Acórdão nº 242/08 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução22 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 242/2008

Processo nº 1176/07

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Na presente acção de preferência, pendente na 7ª Vara Cível de Lisboa (nº 932/92), A. apresentou-se a deduzir incidente de oposição, invocando ser titular de direito de preferência sobre a mesma venda, pedindo a sua declaração como proprietário do prédio e a condenação dos réus a entregarem-lho, livre de ónus e encargos e desonerado de quaisquer contratos de arrendamento ou comodato entretanto celebrados, bem como os respectivos rendimentos desde a sua aquisição pelo opoente e os documentos a ele relativos.

Autor e réus contestaram o pedido de oposição, tendo estes formulado, ainda, contra o opoente idêntico pedido reconvencional.

O opoente apresentou um articulado superveniente, ao qual o autor se opôs, pedindo, além do mais, a sua rejeição por ser extemporâneo.

Foi proferido despacho que mandou desentranhar este articulado.

Daqui interpôs o opoente recurso de agravo.

Foi, depois, ordenada a apensação de uma acção pendente no 10.º Juízo Cível de Lisboa, na qual o aqui opoente, como autor, pedia contra os aqui réus e também contra os vendedores no mesmo contrato de compra e venda o exercício do mesmo direito de preferência. Nesta acção apensada fora também deduzido pelo aqui autor, Armando Ferro Jorge, um incidente de oposição.

Foi proferido despacho saneador e seguida a demais tramitação adequada até à audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença que declarou os autores B. e A. titulares do direito de preferência na aquisição do prédio urbano em causa e condenou o autor, ao qual viesse, em processo próprio, a ser adjudicado o direito, a pagar aos reconvintes a quantia de 3.394.922$00 contra a adjudicação em execução de sentença da propriedade do prédio ao licitante vencedor.

Apelou o autor e o opoente A..

A Relação de Lisboa proferiu acórdão, que negou provimento a todos os agravos interpostos e julgou parcialmente procedente a apelação, condenando os réus a pagarem ao apelante as custas, nos termos do artigo 1466.º, n.º 3, do C.P.C..

O opoente interpôs recurso de revista, em julgamento do qual foi proferido, em 19-10-2000, pelo S.T.J., acórdão, que declarou nulo, por omissão de pronúncia, o acórdão recorrido no tocante ao julgamento do agravo interposto em 1ª instância do despacho proferido, no sentido da não admissão do articulado superveniente.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, em 5-2-2002, que negou provimento ao mencionado recurso de agravo.

Interposto recurso desta decisão, pelo opoente, para o STJ, este Tribunal, por acórdão de 1.10.2002, revogou o acórdão recorrido e o despacho por ele confirmado, a fim de que, na 1ª instância, prosseguisse a apreciação da problemática inerente à admissão ou rejeição do articulado superveniente.

Por decisão de 11.2.2003, a 7ª Vara Cível da comarca de Lisboa, ordenou o desentranhamento dos autos do referido articulado, por não ser subsumível ao disposto no artigo 506.º do C.P.C..

Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo opoente, foi o mesmo julgado improcedente, por acórdão de 29-4-2004, tendo sido confirmada a decisão da 1ª instância.

O opoente agravou desta decisão para o S.T.J. que, por acórdão proferido em 17-5-2007, negou provimento ao agravo, com os seguintes fundamentos:

“Alega o agravante que o acórdão impugnado é nulo porque omitiu os actos impostos pelos arts. 668º, nº 4, e 744º, nº 5, do CPC;

Nos termos do disposto no art. 744º, nº 1, do CPC, “findos os prazos concedidos às partes para alegarem, a secretaria autua as alegações do agravante e do agravado com as respectivas certidões e documentos e faz tudo concluso ao juiz para sustentar o despacho ou reparar o agravo”.

O agravo interposto da 1ª instância apresenta-se, assim, como um recurso misto, por poder ser corrigido pelo mesmo tribunal que proferiu a decisão, como se tratasse de uma reclamação, não obstante a competência para o seu conhecimento pertencer, em princípio, a um tribunal) hierarquicamente superior, como é característica dos recursos ordinários (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in Manual de Recursos em Processo Civil, 6ªed., pág. 321).

O poder de reparação de agravo, que só é permitido na 1ª instância, constitui uma excepção ao princípio do auto-esgotamento do poder jurisdicional, constante do nº 1 do art. 666º, segundo o qual é vedado ao tribunal alterar a sua própria decisão depois de proferida.

Neste âmbito, refere o Prof. Alberto dos Reis (Anotado, vol. VI, pág 160): «Por vezes, o despacho de sustentação limita-se a estes dizeres: julgo, pelos fundamentos expostos no despacho de que se recorre, não ter feito agravo ao agravante.

Nem oito nem oitenta. Assim como não é de aconselhar uma longa divagação ou explanação, também não pode merecer aplauso a fórmula lacónica que acabamos de reproduzir. Quando o juiz nada mais faz do que reportar-se aos fundamentos do despacho agravado, não dá cumprimento ao art. 744º, porque não acrescenta coisa alguma ao que consta do despacho. Se a lei exige que o juiz sustente o despacho, isso implica, natural e logicamente, o dever de demonstrar, embora concisamente, que não procedem os fundamentos invocados pelo agravante. O despacho foi impugnado pelo agravante; sustentá-lo é mostrar que a impugnação improcede».

Se, pelo contrário, o juiz se convenceu pela leitura da alegação do agravante e pelos documentos, de que decidiu mal e não deve, por isso, manter o despacho, a lei – continua o mesmo Autor – aponta-lhe o caminho: «cumpre-lhe reparar o agravo, isto é, dar ao agravante a reparação a que, agora, entende ter ele direito. Lavra, então, despacho destinado a substituir o que primitivamente proferira. É o despacho de reparação do agravo, que tem o significado de um acto de reconsideração.

Em vez de ser o tribunal superior a dar provimento ao agravo, é o próprio juiz a emendar o seu despacho inicial».

Não pode, pois, o juiz de 1ª instância limitar-se a mandar subir o agravo. Tem, imperativamente, de sustentar o despacho ou reparar o agravo, antes de ordenar a subida à Relação.

No nosso caso, o Mº Juiz da 1ª instância limitou-se a ordenar que os autos subissem ao Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 1088).

Ao proceder deste modo, omitiu o dever de lavrar despacho de sustentação ou de reparação do agravo.

E, perante tal despacho, o acórdão impugnado pronunciou-se nos seguintes termos:

“Presumindo-se que o despacho de fls. 1088, que manda subir os autos, encerra a decisão da manutenção da decisão recorrida, nos termos do art. 744º, nº 1, do CPC, não mandamos baixar os autos, para fim de uma declaração expressa daquela manutenção ou sustentação, entendendo que, deste modo, defendemos o princípio da economia processual e pugnamos pela celeridade da justiça”.

Com o devido respeito, também não podemos concordar com esta posição.

Perante a omissão do Mº Juiz da 1ª instância, cabia-lhe, por força do disposto no nº 5 do citado art. 744º, mandar baixar o processo.

Não o tendo feito, por razões de economia processual e celeridade da justiça, cometeu a nulidade a que se refere o agravante, pois, como é sabido, nulidades de processo «são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 156).

Estes desvios de carácter formal podem assumir, tendo em atenção o preceituado nos arts. 193º e ss, um de três tipos: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e, por último, realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido. (Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pag. 373).

Das nulidades de processo, umas são principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos arts. 139º a 200º e 202º a 204º; outras – que é o nosso caso – são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no nº 1 do art. 201º, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no art. 205º.

Cabia, então, ao agravante invocar, oportunamente, o assinalado vício – omissão de um acto prescrito na lei – e reservar o recurso para a eventualidade do seu indeferimento, pois só o despacho que incidisse sobre essa reclamação seria passível de recurso.

Proceder de outro modo seria, não apenas eliminar injustificadamente um grau de jurisdição, como postergar também o princípio geral da reparabilidade das nulidades processuais pelo próprio órgão sentenciante.

Ora, o agravante não seguiu este caminho, pelo que a nulidade está sanada.

Alega, ainda, o agravante que o acórdão da Relação é nulo porque o Relator não cumpriu o disposto no art. 715º, nº 3, do CPC, pois não ordenou a audição das partes aí prevista.

Também aqui não lhe assiste razão.

Com efeito, a audição das partes só faz sentido no caso de procedência do recurso, o que não foi o caso.

De resto, a constituir uma nulidade, tratar-se-ia de uma nulidade processual, a arguir nos termos supra referidos, isto é, perante o tribunal que a praticou, o que o agravante não fez, pelo que terá de se ter como definitivamente sanada.

Quanto à nulidade invocada no ponto nº 5 das alegações de recurso, remete-se para tudo quanto ficou referido a propósito da 1ª nulidade apreciada, como se remete, quanto à nulidade invocada no ponto nº 6 para o que ficou dito relativamente à nulidade referida no ponto nº 4 das alegações.

Sustenta o recorrente que o acórdão é nulo – art. 668º, nº 1, al. c), do CPC – porque, na sua fundamentação, reconheceu que o despacho recorrido havia feito errada aplicação das normas do art. 506º do CPC na redacção de 95/96, a processo instaurado em 1992, e, depois, julgou improcedente a impugnação do dito despacho.

Trata-se, aqui, já não de uma nulidade processual, mas da sentença.

Porém...

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