Acórdão nº 100/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Abril de 2008

Data17 Abril 2008

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Armindo G... intentou a presente acção declarativa, com processo sumário (despejo), contra Rosa F..., pedindo a resolução do contrato de arrendamento que vigora entre autor e ré e que esta seja condenada a despejar de imediato o locado e a entregá-lo livre e desembaraçado.

A fundamentar o seu pedido alega, em síntese, que é dono do prédio urbano de dois andares, sito na Travessa da Pisca, nº 1, Guimarães; que, por morte do primitivo arrendatário, ocorrida em 1983, a ré ingressou na posição contratual deste; que a ré, há mais de um ano que não reside permanentemente no locado, uma vez que não confecciona ou toma aí as suas refeições, não recebe amigos ou familiares, não passa aí os seus momentos de lazer, nem tão pouco pernoita.

A ré contestou, alegando que mantém no locado a sua residência permanente, desde a data da celebração do contrato até ao presente momento, sendo nele que, habitualmente, dorme toma as refeições, convive, recebe correspondência, tem os seus móveis e vestuário.

Neste contexto, o arrendado constitui o centro da sua vida pessoal, familiar e social.

Não abdicou do locado e transferiu a sede da sua vida íntima, social e económica para a residência da sua sobrinha Rosa Costa, sita na freguesia de S. Jorge de Selho.

A ré tem 82 anos de idade, é viúva e não tem descendentes. A sobrinha, devidamente sensibilizada, tem-lhe prestado todo o apoio que uma pessoa nas suas circunstâncias carece.

Assim, em caso de doença é legalmente compreensível e aceitável que a ré, temporariamente, abandone o locado para, na residência da familiar sobrinha se submeter aos cuidados médicos de vigilância, apoio e terapêuticos.

É perfeitamente explicável e razoável que a sobrinha partilhe e estabeleça afectivas e efectivas relações de proximidade com a tia ré, convidando-a para almoçar, jantar, passear e pernoitar. Breves e esporádicos são os períodos em que a ré se ausenta do locado.

Conclui pela improcedência da acção.

O autor respondeu, concluindo como na petição inicial.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença, na qual foi julgada procedente a acção e, em consequência, declarada a resolução do contrato de arrendamento e a ré condenada a despejar o locado e a entregá-lo ao autor.

Inconformada com esta decisão, a ré recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: 1.A recorrente não conservou o arrendado por mais de um ano, consecutivamente, desabitado.

  1. A residência da sobrinha Rosa é acidental, atendendo aos aspectos subjectivos da recorrente e objectivos do locado, não satisfazendo as suas necessidades permanentes.

  2. Nunca foi intenção da recorrente habitar, mesmo por períodos de tempo, nunca superiores a 30 dias consecutivos, por necessidade de cuidados de saúde especiais, a residência da sobrinha mas, desde sempre, o locado.

  3. A recorrente logrou provar que não tem duas residências permanentes; o local e a moradia da sobrinha Rosa, ou qualquer uma outra, arrendada, própria ou emprestada.

  4. Nele tem todo o seu parco património, segurado na Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., designadamente, mobiliário, fogão, frigorífico, retratos, imagens religiosas, etc. É para onde é endereçada a sua correspondência. Na freguesia onde se encontra sediado, cumpre as suas obrigações religiosas e cívicas. Mantém em vigor os contratos de fornecimento de água e energia.

  5. A recorrente é pessoa idosa de 83 anos de idade, viúva, sem descendentes, doente e pobre que tem contado com o meritório apoio da sobrinha Rosa, que a alimenta; almoço e merenda, trata das suas roupas (lavagem e engomagem) e, por diversas vezes, na sua habitação pernoita.

  6. A inspecção judicial ao locado, a fls. 206 e 208, a decisão da matéria de facto, a fls. 209, e o próprio testemunho da sobrinha Rosa atestam que o locado não dispõe de condições que permitam à recorrente cuidar da sua higiene pessoal, chegando a contrair graves infecções derivadas deste facto.

  7. À luz dos artigos 64º e 65º, da C. R. P., e 70º, do C. C., é perfeitamente legítimo a recorrente socorrer-se da ajuda e solidariedade da sobrinha Rosa na sua higiene pessoal e fora das instalações do locado.

  8. Por este motivo, saúde delicada da recorrente, idade, dificuldades em se movimentar, a sobrinha presta todos os cuidados e carinho à alegante, daí a ausência de vestuário e medicação no locado.

  9. O depoimento e acareação da testemunha Francisco e da sobrinha Rosa clarificaram o tribunal do procedimento utilizado nas deslocações e respectivas horas da recorrente para a habitação da sobrinha e vice-versa.

  10. Reza o artigo 790º, nº 1, do C. Civil, que a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor. Ou seja, no seguimento da doutrina do Prof. A. Varela, é perfeitamente compreensível, justificável, razoável, aos olhos de um julgador compreensivo, avisado não arbitrário, que a recorrente faça as suas refeições na moradia da sobrinha e irmã vizinha e fora do locado a sua higiene e tratamento das suas roupas.

  11. Conforme resulta da inspecção judicial ao locado e depoimento da sobrinha, a sua habitação não reúne condições para alojar permanentemente a tia alegante e nela organizar e centrar a sua vida. Tem apenas três quartos; o de casal, do filho e filha, engenheira, que tem que se instalar na sala de estar quando a recorrente pernoita no seu quarto.

  12. O conceito de residência permanente deve ser equacionado com o grau de vida do arrendatário e consequente incidência em relação ao arrendado, devendo ser entendido em atenção o aspecto subjectivo referido ao próprio morador (acórdão da Relação do Porto, de 26.6.1974, BMJ 238, pág. 281). Para que um local possa ser considerado residência permanente de alguém não é necessário que a pessoa ali viva ou, muito menos, ali permaneça sem interrupção: basta que, tendo ali uma permanência mínima, esse local possa ser considerado aquele em que tenha centrada a sua vida familiar (acórdãos da Relação de Évora, de 18.5.89, BMJ 387, pág. 675, e de 28.9.89, BMJ 389, pág. 666).

  13. O depoimento da testemunha Luciana, inquilina do autor, não se coaduna com as elementares regras da experiência, quando pretende fazer crer que, em toda e qualquer circunstância, na sua moradia sita a poente do locado e intermediada por uma outra habitação, tem a percepção da permanência ou não da recorrente no locado, sendo certo que, à semana, das 8 às 20 horas, se encontra a trabalhar fora do local onde está sediado o arrendado.

  14. O depoimento da testemunha Ana Sousa Freitas não clarifica se a recorrente reside ou não com a sobrinha. Não tem a certeza se ela dorme ou não no locado, apenas presume que nele não reside, pela inexistência de roupa a secar e luz.

  15. O depoimento da sobrinha e Francisco, que demonstrou conhecer o interior do locado e não oscilou na acareação, é de todo coerente com a lógica da realidade material dos factos, designadamente, saúde e idade da recorrente, falta de condições do locado e da habitação da sobrinha para, em definitivo, alojar a familiar alegante.

  16. A casa de banho do locado configura uma violação do artigo 1031º, do C. C., circunscrita à obrigação do senhorio assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que se destina que, de acordo com os artigos 64º e 65º, do C. R. P., se inclui a sua capacidade de proporcionar e promover a higiene da recorrente.

  17. O despejo, in casu, pelas razões aludidas ofende os elementares princípios morais e os bons costumes e o fim social e económico do direito em causa, constituindo um abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334º, do C. Civil.

  18. A decisão recorrida errou na valoração e relevância da prova acareada nos autos, violando, assim, o disposto nos artigos 1083º, nº 2, alínea d), 1031º, 334º e 70º, do C. Civil, e 64º e 65º, do C. R. P.

O recorrido apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos: 1- O Autor tem inscrita a seu favor a aquisição da propriedade de um prédio de dois andares com...

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