Acórdão nº 346/08 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução25 de Junho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 346/2008

Processo nº 256/08

Plenário

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 - O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, invocando o disposto no art.º 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição da República Portuguesa, requer a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade dos artigos 117.º e 118.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008).

2 – O teor das normas em questão é o que se segue:

Artigo 117.º

Necessidades de financiamento das regiões autónomas

1 - As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não podem acordar contratualmente novos empréstimos, incluindo todas as formas de dívida, que impliquem um aumento do seu endividamento líquido.

2 - Podem excepcionar-se do disposto no número anterior, nos termos e condições a definir por despacho do ministro responsável pela área das finanças, empréstimos e amortizações destinados ao financiamento de projectos com comparticipação de fundos comunitários.

3 - O montante de endividamento líquido regional, compatível com o conceito de necessidade de financiamento do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC95), é equivalente à diferença entre a soma dos passivos financeiros, qualquer que seja a sua forma, incluindo nomeadamente os empréstimos contraídos, os contratos de locação financeira e as dívidas a fornecedores, e a soma dos activos financeiros, nomeadamente o saldo de caixa, os depósitos em instituições financeiras e as aplicações de tesouraria.

Artigo 118.º

Transferências orçamentais para as regiões autónomas

1 - Nos termos do artigo 37.º da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro, são transferidas as seguintes verbas:

a) …

b) € 185 863 280 para a Região Autónoma da Madeira.

2 - Nos termos do artigo 38.º da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro, são transferidas as seguintes verbas:

a) …

b) € 24 394 555 para a Região Autónoma da Madeira.

.

3 – Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

- Os artigos 117.º e 118.º da Lei do Orçamento de Estado para 2008 padecem de inconstitucionalidade e de ilegalidade.

Foi violado o direito de audição dos órgãos de governo das regiões previsto na Constituição e nos Estatutos e, no que especificamente respeita ao artigo 118.º da Lei do Orçamento, foram ainda violados o artigo 118.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e o artigo 88.º, n.º 2, da Lei de Enquadramento do Orçamento de Estado.

- O Requerente tem legitimidade para pedir a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade das referidas normas orçamentais, uma vez que está em causa a violação dos direitos das regiões autónomas e, ainda, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

? A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não foi devidamente ouvida no processo de aprovação da Lei do orçamento e houve, deste modo, ofensa do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição, dos artigos 89.º e seguintes, do Estatuto da Região Autónoma da Madeira e do artigo 4.º da Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto, que regula a audição dos órgãos de governo das Regiões Autónomas.

A votação final global da Lei do Orçamento ficou concluída a 23 de Novembro de 2007. Ora a respectiva Proposta só foi enviada para parecer da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 16 de Novembro de 2007, tendo a sua efectiva recepção apenas ocorrido no dia 19 de Novembro de 2007. Antes que tivesse oportunidade de se pronunciar foi drasticamente surpreendida com a votação final nos dias 22 e 23 de Novembro.

A Assembleia da República "no decurso do prazo concedido para a emissão de parecer por parte da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e sem esperar por ele, inopinadamente efectuou a votação na especialidade e encerrou a sua participação no procedimento legislativo pela votação final global da futura Lei do Orçamento de Estado para 2008".

Deste modo, foi atribuído, à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, um prazo de apenas 3 dias para se pronunciar, em manifesta violação do prazo de 15 dias, conferido pela Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto, que lhe permitiria exercer devidamente o seu direito de audição.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional é a este respeita clara. Os Acórdãos nºs 670/99 e 581/2007 postulam uma "consideração substancialista do direito de audição". E o Acórdão n.º 130/2006 confirma que a obrigatoriedade do direito de audição não pode ser convertida numa "formalidade sem sentido útil".

? O artigo 118.º da Lei do Orçamento de Estado viola a cláusula do não retrocesso financeiro, consagrada no artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM, na redacção aprovada pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto.

De facto, o valor transferido em 2008, de € 185 863 280 é inferior ao que foi transferido em 2006, € 204 888 536. É verdade que tal valor é superior ao valor de € 170 895 000 transferido em 2007, mas este valor era "também ele inconstitucional".

Nem sequer se diga que o único padrão aferidor das relações entre o Estado e as Regiões Autónomas é o constante da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro, que se aplicou retroactivamente – e também inconstitucionalmente – a partir de 1 de Janeiro de 2007".

É a própria Lei das Finanças das Regiões Autónomas que expressamente se subordina aos Estatutos Político-Administrativos.

- O mesmo artigo 118.º da Lei do Orçamento para 2008 viola, ainda, o artigo 88.º, n.º 2, da Lei de Enquadramento do Orçamento de Estado.

Na verdade, o Programa de Estabilidade e Crescimento não permite legitimar a redução do valor das transferências orçamentais para as regiões.

Basta ver que, por um lado, as transferências para os Açores aumentaram. De facto, "enquanto que os Açores receberam, em 2008, € 286 060 663 e em 2007, € 223 436 000 contra os € 210 066 776 de 2006, já a Madeira recebeu em 2008, € 185 863 280, e em 2007, € 170 895 000, contra os € 204 888 536 de 2006".

Por outro lado, é manifesto que o próprio Estado não mostra capacidade para cumprir os parâmetros do Programa de Estabilidade e Crescimento, "bastando dizer, para o justificar, que para 2007 e em relação a 2006, as despesas de funcionamento do Estado aumentaram 9,4 %, as despesas sobem 3,1%, o serviço da dívida aumenta 16% e os encargos financeiros da dívida pública aumentaram 8,1%".

Assim, a redução das transferências orçamentais para a Região Autónoma da Madeira não se pode justificar com base em tal Programa uma vez que o próprio Estado não reduziu o seu passivo orçamental de modo a cumpri-lo.

- Conclui, pois, o Requerente, pedindo ao Tribunal que declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade e a ilegalidade dos artigos 117.º e 118.º da Lei do Orçamento de Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro).

4 – Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos, enviando, simultaneamente, cópia da documentação relativa aos trabalhos preparatórios da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro ? Orçamento de Estado para 2008 ?, acompanhada de um índice detalhado.

5 – Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do art. 63.º da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora dar corpo à decisão.

B – Fundamentação

6 – A questão da legitimidade do requerente

Nos termos do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), os Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podem requerer ao Tribunal...

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