Acórdão nº 305/08 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução30 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 305/2008

Processo nº 680/2007

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Em 8 de Outubro de 2007 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A..

    A decisão de não conhecimento do recurso assentou nos seguintes fundamentos:

  2. Entende-se que é caso de proferir decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por se não poder tomar conhecimento do recurso.

    Na verdade, nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei do Tribunal Constitucional, incumbe às partes o ónus de indicar a norma que pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, já que, como é sabido, também no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade vigora o princípio do pedido (artigo 79.º-C da referida Lei). Assim, cabe ao recorrente, no requerimento de interposição do recurso, a definição precisa do seu objecto.

    Por outro lado, são pressupostos do conhecimento de um recurso interposto, como o presente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, além da aplicação como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido, da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, que a inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo de forma clara e perceptível (artigo 72.º, n.º 2, da referida Lei).

    Este pressuposto, como o Tribunal tem vindo repetidamente a decidir, e se diz, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É, na verdade, este o sentido que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado – ver, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 1995, onde se escreveu que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão” (assim, também, por exemplo, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995).

    Para o efeito de indagar se a suscitação da inconstitucionalidade normativa, perante o tribunal recorrido, ocorreu, no caso dos autos, durante o processo (antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido) e de forma processualmente adequada, há que consultar a motivação do recurso interposto perante o tribunal agora recorrido (a fls. 505 e segs. dos autos). Nas alegações 57.º, 58.º e 59.º o recorrente afirmou: “Há erro na interpretação e aplicação da norma jurídica constante do art.º 857.º do Código Civil, no que diz respeito à noção, requisitos e pressupostos do instituto da novação.” (Alegação 57.º). “Com base nesse artigo facilmente se pode concluir pela inexistência de novação no caso em apreço, tendo, no entanto, o Ilustre Tribunal considerado o contrário.” (Alegação 58.º). “Há ainda erro de interpretação e aplicação do disposto no art.º 663.º do CPC, porquanto, ainda que se venha a atender ao contrato celebrado no decurso de 2003 com factos novos supervenientes, os mesmos não conduzem à extinção do direito e improcedência do pedido, conforme decidiu o Ilustre Tribunal.” (Alegação 59.º).

    Como se disse no Acórdão n.º 199/88 (publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Março de 1989):

    [...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de ‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental.” (ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 178/95 – publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96, inéditos).

    Se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional “em si mesmo”, mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação normativa, a exigência de suscitação da questão de (in)constitucionalidade de forma clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados inconstitucionais – o que é evidentemente diverso de sustentar apenas que a hipótese de uma norma não se encontra preenchida no caso concreto (mesmo que se aduzam argumentos de constitucionalidade nesse sentido). Esta necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou interpretação normativos que o recorrente reputa inconstitucional torna-se, aliás, particularmente evidente – notar-se-á ainda – quando o preceito ao qual se imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários segmentos normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de (in)constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis, também, de respostas distintas.

    Ora, não pode deixar de concluir-se que, perante o tribunal recorrido, o recorrente não enunciou, ou sequer impugnou com clareza, como inconstitucional, um determinado sentido ou interpretação de uma (ou mais) norma(s), não causando surpresa que o Supremo Tribunal de Justiça não tenha apreciado qualquer questão de (in)constitucionalidade normativa.

    Não tendo o recorrente cumprido devidamente o ónus de suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo, de forma clara e perceptível (pressuposto cuja falta já não poderia ser suprida mediante qualquer convite para...

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