Acórdão nº 154/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 154/2008

Processo n.º 120/08

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Na sequência de requerimento do Ministério Público foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Dezembro de 2007, que decidiu:

“- Indeferir os pedidos de diligências requeridas pelo executado e dirigidas à Direcção de Finanças de Coimbra, DIAP e inquirição de testemunhas;

- Por se não verificar causa obrigatória ou facultativa de recusa do mandado de detenção dirigido pela Autoridade Judiciária neerlandesa à Autoridade Judiciária portuguesa ordenar a entrega do cidadão A. à Autoridade Judiciária requerente para cumprimento da pena de trezentos (300) dias de prisão, sob a condição de ser assegurado pela Autoridade Judiciária competente que o executado terá, depois de notificado da sentença condenatória, o direito de recorrer da sentença que o condenou na pena supra mencionada ou ser submetido a novo julgamento com a sua presença e com garantia dos direitos de defesa.”

O executado A. recorreu desta decisão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de Janeiro de 2008, negado provimento ao recurso interposto.

O executado interpôs, então, recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, requerendo a verificação de constitucionalidade das seguintes interpretações normativas:

“ - Da norma do artigo 3º, n.º 1, al. c) e e), da Lei n.º 65/03, quando interpretada no sentido de que quando se estiver perante um pedido de entrega para cumprimento de uma condenação, o conteúdo do MDE de que se dá conhecimento ao arguido não conter uma descrição circunstanciada das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo quando a sentença indicada tiver sido proferida em julgamento sem a presença do arguido e inexistir notificação da decisão da sentença condenatória.

- Da norma do artigo 3.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 65/03, quando interpretada no sentido de admitir que para concretização das circunstâncias em que a infracção foi cometida é bastante dar a conhecer ao arguido quais os tipos legais de crime e respectiva epígrafe.

- Da norma do artigo 340, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de admitir que o tribunal indefira um requerimento de produção de prova independentemente de um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa.

- Da norma resultante da interpretação conjugada do disposto nos artigos 3º, n.º 1, al. e), 11.º e 12.º da Lei n.º 65/03, numa dimensão normativa segundo a qual o conteúdo do MDE não tem de abranger as informações necessárias à avaliação da existência de causas de recusa de execução.”

Em 12-2-2008 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:

“1. Dos requisitos de conhecimento do recurso de constitucionalidade

No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

Verifiquemos se este último requisito se encontra preenchido, relativamente às interpretações normativas cuja constitucionalidade o recorrente questiona:

  1. Da interpretação da norma do artigo 3º, n.º 1, al. c) e e), da Lei n.º 65/03, no sentido de que quando se estiver perante um pedido de entrega para cumprimento de uma condenação, o conteúdo do MDE de que se dá conhecimento ao arguido não é obrigado a conter uma descrição circunstanciada das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo quando a sentença indicada tiver sido proferida em julgamento sem a presença do arguido e inexistir notificação da decisão da sentença condenatória.

    Relativamente a esta questão, lê-se o seguinte no acórdão do S.T.J.:

    “São três as fases que o processo de decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu comporta:

  2. A apreciação da suficiência das informações e da regularidade do mandado (conteúdo e forma) — artigo 16º, n.º 2 a 4;

  3. A detenção e audição da pessoa procurada — artigos 16º, n.ºs 5 e 6, 17º e 18º;

  4. A decisão sobre a execução do mandado — artigos 20º e 22º.

    Debruçando-nos sobre a primeira fase do procedimento, a da apreciação da suficiência das informações e da regularidade do mandado de detenção, constatamos que a lei a elege como antecedente prévio e necessário, condição essencial da fase seguinte, a da detenção e audição da pessoa procurada.

    Com efeito, da hermenêutica do n.º 5 do artigo 16º resulta claramente que só após a sindicação da suficiência das informações e da regularidade do mandado, o que tem lugar em despacho liminar a proferir pelo juiz relator — n.º 2 do artigo 16º —, é ordenada a entrega daquele para detenção da pessoa procurada.

    Prevendo a lei, no caso de insuficiência das informações, a solicitação das informações complementares necessárias — n.º 3 do artigo 16º.

    Informações cujo juízo de suficiência deverá ter especialmente em conta, de acordo com a parte final do n.º 2 do artigo 16º, o concreto conteúdo do mandado de detenção estabelecido no artigo 3º.

    Conteúdo que a lei, sob a epígrafe de direitos do detido (artigo 17º, n.º 1), impõe seja dado a conhecer à pessoa procurada, ao estabelecer que a pessoa procurada é informada, quando for detida, da existência e do conteúdo do mandado de detenção europeu.

    Em consonância com o disposto no n.º 5 do artigo 18º que, vai mais além, impondo ao juiz relator, aquando da audição do detido, que o elucide sobre a existência e o conteúdo do mandado de detenção e sobre o direito de se opor à execução do mandado ou de consentir nela e os termos em que o pode fazer, bem como sobre a faculdade de renunciar ao benefício da regra da especialidade.

    Conteúdo que, de acordo com o n.º 5 do artigo 16º, é determinante para a entrega do mandado, tendo em vista a detenção da pessoa procurada, no sentido de que, não constando do mesmo as informações exigidas pelo artigo 3º, o juiz não pode ordenar o prosseguimento do procedimento, isto é, não pode ordenar a detenção da pessoa procurada.

    O que bem se percebe.

    Com efeito, só depois de o juiz se certificar da legalidade do mandado de detenção, com verificação dos...

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