Acórdão nº 267/08 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução13 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 267/2008

Processo n.º 128/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

A – Relatório

1 – A., Lda, vem reclamar, ao abrigo do disposto artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária pela qual se decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade que havia sido interposto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 13 de Novembro de 2007.

2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:

“1 – A., Lda., recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 13 de Novembro de 2007, que negou provimento ao recurso interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, por seu lado, negara também provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que se declarou incompetente, em razão da matéria, para conhecer do despacho do Director Regional do Algarve da Autoridade de Segurança Económica e Alimentar (ASAE), de 17 de Novembro de 2006, que ordenou a cessação imediata da exploração do estabelecimento de bar no Beco do Repouso, em Faro, por falta de licença e infringir as normas legais no respeitante a higiene e segurança.

2 – O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. Todavia, esta decisão não vincula o Tribunal Constitucional (art. 76.º, n.º 3, da LTC). E porque se configura uma situação que se enquadra na hipótese normativa recortada no n.º 1 do art. 78.º-A da LTC, passa a decidir-se imediatamente.

3 – Na parte relevante para a compreensão da questão a decidir, o acórdão recorrido discreteou pelo seguinte modo:

“[…]

  1. Resulta do probatório que a ASAE, tendo verificado que o estabelecimento de Bar propriedade da Recorrente se encontrava a laborar sem a correspondente licença e que estava “fortemente indiciada a falta de condições técnicas de segurança e de higiene, bem como outras condicionantes do exercício da actividade em questão indiciadoras de que se encontra criado um perigo para a vida e integridade física quer dos seus trabalhadores quer dos seus clientes”, e tendo considerado que esta falta de licença consubstanciava “a prática de uma infracção de natureza contra-ordenacional, de carácter permanente, prevista no n° 1 do art. 10.º do DL n.º 168/97, de 4/07, … sancionada no n.° 1 e) do artigo n.º 38° do mesmo Diploma Legal” e que urgia “fazer cessar de imediato essa situação de ilicitude”, o respectivo Director Regional ordenou “a imediata suspensão da laboração do estabelecimento supra identificado”.

    Ordem esta que a Recorrente pretendeu paralisar através da propositura desta providência onde requereu a prolação de decisão que suspendesse a sua eficácia.

    Mas sem sucesso já que o TAF de Loulé, em decisão confirmada pelo Acórdão recorrido, considerou que os actos praticados pela Entidade demandada não tinham a natureza de actos administrativos mas de actos de ordem pública característicos dos órgãos de polícia criminal, inseridos na sua competência contra ordenacional, e que, sendo assim, era aos Tribunais comuns que estava cometida a competência para decretar as medidas relacionadas com o acto aqui questionado

    Ou seja, e dito de outra forma, o Tribunal recorrido decidiu que os Tribunais Administrativos careciam de competência para decretar a requerida providência.

    A Recorrente não aceita este julgamento, por um lado, porque considera que o acto que ordena a cessação de utilização de um estabelecimento constitui um acto administrativo, visto ser uma decisão de um órgão da Administração proferido ao abrigo de normas de direito público destinada a produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, e, por outro, porque considera que “doutrina sufragada no Acórdão significaria que todos os actos administrativos relativos a obras ou direito de utilização deixariam ou poderiam deixar de ser da competência dos tribunais administrativos e de estar sujeitos à lei administrativa” e “significaria, ainda, que a aplicação do regime contra-ordenacional ou do regime administrativo, bem como a competência dos tribunais comuns ou dos tribunais administrativos, ficaria na inteira disponibilidade de uma das Partes – a entidade administrativa – que qualificaria um mesmo acto como sendo administrativo ou contra-ordenacional consoante lhe aprouvesse”.

    Ao que acrescia que o entendimento acolhido no Acórdão recorrido era materialmente inconstitucional por violação dos princípios ínsitos nos art.s 2.°, 13.°, 20.°, 212.°, n.º 3, e 268.°, n.º 4, da Constituição.

    Vejamos se litiga com razão.

  2. A CRP estabelece que os “tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” (art. 211°/1) e que “compete aos tribunais administrativos o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas” (art. 212.º/3).

    Comentando o conteúdo desta última norma os Prof.s G. Canotilho e V. Moreira consideram que dela se deve retirar que “a competência dos tribunais administrativos deixou de ser especial ou excepcional face aos tribunais judiciais, tradicionalmente considerados como tribunais ordinários ou comuns. A letra do preceito constitucional parece não deixar margem para excepções, no sentido de consentir que estes tribunais possam julgar outras questões, ou que certas questões de natureza administrativa possam ser atribuídas a outros tribunais. Nesta conformidade pode dizer-se que os tribunais administrativos passaram a ser verdadeiros tribunais comuns em matéria administrativa.” (CRP Anotada, pg. 814, com sublinhado nosso).

    E a lei ordinária acolheu os citados princípios constitucionais ao estabelecer que incumbe aos “tribunais da jurisdição administrativa e fiscal … administrar a justiça (......), nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (art. 1.º do ETAF), muito embora também prescreva que lhes compete a apreciação de litígios que tenham por objecto “a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos em matéria …. qualidade de vida quando cometidas por entidades públicas e desde que não constituam ilícito penal ou contra ordenacional” (art. 4.º/1, al.ª l, do mesmo diploma com sublinhado nosso).

    O que quer significar que a jurisdição administrativa está vocacionada para o conhecimento de todos os litígios emergentes de relações administrativas salvo se os mesmos envolverem ilícito penal ou contra ordenacional pois que, neste caso, a apreciação da sua legalidade estará cometida aos Tribunais comuns. O que não contrariaria o disposto no art. 212.º/3 da CRP já que este, como já se disse, não impede que os Tribunais comuns possam conhecer e decidir certas questões relacionadas com o direito administrativo, designadamente as resultantes da aplicação de medidas de natureza contra ordenacional por autoridades administrativas.

    E, porque assim é, o presente recurso só poderá obter provimento se for de concluir que o acto cuja eficácia se quer ver suspensa nada tem a ver com o ilícito contra ordenacional e, por isso, que...

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