Acórdão nº 160/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 160/2008

Processo n.º 99/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional

  1. O representante do Ministério Público junto do 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional do anterior despacho do mesmo Tribunal, de 29.10.2007, que determinou a remessa dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.

  2. Compulsados os autos, apura-se o seguinte:

    ? A presente reclamação emerge de processo iniciado em “auto de notícia por detenção”, instaurado, por agente da PSP, a A., por, em determinada data, hora e local, ter alegadamente praticado “crime contra a segurança das comunicações”.

    ? Em 27.10.2007, o referido condutor foi constituído arguido e notificado, nos termos do n.º 3 do artigo 385.º do CPP, para comparecer perante o Ministério Público do Tribunal de Turno do Porto, no local aí indicado, para ser submetido a audiência de julgamento em processo sumário.

    ? Na mesma data, o Juiz do 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto proferiu despacho, determinando que o arguido fosse notificado para comparecer, em determinado dia e hora, no tribunal competente, a fim de aí ser julgado em processo sumário.

    ? Por despacho de 29.10.207, foi ordenada a remessa dos autos ao Ministério Público «para os fins tido por convenientes, respectivamente apresentação da acusação».

    ? Aberta vista ao Ministério Público, na mesma data, este exarou que «aguardará o início da audiência para, aí e então, se for o caso, requerer, nos termos legais supra, a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia (por Detenção de fls. 1) da autoridade (PSP) que procedeu à detenção.»

    ? Em 29.10.2007 foi exarado despacho com o seguinte teor:

    Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno.

    Resulta também dos autos, que não foi deduzida verdadeira acusação escrita contra o arguido.

    O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do art. 387.º, n.º 2, al. a) do C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se simplesmente o início da audiência de julgamento.

    Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção.

    É certo que no auto de notícia constam alguns factos.

    Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime.

    É de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei – o dolo – constitui elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente indiciado no auto de notícia.

    O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos arts. 13.º e 15.º do C.P.

    Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia – cfr. os arts. 243.º e 283.º, n.º 3, al. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, entre outros, o Ac. do TRG de 7/04/2003, in CJ, tomo II, pg. 291-294.

    Qualquer acusação em que se omita este facto – falta dos factos integradores do dolo ou da negligência – deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente infundada, com base no art. 311.º, n.º 3, al. d) do C.P.P. – quando os demais elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos.

    Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou negligência).

    De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado art. 311.º, n.º 3, al. c) do C.P.P.

    Dado o teor do auto de notícia, mesmo com a sua leitura em audiência nada mais se acrescenta ao que aí consta.

    É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e de todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se podem apreciar os apertados requisitos de admissibilidade do processo sumário, bem como a competência do tribunal.

    Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.

    Afigura-se-nos, pois que não se verificam os requisitos que justificam o julgamento em processo sumário, nos termos do disposto no art. 381.º do C.P.P., na redacção da Lei n.º 48/07, de 29/08.

    Assim sendo, e por razões de economia processual, e ainda nos termos dos arts. 381.º e 390.º, alínea a) do C.P.P., na actual redacção, determino a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.

    ? O representante do Ministério Público junto daquele Tribunal interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

    Por douto/a despacho/decisão, proferido/a no p.p. dia 29 do corrente mês de Outubro do corrente ano 2007 e exarado a fls. 13 e 14 dos autos à margem identificados, o/a Mmo/a Juiz, nos termos e com os fundamentos de facto e de direito daquele/a constantes, tendo...

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