde que, não tenha sido criada na outra parte a expectativa legítima de efectiva concretização do negócio.
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Nos presentes autos, ficou apenas provado que os Recorrentes e Recorridos discutiram a possibilidade de constituírem uma sociedade.
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Não se provou em que termos, quais as propostas e contra-propostas efectuadas, quais as cláusulas acordadas entre as partes.
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Os factos existentes nos autos não nos permitem concluir que existiu um verdadeiro processo negocial entre Recorrentes e Recorridos.
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Não ficou provado que tenham existido quaisquer declarações negociais por parte quer dos Recorrentes quer dos Recorridos, ou que tenham sido assumidos quaisquer compromissos com vista à celebração do contrato.
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Não ficou provado que tenham existido quaisquer negociações entre Recorrentes e Recorridos com vista a celebrar um contrato.
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As partes discutiram a possibilidade de constituir uma sociedade, mas não negociaram nada em concreto, nomeadamente, qual o capital social, proporção de quotas e quem assumia a gerência.
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Pretender que simples conversações sobre um eventual negócio, impliquem a responsabilidade pré-contratual de uma das partes por esta não querer concretizar o negócio, é extravasar largamente o âmbito da norma prevista no art. 227º, nº 1 do Código Civil e uma grave restrição à autonomia privada e à liberdade negocial.
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Para existir responsabilidade pré-contratual é necessário, cumulativamente, que uma das partes tenha criado na outra uma expectativa legítima e fundada na concretização do negócio, e que exista a ruptura injustificada das negociações.
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Os Recorrentes não adoptaram qualquer atitude que fosse susceptível de criar uma legítima expectativa dos Recorridos na efectiva celebração do contrato.
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O dever de lealdade consubstancia-se na proibição de interrupção de negociações em curso se tiver sido criada na contra-parte uma real e fundada expectativa na concretização do negócio.
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As partes durante as negociações, têm sempre que contar com a hipótese do contrato não ser celebrado, pois numa fase negocial do contrato, o acordo pode ou não ser alcançado conforme as partes fiquem ou não satisfeitas com o decurso das negociações.
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Nos termos do art. 342º, n.º 1 do Código Civil, a prova de que os Recorrentes criaram, com a sua conduta, uma legítima expectativa nos Recorridos, de que o contrato seria efectivamente celebrado, cabia a estes.
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Tal prova não foi efectuada.
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Os Recorrentes não violaram qualquer dever de boa fé, nomeadamente, o dever de lealdade perante os Recorridos, porque não tiveram qualquer atitude ou comportamento que fosse susceptível, de acordo com a avaliação do homem médio colocado em idênticas circunstâncias, de criar uma expectativa legítima na concretização do negócio.
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Os Recorridos não comunicaram aos Recorrentes, nem obtiveram a autorização destes, para proceder à decoração e obras na loja, à criação do site, logótipo e à publicidade da loja.
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Se os Recorridos tinham a legítima expectativa de que a sociedade se constituiria e portanto efectuaram as diligências descritas nos autos, então, por maioria de razão, tal expectativa deveria tê-los conduzido a comunicar aos Recorrentes quais as obras que estavam a pensar efectuar e que outras diligências pretendiam tomar, em especial, deveriam ter comunicado aos Recorrentes quais os valores previstos nos orçamentos e custos inerentes a todas a modificações que pensavam efectuar.
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Os Recorridos violaram o dever de informação junto dos Recorrentes.
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Tais decisões unilaterais dos Recorridos não permitiram que os Recorrentes tivessem um controlo efectivo dos gastos e custos efectuados com a modificação da loja e publicidade da mesma.
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Acresce que não se descortina dos factos provados que tais diligências tenham sido realizadas pelos Recorridos com vista à constituição da...
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