Acórdão nº 3283/07.1 TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2012

Data18 Dezembro 2012
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra o Município de Lisboa alegando, em síntese, que é o único e universal herdeiro dos bens da Casa da ............ e do título de Marquês da ............ e que, em reunião da Câmara Municipal de Lisboa de 3/04/1914, foi aprovada uma proposta de declaração de utilidade pública e o carácter de urgência da expropriação da "parcela n°.. do projecto da .........., propriedade dos herdeiros do Marquês da ............, necessária para as ruas ...................., Castilho, .................... n° .., Parque Eduardo VII e venda", tendo-se concretizado esta expropriação através da escritura pública de 15/09/1914, onde consta que a expropriada Condessa de Foz de Arouce, na altura herdeira e sucessora dos Marqueses da ............, teria direito a 20% sobre a valorização que, acima do valor do metro quadrado daquela aquisição, alcançasse em praça a parte do prédio expropriado destinado a venda, podendo ainda a expropriada no acto da praça preferir a qualquer arrematante, obrigando-se o expropriante a avisá-la para oportunamente exercer o seu direito de preferência, mas tendo as partes mais tarde celebrado a escritura pública de 9/03/1933, em que os então herdeiros da expropriada renunciaram, mediante o recebimento de contrapartidas, ao direito de valorização dos terrenos destinados a venda, bem como ao direito de preferência, renúncia esta que é nula pois tais direitos são irrenunciáveis por se encontrarem legalmente previstos no artigo 7º da Lei de 26/07/1919 então em vigor.

Concluiu pedindo que seja decretada a nulidade da escritura de 9/03/1933 na parte em que foram alienados os direitos da expropriada de preferência e de receber 5% sobre o montante da desvalorização dos terrenos destinados à venda, com efeitos retroactivos e a condenação do réu a restituir tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente que se vier a liquidar em execução de sentença.

O réu contestou, alegando, em síntese, que à data da impugnada escritura vigorava o código civil de Seabra, que permitia a renúncia a qualquer direito desde que a lei não o proibisse, não existindo, no presente caso, qualquer proibição legal nesse sentido, pelo que é válida a renúncia aos direitos de preferência e de parte da valorização dos terrenos destinados a venda, sendo certo, por outro lado, que sempre estaria prescrito o direito que o autor pretende fazer valer e que o comportamento deste configura um abuso de direito.

Concluiu pedindo a improcedência da acção.

Após os articulados, foi proferido despacho saneador sentença, que conheceu de mérito e julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso, que foi admitido como apelação, com efeito devolutivo.

O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso se bem que com outros fundamentos. Inconformado o autor recorre para o STJ, concluindo da forma seguinte: A) O Acórdão sob recurso aplica mal o direito quando decide que existe abuso de direito porque foi paga uma indemnização justa, pelo que o A. exerce um direito em manifesto excesso dos limites impostos pela sua função social e económica e, B) Quando decide, que "mesmo que assim não se entenda seja aplicável o art.334.° do CC actual, sempre haveria que aplicar o princípio doutrinal e jurisprudencial da tutela da confiança, o venire contra factum proprium ".

C) Para além das demais razões de direito, o exercício de um direito em venire contra factum proprium é uma das principais modalidades do exercício abusivo do direito previsto no Art.334.° do CC, não sendo assim possível tão pouco afirmar que mesmo que não se entenda aplicável o artigo 334.° existe venire contra factum proprium por parte do A.

D) É assim evidente o erro na aplicação do direito em que incorre o Acórdão sob recurso e a errada e deficiente aplicação ao caso concreto do Instituto do abuso do direito em qualquer uma das suas modalidades.

E) O Acórdão sob recurso revogou parcialmente a sentença de primeira instância ao decidir o ponto 1 do Sumário, ou seja de que é irrenunciável o direito de preferência legal antecipada e genericamente, pelo que deverá ser corrigido o seu dispositivo de totalmente improcedente a Apelação, para parcialmente procedente, o que sempre terá implicações a nível de custas.

F) O A. concorda com a decisão do Ponto 1 do Sumário do Acórdão sob recurso, pelo que não a impugna ou põe em causa; G) Porém, deverá ser alterado o Ponto 2 do Sumário, bem como o sentido final do Acórdão, dado que o A. não exerce o seu direito sob qualquer forma ou modalidade de abuso de direito, H) Pelo que deverá ser decretada nula a escritura de 1933, conforme peticionado nos Autos, na parte que o A. renunciou antecipa e genericamente ao direito legal de preferência, tudo com as legais consequências da nulidade.

I) Tendo sido proferido saneador sentença em primeira instância, nem o A., nem o Réu tiveram oportunidade de lograr provar fosse o que fosse para além do resultante da prova documental junta aos Autos.

J) Resultou assim provado no ponto 6 da matéria provada que os então herdeiros da expropriada renunciaram ao direito legal de preferência constituído na respectiva esfera jurídica "ope legis", pelo "caput" do art. 7.° também da Lei de Expropriações de 26 de Julho de 1912.

K) Peticionou o A. na sua PI, desde logo, que seja declarada nula esta renuncia ao direito legal de preferência.

L) Porém, decidiu o Tribunal em primeira instância, em síntese, que não assistia direito ao A., mas por fundamento diverso do decidido, agora em segunda instância pelo Venerando Tribunal da Relação, tendo então a primeira instância decidido que M) Não concordando com esta decisão de aplicação do direito, o A., aqui recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual veio a modificar parcialmente a decisão, nos termos sinteticamente plasmados no Sumário do referido Acórdão, no ponto 1 : " Ê irrenunciável o direito de preferência legal antecipada e genericamente, principio aplicável aos direitos de preferência consagrados na legislação anterior ao código civil de 1966".

N) Porém, e em consequência, desde já se requer seja alterada a decisão do tribunal da Relação quando a final dispõe que " Decide-se julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida", dado que o Acórdão sob recurso julgou parcialmente procedente a apelação, visto que decidiu pela nulidade da renúncia antecipada e genérica ao direito legal de preferência, o qual era um dos pedidos do A. Apelante e aqui recorrente.

O) vem o presente recurso de Revista interposto de parte do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, constante do ponto 2 do Sumário do respectivo Acórdão, ou seja, impugnando a decisão de que "Constitui abuso de direito invocar, setenta anos depois, a nulidade de uma escritura pública em que houve renúncia de direitos irrenunciáveis, tendo sido satisfeita a função social e económica que esses direitos pretendiam proteger." P) A invocação, pelo A. Recorrente, da nulidade da escritura na parte em que houve renúncia do direito legal de...

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