Acórdão nº 364/08 de Tribunal Constitucional, 02 de Julho de 2008

Data02 Julho 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 364/2008

Processo n.º 302/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Janeiro de 2008.

2 – O reclamante contesta a decisão sumária com base nas razões que condensou nas seguintes proposições do seu discurso argumentativo:

a) Com a devida vénia, contrariamente à douta decisão sumária aqui em apreço, a ratio decidendi do concretamente decidido é, efectivamente, a inconstitucional interpretação normativa dada pelo tribunal recorrido ao artigo único do Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, cuja constitucionalidade é aqui questionada pelo recorrente.

b) Tal como resulta do requerimento de interposição, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie consta do artigo único do Decreto-Lei n°220/91, de 17 de Julho, na interpretação que lhe foi dada pela sentença do Tribunal “a quo” e confirmada pelo Tribunal “ad quem”, que, (1) recusando-se a reconhecer eficácia retroactiva da revogação anulatória prevista naquela norma, (2) aplicou a chamada “teoria da indemnização” (segundo a qual um funcionário ilegalmente afastado tem direito a uma indemnização, com base em acto ilícito praticado, mas a exercer através da competente acção, onde tem de provar o ilícito e os danos sofridos).

c) Ao contrário da interpretação normativa dada pelo tribunal recorrido, deve ser desde logo reconhecido pelo Tribunal Constitucional que o Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho operou, já, a revogação anulatória de todas as normas e medidas de natureza administrativa de afastamento compulsivo “por motivos de natureza ideológica” - como o acto do MEIC de 1975 que atingiu o recorrente — com fundamento na inconstitucionalidade das mesmas.

d) Esta é, tipicamente, uma questão de interpretação conforme à Constituição, da competência do Tribunal Constitucional, nos termos na alínea b) do nº 1 do artigo 70° da LTC, com importantes reflexos na decisão dos autos

e) É que, uma vez reconhecida a eficácia retroactiva daquela revogação anulatória, daí decorre, directamente, que deveria ter sido anulado o acto impugnado do Reitor da Universidade de Lisboa, de 15/10/1998, que, recusando-se a reconhecer a eficácia retroactiva daquela revogação, indeferiu o requerimento do recorrente no sentido de lhe serem pagas as remunerações que deixou de receber durante o tempo em que esteve ilegalmente afastado do serviço, mas que teria recebido se não fosse a inconstitucional demissão, acrescida de juros moratórios e demais consequências legais (segundo a chamada “teoria do vencimento”).

f) Esta consequência é, não simples construção doutrinária ou jurisprudencial, mas imposição directa do Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, na única interpretação possível conforme à Constituição, como corolário do princípio da legalidade (reconstituição da situação actual hipotética), o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o direito fundamental à reparação, e o princípio da proporcionalidade, postulado pelo princípio do Estado de Direito democrático (artigos 2°, 18°, nº 2, 20°, nºs 1 e 5, 22° e 268°, nº 4 da Constituição da República).

g) À luz do Estado de Direito democrático, é inconstitucional a interpretação do Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, segundo a qual o funcionário público demitido “por motivos ideológicos” não tem direito, independentemente de quaisquer considerações relativas ao dano efectivo, às remunerações intercalares que teria auferido se não fosse a demissão com esse fundamento inconstitucional, violador de direitos fundamentais.

h) Sucede que, em face da interpretação tão clara e categórica do acórdão recorrido, de que o Decreto-Lei nº 220/91 não tem por fundamento a inconstitucionalidade da demissão, e que, ainda que fosse inconstitucional a demissão do recorrente das funções docentes que exercia, este apenas teria direito a uma indemnização mediante alegação e prova dos prejuízos sofridos, a exercer através da respectiva acção de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 48051, de 21/11/67, temos que o acórdão recorrido vem claramente recusar -se a reconhecer eficácia retroactiva da revogação anulatória prevista no Decreto-Lei n°220/91 e, assim, negar o direito do recorrente a receber integralmente, independentemente de quaisquer considerações relativas ao dano efectivo, as remunerações intercalares que teria auferido se não fosse inconstitucionalmente afastado, acrescidas de juros moratórios.

i) Em face da ratio decidendi do acórdão recorrido, é inegável que a decisão da questão de constitucionalidade suscitada tem importantes reflexos no desfecho do presente processo, estando assim preenchido o requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 700 da LTC.

Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser julgada procedente a presente reclamação e, consequentemente, ser o recurso admitido e o recorrente notificado para alegações, prosseguindo os autos até uma decisão final que conheça do seu mérito.

.

3 – A entidade recorrida não respondeu.

4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:

«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Janeiro de 2008, dizendo no respectivo requerimento de interposição:

[…]

A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie consta do artigo único do Decreto-Lei n°220/91, de 17 de Julho, na interpretação que lhe foi dada pela sentença do Tribunal “a quo” e confirmada pelo Tribunal “ad quem”, que, recusando-se a reconhecer eficácia retroactiva da revogação prevista naquela norma, aplicou a chamada “teoria da indemnização” (segundo a qual um funcionário ilegalmente afastado tem direito a uma indemnização, com base em acto ilícito praticado, mas a exercer através da competente acção, onde tem de provar os danos sofridos).

Além de ilegal (art. 145°, nº 2, do CPA), esta interpretação do artigo único do Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, é inconstitucional quando aplicada à específica situação dos autos, relativamente a funcionário público compulsoriamente afastado do seu cargo de professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, por despacho do Ministro da Educação e Investigação Científica de 04/10/1975, despacho esse proferido com fundamento “em comprometimento com o regime anterior, tendo ocupado o cargo de Secretário de Estado”.

Com efeito, tal despacho constitui um acto juridicamente inexistente ou absolutamente nulo, viciado de inconstitucionalidade por ofensa de direitos fundamentais (art. 133°, nº 1, alínea d), do CPA), por infringir não só o núcleo essencial do direito fundamental à igualdade na aplicação da lei, mas, também, do mesmo passo, os direitos fundamentais da liberdade de consciência e ensino, da igualdade e liberdade no acesso a cargos públicos, da segurança no emprego e do direito ao trabalho, reconhecidos não só na Constituição da República (arts. 1°, 9°, 12°, 13°, 18°, 26°, 41°, 43°, 50°, 53°, 58° e 269°, nº 3), como...

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