Acórdão nº 62/08 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2008

Data31 Janeiro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 62/2008

Processo n.º 6/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    A., S.A. interpôs recurso de revista de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que declarara que a autora, B., era trabalhadora por tempo indeterminado da ré A., S.A. desde 3 de Janeiro de 2005, sendo ilícito, por não ter sido precedido de processo disciplinar, o seu despedimento, tendo, consequentemente, condenado a mesma ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho com as funções e antiguidade que deteria se não tivesse ocorrido o despedimento e a condená-la a pagar as retribuições vencidas até à decisão final e as vincendas até à efectiva reintegração.

    Nas alegações da revista, concluiu assim A., S.A., para o que agora releva (cfr. fls. 17 e seguintes):

    […]

    J – A consequência que em virtude do acórdão ora Recorrido se imputou à Recorrente fixa-se muito para além de quaisquer limites admissíveis à luz dos mais elementares princípios de direito, Visou-se e conseguiu-se efectivamente imputar de forma inadmissível à ora Recorrente as vicissitudes de um contrato que, intencional ou negligentemente, foram sem sombra de dúvidas provocadas por um comportamento da R. C. SA que, a configurar-se como ilícito, não pode senão responsabilizar ela própria. Desconhecem-se quaisquer razões de justiça que desta forma injustificada permitam, conscientemente, punir uma entidade, uma empresa, pelo comportamento ilícito intencional ou negligentemente assumido por outra, mais a mais, quando a principal prejudicada nem sequer responsabilidade fiscalizadora tinha, teve ou tem para neste domínio. Nas palavras do ilustre Professor Dr. Pedro Romano Martinez se encontre melhor razão, quando refere, ‘Não sendo observada a forma escrita ou faltando a indicação do motivo que justifica a celebração do contrato, remete-se para a conversão em contrato sem termo (...) não se esclarecendo contudo quem fica vinculado por este negócio jurídico.” Mais adiantando que “Diferentemente do disposto nos artigos 11°, n.° 4, e 16°, n.° 3, da LCT, onde se comina que o contrato sem termo se considera celebrado entre o trabalhador e o utilizador, no artigo 19°, n.° 2, da LCT fica em aberto o sentido da estatuição legal, devendo entender-se que o vínculo se consolida entre a ETT e o trabalhador, pois não seria curial responsabilizar o utilizador por factos de que não é imputável.”

    L – Não só pouco curial seria, como, segundo pensamos, se poderia até situar para além dos limites da própria legalidade porquanto, não existindo expressão legal claramente fixada nesse sentido, seria no mínimo controverso forçar uma parte a ‘aderir” à manifestação de uma vontade contratual que não foi por si emitida, recepcionada e até, por vezes, conhecida. Conforme refere o ilustre Professor Dr. Monteiro Fernandes,

    “A sanção mais significativa para a inobservância de tais condições é a que corresponde à «atipiciade» do trabalho temporário, como esquema contratual de utilização da força de trabalho, no quadro das valorações que continuam a prevalecer no nosso ordenamento laboral. Essa sanção consiste na consideração legal da existência de contrato de trabalho de duração indeterminada.

    Na maioria das situações, esse contrato ligará o trabalhador à entidade utilizadora: são os casos do prosseguimento do trabalho ao serviço desta, por mais de dez dias além da cessação do contrato de utilização (art. 10°), da falta de contrato de utilização escrito ou da omissão dos motivos da sua celebração (art. 11°), da celebração de contrato de utilização com empresa de trabalho temporário não autorizada (...)

    O contrato sem termo considera-se existente entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário quando a cedência é feita sem contrato de trabalho temporário (art. 17º), ou quando este é celebrado sem indicação do motivo justificativo (art. 19°)”

    M – Não pode a Recorrente, neste domínio e considerado que seja tudo o que infra se expôs, deixar de afirmar que a conversão do contrato de trabalho temporário, porque de uma conversão se trata efectivamente, não pode deixar de se estabelecer entre a empresa de trabalho temporário, aqui a R. C. SA e a trabalhadora Recorrida, conforme suporta jurisprudência recente do próprio Tribunal da Relação de Lisboa, acima claramente evidenciada”.

    A autora e então recorrida, B., contra-alegou (cfr. fls. 30 e seguintes), formulando as seguintes conclusões:

    “1 Os motivos justificativos dos contratos de trabalho temporário celebrados entre a recorrida e a C. são insuficientes, vagos e falsos.

    1. A motivação apresentada, além de falsa, omite os factos e circunstâncias concretas que justificam o recurso à contratação excepcional de trabalhadores.

    2. O contrato de trabalho temporário, datado de 3/01/2005, não respeitou os formalismos exigidos pelo Decreto-Lei n.° 358/89, razão por que deve ser considerado um contrato de trabalho por tempo indeterminado que vincula a recorrida à recorrente.

    3. A recorrente foi a responsável pela indicação dos motivos presentes naquele clausulado, tentando iludir as disposições legais que regulam a contratação a termo.

    4. Só a recorrente tem meios, estrutura organizativa e funções compatíveis com a categoria e natureza da actividade desempenhada pela recorrida que permite a real efectivação do seu direito à reintegração.

    5. A cessação do contrato sub judice configura um despedimento ilícito, porque não foi precedido do necessário processo disciplinar.

      7 A celebração abusiva de 101 contratos de trabalho a termo e temporário, no período compreendido entre 17 de Maio de 1999 e 7 de Fevereiro de 2005 atenta, gravemente, contra a dignidade da pessoa humana que é a trave mestra da “Constituição do Trabalho” e do Estado de Direito Democrático (arts. 1º. e 2.° da CRP)”.

      Por acórdão de 17 de Outubro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu a revista e, em consequência, absolveu A., S.A. dos pedidos que haviam sido formulados pela autora, pelos seguintes fundamentos (cfr. fls. 43 e seguintes):

      “[…]

    6. No caso sub specie, os diversos contratos a termo celebrados entre a recorrida autora e a recorrente Empresa-A e, bem assim, os contratos de trabalho temporário celebrados entre a primeira e as empresas de trabalho temporário Empresa-C, S.A., e Empresa-B, S.A., encontram-se documentados nos autos, constando da matéria de facto assente as cláusulas apostas nos primeiros, que intentavam justificar os motivos da contratação a termo, e as menções exaradas nos segundos, também apostas ao jeito de justificação dos motivos da respectiva celebração.

      O que, talqualmente sucedia na situação apreciada pelo Acórdão de 6 de Dezembro de 2006, não se encontra documentado são os contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre as empresas de trabalho temporário e a ré.

      Como deflui da transcrição supra efectuada, naquele citado acórdão, este Supremo Tribunal concluiu, a dado passo, que, embora a falta do motivo da contratação determinasse que o contrato de trabalho temporário se considerasse por tempo indeterminado, por força do n.º 2 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que remetia para o n.º 3 do artigo 42º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, essa consequência não se repercutia directamente na relação jurídica titulada pelos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora do trabalho; e isso porque, não se encontrando esses contratos documentados nos autos nem sendo eles referenciados na matéria de facto dada como assente, não se podia extrair, em face da factualidade então assente, que os contratos de utilização de trabalho temporário estavam, também eles, feridos de invalidade por falta de motivação.

      E isso, realçou-se no mesmo acórdão, conduzia a uma decisão diversa da tomada no Acórdão de 13 de Julho de 2005, proferido na Revista n.º 1173/2005 (o qual se encontra disponível em www.dsgi.pt sob o n.º de documento SJ200507130011734), pois que, nos autos em que foi prolatada tal decisão, estavam documentados os contratos de utilização de trabalho temporário, pelo que, acrescenta-se agora, era possibilitada a aferição dos motivos que levaram especificamente ao negócio jurídico celebrado entre duas das partes da...

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