Acórdão nº 0276/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., impugnou no Tribunal Tributário de 1. ª Instância de Lisboa liquidações adicionais de I. R. C. , relativas aos anos de 1997 e 1998.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que sucedeu na com daquele Tribunal, julgou a impugnação improcedente.

Inconformada a impugnante interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentado alegações com as seguintes conclusões: A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença de lis. proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC, efectuada pela Administração fiscal, relativamente aos exercícios de 1997 e 1998.

li. A recorrente não se conforma com o sentido da sentença proferida pelo Tribunal a quo quanto à questão da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, imputando-lhe um erro na interpretação e aplicação de direito, designadamente na interpretação e aplicação da norma do n.º 1 do art. 23° do CIRC.

  1. Não obstante, independentemente da decisão quanto à questão de direito consubstanciada na interpretação própria daquela norma do CIRC, sublinha a recorrente a circunstância de se encontrar pendente de apreciação, na Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, recurso interposto, em 13. 07. 2006, do despacho de fis. proferido em 20. 06. 2006, que indeferiu o pedido de adiamento da diligência de inquirição de testemunhas e que, em virtude desse indeferimento, impediu a produção de prova testemunhal nos presentes autos.

  2. Vejamos: salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu, na sentença que proferiu, num apreciável erro na interpretação e aplicação da norma do n.º 1 do art. 23° do CIRC - designadamente na interpretação do requisito da indispensabilidade e da relação com os ganhos ínsito naquela norma -, e, concomitantemente, num inegável vício de violação do princípio constitucional da tributação de acordo com o seu lucro real e do princípio fundamental da liberdade de gestão e da autonomia privada.

  3. O Tribunal a quo não considerou a vigência, no nosso ordenamento jurídico, do princípio constitucional segundo o qual as empresas devem ser fundamentalmente tributadas de acordo com o seu lucro real, em resultado do que não teve também em conta a regra segundo a qual sw relevância fiscal todos os encargos suportados pelas sociedades n prossecução dos seus objectivos estatutários.

  4. No nosso sistema, em que as regras e princípios da contabilidade funcionam como um prius em relação à regulação fiscal do balanço económico da empresa, é forçoso que a lei fiscal introduza no resultado contabilístico pontuais correcções, por forma a acautelar certos interesses fiscais autónomos a que este é alheio, e que, desse modo, aquela regra comporte determinadas excepções. É ao nível dos custos que estes casos excepcionais são mais numerosos e impressivos, sendo porventura a noção de custo fiscal a que mais diverge da sua homóloga contabilística.

  5. Todavia, sempre estes casos excepcionais hão-de estar previstos na lei, sob pena de intolerável ofensa ao princípio da legalidade.

  6. Aliás, neste domínio, encontra-se vedado o recurso à analogia, quer por força do princípio da legalidade - que reserva à lei formal a definição dos elementos essenciais da vida do imposto -, quer por as normas excepcionais - como são as que recusam a relevância fiscal de certos custos - não poderem ser objecto de analogia, nos termos do artigo 110 do CC.

    Ora, de acordo com a formulação do artigo 23° do CIRC, a regra, bem ao invés do que pretende a Administração fiscal e, na sentença da qual ora se recorre, o Tribunal a quo, é a de que todos os custos efectivamente incorridos pelas sociedades na prossecução dos seus objectivos estatutários são custos fiscalmente dedutíveis - muito embora a indispensabilidade do custo constitua um conceito indeterminado, que carece de preenchimento, a verdade é que aí o poder da Administração é rigorosamente vinculado.

  7. Da mesma forma, por se tratar de determinar o significado do conceito, não está em causa qualquer especial saber técnico, juízo de mediação ou valoração pessoal: trata-se antes de um juízo de tipo cognoscitivo, o qual se há-de basear exclusivamente no quadro factual que consta do procedimento. Neste sentido vai o entendimento de ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, muitas vezes citado pela nossa jurisprudência, em A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra Editora, 2004, e de TOMÁS CASTRO TAVARES, em "Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos", publicado na Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396 (Outubro-Dezembro de 1999).

  8. É exactamente por ser assim que o artigo 23° do CIRC não pode ser usado como mecanismo de controlo da validade, consoante a correspondente rentabilidade, dos actos de gestão das empresas.

    L. Por outro lado, a indispensabilidade do custo não pode aferir-se nem função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, nem em função da sua importância para a capacidade de subsistência da empresa.

  9. Na verdade, o corpo do n. ° 1 daquele art. 23° apenas permite a desconsideração fiscal dos custos extra-empresariais, isto é, daqueles que não apresentam qualquer afinidade com a actividade da sociedade, como os encargos com despesas privadas dos sócio ou com terceiros, estranhos à empresa (CYRILLE DAVID, OLIVIER FOUQUET, MARJE-AIMÉE LATOURNERIE e BERNARD PLAGNET, Les Grands Arrêts de la Jurisprudence Fiscale, Paris, 1988, p. 285; C1-IARLES ROBBEZ MASSON, La Notion d'Évasion Fiscale en Droit Interne Français, Paris, 1990, p. 156 e ss. ) - a sua aplicação para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado está, portanto,. circunscrita às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiro (LTJDWIG SCHMTDT, Einkommensteuergesetz Kommentar, 1995, 14 edição, notação 483 ao § 4).

  10. Conforme dito já em sede de petição inicial, o teor do excurso antecedente tem sido reconhecido pela Jurisprudência portuguesa - a propósito da natureza do art. 23°, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n. ° 6350/02 de 24. 06. 2003 que "custos fiscais, em regra, são os gastos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão Táctica ou económica com a organização, que não consubstanciem uma diminuição patrimonial: só não cobram relevo fiscal os custos registados na parcela da actividade empresarial mas a ela alheios» (o sublinhado é nosso). Pelo que "só se as operações económicas deixarem de radicar em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor do património pessoal do empresário em nome individual é que não serão havidos como custos fiscais".

  11. Ou seja, a regra é a de que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador tendo em vista, não permitir a intromissão da Administração fiscal na gestão da empresa, mas sim impedir a consideração fiscal de gastos que, embora contabilizados como custos, não são susceptíveis de se subsumirem ao âmbito da actividade da empresa.

  12. As considerações tecidas tornam claro que aos factos descritos nunca se poderá aplicar o n. ° 1 do artigo 23° do CIRC - repita-se: a desconsideração de uma perda efectiva incorrida por uma sociedade na prossecução dos seus fins estatutários de forma alguma se pode estribar na definição legal de custo fiscal.

    Aceitando que os negócios se praticaram a valores adequados - e outra coisa não é admissível na ausência de correcções aos preços praticados -, aceitando ainda que o recurso aos serviços adquiridos é matéria da inviolável esfera de autonomia privada daquele que a eles recorre e admitindo - dado nunca ter sido questionado - a finalidade empresarial a que o serviço adquirido se destina (proporcionar a célere deslocação dos trabalhadores da empresa para participação em reuniões de negócios nas instalações da casa-mãe, a B..., SGPS, e bem assim nas instalações de fornecedores e clientes da sociedade, em diversos pontos do território nacional e internacional), o encargo suportado com a aquisição de um serviço utilizado na actividade operacional da empresa como um elemento potenciador e maximizador da fonte produtora resulta, necessariamente, numa perda, que não pode deixar de ser tida em conta na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT