Acórdão nº 434/2008-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PINTO
Data da Resolução24 de Maio de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO S, propôs a presente acção declarativa com processo ordinário contra B, Lda., pedindo a condenação desta: a) a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a arrecadação n.º do prédio situado em Lisboa; b) a restituir de imediato à Autora livre e desocupado o objecto reivindicado; c) a pagar à Autora a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da ocupação ilícita a quantia de 2.400,00€, desde o mês de Abril de 2004/até à presente data, devendo acrescer a quantia de 200,00€ por cada mês até efectiva restituição, acrescida de juros.

Para tanto alegou, em síntese, que é dona do prédio urbano sito em Lisboa, de que faz parte uma arrecadação, que se encontra dada de arrendamento à Ré, em virtude de escritura de trespasse que celebrou com o anterior arrendatário da mesma.

O arrendamento em causa permitia a livre denúncia do mesmo por parte do senhorio, sendo que por via disso, por carta de 18.11.2003, a Associação Lisbonense de Proprietários, em nome da Autora, enviou à Ré a carta registada cuja cópia se encontra a fls. 22 e 23 e em que denuncia o contrato de arrendamento e pede que seja restituído o referido espaço a partir de 1 de Janeiro de 2004.

A ré até à data da propositura da acção não restituiu o locado, recusando-se a fazê-lo, não tendo por isso qualquer título desde 31 de Dezembro de 2003.

Invocou ainda a A. a existência de prejuízos pelo facto da R. não lhe ter devolvido o arrendado.

A Ré contestou e disse que a carta da Autora apenas refere uma intenção de denunciar o contrato e não uma denúncia propriamente dita, e que destinando-se o local arrendado a estabelecimento comercial, tendo sido transferido para a Ré, através de escritura de trespasse, com cedência da respectiva chave, alvarás, licenças, bem como das mercadorias móveis, e utensílios pertencentes ao estabelecimento, assim como o direito ao respectivo arrendamento, não é por isso o contrato denunciável.

Invocou ainda, subsidiariamente, ter-se registado a renovação do arrendamento, por a A. no prazo de um ano contado da data em que a Ré deveria dar cumprimento à denúncia, saindo da arrendado (1 de Janeiro de 2004), o não fez, tendo a presente acção dado entrada em 23/05/2005 e não tendo a A. apresentado oposição ao gozo do arrendado por parte da Ré.

Finaliza, referindo não ter a A. alegado quaisquer prejuízos concretos, não havendo por isso lugar a qualquer eventual indemnização.

Concluiu no sentido de a invocada excepção ser julgada procedente ou, quando tal se não entenda, ser a acção apenas parcialmente procedente no que concerne ao reconhecimento do direito de propriedade da A..

A A. replicou, tendo sustentado posição oposta da defendida pela R. quanto às excepções invocadas, concluindo pela improcedência das mesmas.

Foi realizada audiência preliminar em que foi fixada a matéria assente e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal.

Respondeu-se à matéria de facto, não tendo havido reclamações.

Foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção não provada e improcedente.

Inconformada com tal sentença, veio a A. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações e, com estas, as respectivas conclusões: 1.ª A douta sentença recorrida entendeu que ao contrato de arrendamento dos autos aplica-se o regime do arrendamento urbano previsto nos artigos 68.° e seguintes do Decreto-Lei n° 321-B/90 de 15 de Outubro (RAU).

Pelo que, 2.ª Segundo a douta sentença recorrida o contrato de arrendamento dos autos só é denunciável nos termos do disposto nos artigos 69.° e 70.° do RAU.

  1. A situação dos autos suscita um problema de aplicação da lei no tempo, na medida em que duas leis (Código Civil e RAU) se sucederam no tempo dentro do mesmo sistema jurídico regulando diversamente situações jurídicas da mesma espécie.

  2. Em face das directrizes do artigo 12° do Código Civil, há que concluir pela aplicação do disposto no artigo 5° do RAU ao contrato dos autos porque as matérias nele reguladas caem no âmbito da segunda parte do n.° 2 do artigo 12° do Código Civil, abrangendo as situações jurídicas já constituídas à data da sua entrada em vigor.

  3. Ao contrário da douta sentença recorrida, o regime aplicável ao contrato de arrendamento dos autos é o previsto nos artigos 5°, números 1 e 2, alínea e) e artigo 6°, ambos do RAU e não o previsto no artigo 123° do RAU.

  4. Na verdade, a nova lei (RAU) dispõe directamente sobre o conteúdo da relação locatícia independentemente do contrato que lhe deu origem.

    Pelo que, 7.ª Não se trata de um efeito do contrato, mas sim de um efeito da lei que, independentemente do que tivesse sido acordado entre as partes ou no seu silêncio, alterou o estatuto do senhorio nos arrendamentos em causa, conferindo-lhe um amplo direito de denúncia do contrato.

  5. O artigo 6° do RAU determina que se aplique aos contratos de arrendamento como o dos autos, o regime geral da locação civil (artigos 1022° a 1063° do Código Civil) bem como determinadas disposições do RAU, expressamente indicadas nesse normativo.

  6. Do referido artigo 6°, número 1 do RAU estão excluídos os artigos 51° e 68° e seguintes, ou seja, a regra da renovação obrigatória do contrato.

  7. Assim, o contrato de arrendamento dos autos é livremente denunciável.

  8. A denúncia comunicada pela apelante reuniu os requisitos legais, nomeadamente no que respeita à forma e ao prazo, pelo que, é válida e oponível à apelada.

  9. A douta sentença recorrida aplicou erradamente os artigos 68°, 69°, 70° e 123° do RAU.

  10. Deve conceder-se provimento ao presente recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada.

    A Ré apresentou contra-alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões: I - A douta sentença recorrida não tinha de apreciar qualquer problema de aplicação da lei no tempo quanto ao contrato sub judíce, pois a inaplicabilidade do disposto no Art. 5° do Regime do Arrendamento Urbano ao mesmo decorre da confrontação entre o objecto desse contrato e o objecto dessa própria disposição legal, não das regras de sucessão de leis.

    II - O contrato de arrendamento em crise é um contrato de arrendamento urbano com fim comercial, cuja posição de arrendatária foi...

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