Acórdão nº 90/08 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 90/2008

Processo n.º 883/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam em Conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

1.1. A fls. 467 dos presentes autos foi proferida a seguinte decisão sumária:

1. Por acórdão de 21 de Setembro de 2006 da Relação de Guimarães foi, no essencial, mantida a decisão proferida pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães que julgou procedente o incidente da qualificação da insolvência culposa da A., LDA., declarando B. afectado pela qualificação e, em consequência, inabilitado pelo período de 4 anos e inibido, por igual período, de praticar determinados actos.

No recurso interposto para a Relação, o recorrente A. formulara, no que ora interessa considerar, as seguintes conclusões:

“(…) 1. Estabelece o artigo 186.º/1 CIRE que “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”

  1. A matéria de facto a corrigir de acordo com o respeito pela prova produzida nos termos acima enunciados não pode razoavelmente sustentar uma tal conclusão, nem de resto há lugar, em todo o caso, a qualquer dos factos genericamente enumerados no nº 2 desse artigo;

  2. Mesmo que houvesse lugar à verificação das previsões do nº 2 ou 3 do art.º 186º CIRE — e não há — jamais se poderiam estender valorações de lei nova a infracções (jamais concedendo) materialmente ocorridas antes da sua entrada em vigor e esse sempre seria o caso de toda a vida comercial da sociedade anterior a Setembro de 2004, que a senhora juiz aqui vem ponderar e jamais se poderia proceder a uma tal valoração, uma aplicação retroactiva da Lei a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, pelo excelente motivo de que o principio da não retroactividade das leis (e não só das leis penais) é principio recebido pela Constituição Portuguesa não só do Direito Internacional, por declaração expressa do art.º 8º CRP que recebe e integra normas e princípios, como também pelo principio da segurança jurídica, também com sede constitucional e a cuja luz uma tal aplicação é radicalmente contrária, sem falar já do alarme social e económico que uma tal aplicação pode gerar;

  3. De resto a expressão do nº 2 em cujos termos se considera “sempre culposa a insolvência”, em conjugação com o grau de generalidade (mais do que de abstracção) das pretensas situações de facto que seguidamente descreve (e são verdadeiros conceitos indeterminados a preencher pela simples opinião e, até pela opinião de um leigo, como a senhora juiz chamou a si própria) é materialmente inconstitucional, desde logo por não haver, nem poder haver, culpa com declaração judicial imune à prova, ou independente dela (ainda que o seu ónus se mostre invertido pela presunção) porque a tanto se opõe, justamente e desde logo, também, o principio da tutela jurisdicional efectiva, a proibição da falta de defesa que sempre seria (como todo o direito o é) a eleição de qualquer culpado-inocente, por quaisquer eríneas negras, no quadro de uma qualquer tragédia,

    Por outro lado,

  4. Na medida em que o incidente de qualificação demonstra probatoriamente que o gerente é outro e não aquele em cuja pessoa se pretendeu citar a sociedade comercial, com isto se obteve uma qualificação inesperada de todo o processo falimentar, que surge agora como radicalmente ilegalizado pela ausência substancial de defesa em processo, da sociedade como de todos os interesses que nesse âmbito foram lesados, sendo certo que a violação do processo equitativo trazido ao art.º 200 da CRP e bem assim a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva surgem com clamorosa evidência à luz das exigências do Direito

  5. O procedimento de qualificação, na medida em que se traduz na imputação de factos aptos a gerar a sanção do art.º 2 e 3 não pode deixar de revestir uma estrutura clara, onde se proponha claramente a sanção a aplicar, onde se invoquem especificadamente as normas e os factos pessoais pelos quais as pessoas passíveis de serem afectadas pela qualificação possam aperceber-se da gravidade do que se lhe imputa, dos riscos processuais que o debate e a prova implicam para eles, e uma tal disciplina não se mostra minimamente respeitada neste procedimento, que acolheu um relatório completamente confuso tanto para o homem comum como (confessadamente) para o julgador, sem imputação de factos claros, sem invocação bastante de normas e sem, sobretudo, sem proposta clara de decisão o que sempre gerará, em alguma medida, a falta de defesa pela imprecisão a que condena a resposta e pelo arbítrio que funcionalmente viabiliza... Há pois também aqui a violação da tutela jurisdicional efectiva, também aqui há violação da equidade em processo e também aqui não pode deixar de se julgar a sentença afectada pelo vício do procedimento que coroa e protege;

  6. É materialmente inconstitucional o disposto no art.º 188º CTRE na medida em que permita a interpretação apta a viabilizar um procedimento alheio à equidade em processo e ao principio da tutela jurisdicional efectiva, sobretudo em conjugação com o disposto no art.º 186º/2/3 e ainda com o disposto no art. 189º CIRE também ele ferido autonomamente pela violação do princípio da proporcionalidade sendo ainda certo que a inibição da capacidade civil (e não apenas a proibição do exercício da actividade comercial) e o seu registo, mesmo que decretadas sem o grau de arbítrio funcionalmente permitido, sempre traduziriam ultraje ao principio da proporcionalidade e mais traduzindo ultraje à integridade moral dos cidadãos porque, no nosso direito a inabilitação e interdição se formularam para proteger e jamais para punir... (…)”.

  7. O recorrente recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, mas esse Tribunal decidiu não conhecer do recurso.

    A. recorreu então do acórdão da Relação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), nos seguintes termos:

    “1. O art. 3º/1 (CIRE) e bem assim os art. 18º/1, 23/1, 28º em conjugação com o 186º CIRE e 36º/c, art. 189/l/b/cd/ e nº 3 e art. 186º/2 e nº 3/a CIRE em conjugação com o art. 9º/1/a da L. nº 32/04 a tudo acrescendo a precarização do recurso na interpretação em cujos termos o art. 14º/1 CIRE estabeleceria a interdição de recurso para o STJ no horizonte de uma acção sobre o estado das pessoas como é necessariamente a admissão de uma inabilitação que assim se discriminaria negativamente cortando-lhe os meios de defesa que têm de caber a todas as inabilitações, assim,

  8. As disposições invocadas e analisadas nas e aliás, aplicadas ao caso ou conformadas na recusa da tomada de conhecimento do recurso traduzem conjugada e isoladamente violação plural da Constituição da República, como alegado, contrariando designadamente os art. º 2º e 3º/2/2, art. 9º/b/c/d; art. 12º, 13º, 14º (e 8º e 16º), 18º/2, 20º/4/5, 25º/1/2; 44º/1/2; e 61º/1

  9. A arguição das normas violadoras e violadas fez-se seja no Recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, como nas alegações de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e ainda na arguição de nulidade/reclamação diante da Secção do Supremo Tribunal de Justiça.

  10. A tudo acresce — muito embora se tenha já tido a extraordinária surpresa de ver o Venerando Tribunal Constitucional dizer qualquer coisa que equivale a dizer que nada tem a ver com a aplicação do Tratado Instituidor, como ainda que nada tem a ver com a disciplina da interpretação do Tratado Instituidor (1)... Que mais novidades nos trará o progresso, não é? — que aqui está presente uma questão prejudicial de Direito Comunitário

  11. A esta questão o Supremo Tribunal de Justiça entende dever escapar pela arguição da inadmissibilidade do recurso,

  12. Em profunda discordância com os Venerandos Conselheiros, sublinhamos em todo o caso a presença de uma decisão por onde não perpassa qualquer sombra de acrimónia no texto e isso nos tempos que correm (que são os da mais desbragada selvajaria, segundo tudo indica) tal disciplina e cortesia não pode deixar de nos merecer a vénia cortês de homem livre e, vénia prestada,

  13. Enunciamos a nossa discordância porque nesse texto se faz primar uma interpretação meramente doutrinária — e do Doutor Labareda, imagine-se, sempre o progresso, portanto…— sobre a constância do entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça em cujos termos ao primado do Direito Comunitário no Direito Interno não pode caber oposição das disposições ordinárias da Ordem Interna e menos ainda, por evidente pressuposto, as considerações menos que lacunares do Doutor Labareda que, definitivamente, entre os seus muitos méritos não pode contar com os de uma sensibilidade bem informada no plano do Direito Comunitário, como nos planos do Direito Público genericamente falando e, concretamente pensando, em matéria de Direitos Fundamentais q.e.d.,

  14. E a esta questão a questão prejudicial de Direito Comunitário já o Tribunal Constitucional, ainda que noutros autos, nos deu a extraordinária resposta acima focada, talvez na pressa de recusar o...

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