Acórdão nº 230/08 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução21 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 230/2008

Processo nº 396/2007 3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Em 18 de Abril de 2006, a Subdelegação Regional da Figueira da Foz da Inspecção Geral do Trabalho instaurou processo de contra-ordenação contra Banco A., S. A., o qual culminou na aplicação à arguida de uma coima no valor de 623,00 € (seiscentos e vinte e três euros) pela prática da infracção que “consistiu na falta de afixação, por forma visível da cópia do mapa do quadro de pessoal de 2005”, e na não disponibilização “d[a] consulta informática do mesmo no local de trabalho, a partir da data de envio às entidades competentes e durante um período de 30 dias.”

    Inconformada, a arguida recorreu para o Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, invocando nas suas alegações, em conclusão e inter alia:

    (…)

  2. O acto administrativo de aplicação da coima viola o conteúdo essencial do direito fundamental de reserva da vida privada, o que ocasiona, segundo o disposto na alínea d) do n.° 2 do artigo 133.° e no n.° 1 do artigo 134.° do Código de Procedimento Administrativo, a sua nulidade, com a consequente não produção de efeitos jurídicos.

    (…)

    Por sentença datada de 5 de Janeiro de 2007, o Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz decidiu revogar as decisões da entidade administrativa recorrida, delas absolvendo a recorrente, fundamentando-se para tal na seguinte ordem de considerações:

    A nosso ver, as decisões da autoridade recorrida não podem subsistir.

    É sabido que as entidades empregadoras estão sujeitas a determinadas obrigações em matéria de apresentação anual dos mapas dos respectivos quadros de pessoal: por um lado, devem remeter esses mapas às entidades previstas no art. 455°/5 do RCT; por outro lado, devem afixar esses mapas nos termos do art. 456° do RCT ou disponibilizar a sua consulta, no caso dos mesmos terem sido objecto de apresentação informática.

    Os modelos dos mapas do quadro de pessoal encontram-se aprovados pela Portaria conjunta dos Ministérios das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade n° 785/2000, de 19/09.

    Dos mesmos consta, para além da identificação da “Empresa” e do respectivo “Estabelecimento”, com indicação do volume de negócios, vária informação nominativa respeitante aos respectivos trabalhadores, como sejam o nome, a categoria profissional, a profissão, a situação na profissão, as habilitações, o número da segurança social, as datas de nascimento, de admissão na empresa e da última promoção, as remunerações pagas, designadamente a remuneração base, diuturnidades, prestações regulares e irregulares e horas extraordinárias.

    A elaboração de tais mapas pelas entidades empregadoras, contendo as informações acabadas de referir, pode ser levada a cabo através de um processo de preenchimento manual ou através de um preenchimento informático – art. 455°/l RCT.

    A afixação daqueles mapas ou a disponibilização da sua consulta, no caso de apresentação informática, tem por finalidade possibilitar a reclamação escrita pelos trabalhadores interessados, directamente ou através do seu sindicato, relativamente a eventuais irregularidades detectadas nos mesmos – art. 456°/1 RCT.

    Ora, a nosso ver, a obrigação de afixação do aludido mapa do quadro de pessoal contendo todas aquelas informações relativa a aspectos pessoais dos trabalhadores, ainda por cima de forma visível no local de trabalho, ou a obrigação de disponibilização da sua consulta – em caso de apresentação informática – por todo e qualquer trabalhador, com a mesma extensão informativa e mesmo relativamente às informações que directamente não dizem respeito ao trabalhador que está a proceder à consulta, respeitando elas aos demais trabalhadores da mesma entidade patronal, colide, desde logo, com o direito à reserva da vida privada dos trabalhadores que, assim, assistem passivamente à exposição, mais ou menos pública, de diversos e variados aspectos da sua vida pessoal, dependendo a extensão da exposição da forma pela qual a entidade patronal decide dar cumprimento ao dito art. 456°/l.

    Com efeito, o art. 26°/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece, de entre o elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

    Está em causa um direito directamente ao serviço da protecção da esfera nuclear das pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo que a literatura juscivilística designa por direitos de personalidade.

    Trata-se, assim, de um direito estreitamente ligado à própria personalidade, devendo o seu exercício moldar-se e consolidar-se pela observância do princípio da dignidade da pessoa humana. a ponto de o respeito por ele e a garantia da sua efectivação o colocar ao abrigo dos limites materiais da revisão constitucional – cfr. os artigos 1° e 2° e a alínea d) do artigo 288º CRP.

    (…)

    Ora, a afixação pública, em local bem visível, ou a disponibilização indiscriminada de consulta do respectivo conteúdo informático a todo e qualquer trabalhador de uma empresa, daqueles mapas de pessoal, onde estão contidas as aludidas informações sobre os trabalhadores, a categoria profissional deles, a profissão dos mesmos, a sua situação na profissão, as respectivas habilitações, o número da segurança social que lhes corresponde, as datas das respectivas admissões na empresa, a última promoção e as remunerações pagas, implica, a nosso ver, a indiscriminada divulgação, mais ou menos pública, de aspectos relativos à vida privada de cada um dos trabalhadores, com a consequente violação do direito à reserva da vida privada deles.

    Por outro lado, sendo a finalidade legalmente prevista para a afixação daqueles mapas ou para a disponibilização da...

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